terça-feira, 21 de junho de 2016

Insatisfação e sair de uma ilha

Aluno 92
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Alexander Hamilton nasceu em 1755. Foi abandonado pelo pai e perdeu a mãe para uma doença. Perdeu os poucos bens que lhe restavam quando um furacão atingiu sua ilha.
Os moradores, movidos por um poema criado por Alexander, relatando o ocorrido, juntaram economias e o colocaram em um barco para Nova York, onde ele teria oportunidades.
Alexander Hamilton foi peça chave da revolução americana e se tornou o primeiro secretário do tesouro americano.
   Eu, 92, ator, jovem de vinte anos que mora em Alvorada e cursa letras, me vejo muito em Hamilton, e vejo muito dele em mim.
Eu nunca fui alvo de grande expectativa por parte de ninguém, nem família, nem amigos. Todos tem plena certeza que o 92 vai conseguir um belo emprego medíocre, uma bela casinha medíocre, terá uma bela esposa e talvez um cachorro. Também comprará um carro. Não é como se ele fosse além disso.
   A alguns anos atrás eu descobri o teatro. Sem dúvidas a paixão da minha vida. Todo o meu tempo livre se esvai em livros sobre teatro ou ensaios. Nos primeiros meses de trabalho com um grupo, tudo era incrível, mas quanto mais tempo passava, quanto mais eu me envolvia com o meio teatral, mais pessoas eu conhecia e mais certeza eu tinha de que eu não estava nem perto do nível delas. Mediocridade, insatisfação.
   O teatro teve influência na escolha do curso de letras. A ligação do palco com a literatura é especial. Estava e ainda estou bastante animado com o curso, porém logo nas primeiras aulas e nos primeiros trabalhos já noto uma dificuldade de expressão e argumentação de minha parte, coisa que não noto nos outros colegas. Esse aparentemente simples texto já me deu muito trabalho, e não está com a qualidade que eu gostaria. Mediocridade, insatisfação.
   Talvez eu me cobre demais, talvez as metas que eu imponho para mim mesmo sejam gigantescas demais, talvez eu devesse dar um passo de cada vez e não abocanhar mais do que posso mastigar, mas toda vez que eu vejo os outros mais avançados, toda vez que eu me lembro da história de Hamilton, eu também me recordo daquele relógio acima de minha cabeça, do tempo que ainda tenho pra completar meus objetivos. E se eu morrer na mediocridade? E se eu viver na mediocridade? E se?
Como vou ser um bom professor se tenho dificuldades para escrever um simples texto me apresentando? Como vou alcançar a Broadway tendo nascido pobre, em alvorada e sem um pingo de talento?
   Eu decidi que a única coisa que poderia fazer pra ser o que eu quero ser é trabalhar. Trabalhar o suficiente até eu conseguir ou ter um colapso nervoso, o que vier antes. Isso seria muito bonito e nobre, se eu não tivesse medo.
   Este sou eu, um homem com medo. A insatisfação com as minhas atividades e essa sombra de mediocridade me corroem mas também me definem. Me sinto preso em uma ilha, com água por todos os lados, e não sei se vou sair dela tão cedo.

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