terça-feira, 28 de junho de 2016

Mediano

Aluno 76
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Eu tinha 16 anos e estava conversando sobre o futuro com meu técnico de vôlei e meus companheiros do time do colégio. O papo girava em torno do que “iríamos ser quando crescer”, ou seja, o que faríamos na faculdade, dali a um ano. Foi quando o meu professor sentenciou: o Balsemão pode escolher qualquer curso, que ele vai se dar bem.
Aquele treinador era um ídolo pra mim, e encarei aquelas palavras como um grande elogio, afinal, eu poderia ser o que eu quisesse. Mas foi só há alguns anos que realmente entendi aquela mensagem. Traduzindo: eu faria qualquer coisa bem, não super bem. O recado estava dado. Eu era alguém apenas ok. Nem bom. Nem mau.
Dar-se conta disso, acreditem, pode ser um tanto quanto perturbador. Porque quem é “ok” gosta de tudo. Faz tudo mais ou menos bem. Então fiz vestibular pra direito, passei na federal do Rio Grande do Sul e até que tava indo… ok. Mas não tava feliz. Não que eu estivesse infeliz, mas eu senti que podia me doar um pouco mais se fizesse outra coisa.
Foi quando entrei, meio que por acaso, no curso de jornalismo. A empolgação inicial foi grande, e eu tirava notas muito boas. Comecei a trabalhar em um jornal e, mesmo antes de formado, fui contratado como repórter. Fiz matérias interessantes. Mas nada que abalasse as estruturas. E assim tenho levado.
Porque eu gosto muito de jornalismo, e quem faz o que gosta acaba fazendo bem. É o que dizem, e eu acredito. Mas eu também gosto de história, cheguei até a cursar alguns semestres dessa graduação. Curto ainda outras coisas que não são dignas de nota em um jornal.
É mais ou menos como se eu estivesse o tempo todo desperdiçando meu potencial. Como se eu não tivesse foco. Parece confuso, eu sei, mas é que, por exemplo, eu sou do sexo, das drogas e do rock and roll. Mas também sou do funk, da música eletrônica, do pagode (old school, claro) e até, bem de vez em quando, da ópera.
E nessa toada tenho me moldado ao longo desses 20 anos desde aquela sentença do meu professor. Porque, por exemplo, se eu canalizasse todas as minhas energias pro jornalismo, acredito que seria um repórter de ponta. Mas daí eu penso que tem o vôlei. Que tem a cerveja. Que tem os amigos. Que tem a minha cama. Que tem o silêncio. Que tem uma rede me esperando lá em casa pra eu deitar. Que tem a culinária e um monte de coisas gostosas pra cozinhar e comer. E acabo fazendo um pouquinho de tudo, e, no fundo, o que me resta? Experiências, muitas delas bem inacabadas. Outras totalmente superficiais. 
Essa certeza de ser quem eu sou veio com mais força quando li um conto do Caio Fernando Abreu intitulado “Os Sobreviventes”. Cito um trecho aqui:
“Já li tudo, cara, já tentei macrobiótica, psicanálise, drogas, acupuntura, suicídio, ioga, dança, natação, cooper, astrologia, patins, marxismo, candomblé, boate gay, ecologia. Sobrou só esse nó no peito. Agora faço o quê?”
É nessa angústia eterna que tenho levado a vida. Tateando por aí em busca de algum sentido pra tudo isso. Não que minha jornada até aqui tenha sido uma droga, muito pelo contrário. Já viajei bastante, já beijei muito na boca, já derramei muita lágrima por aí. E como não poderia faltar, temos também um bom clichê: aprendi bastante com tudo isso.
Mas tem horas que vem uma tristeza. Volta aquela sensação de poder ter sido tanta coisa. Vem uma certeza de ter os pré-requisitos pra conquistar algo muito maior e, no final das contas, ter jogado tudo no lixo. 
Falando assim, até parece que não tenho tino para a comédia. Eu sou também aquele que faz todo mundo rir. Mas também estou no grupo daqueles que choram, mesmo que não pareça.
Sou profundo, sim. Já assisti a muito filme iraniano, já li literatura africana, já militei no movimento estudantil. Escrevi sobre cyberbulliyng e ganhei prêmio. No meio disso, fiz matéria sobre o corpo do verão - e me diverti pacas. Não tenho vergonha de dizer: os livros “Comer, Rezar, Amar” e “Um Dia”, best sellers que não figuram na estante da maioria dos meus colegas e professores da Letras, estão entre os meus favoritos. Já chorei vendo novela, admito.
Acampei muito nessa vida. Comi bastante miojo. Mas tem horas que tudo o que eu  mais quero é uma cama de hotel king size bem limpa, com lençóis brancos com não sei quantos fios de algodão egípcio. Que desejo comer a comida do renomado chef Alex Atala, mesmo sem nunca ter colocado meus pés no D.O.M., o melhor restaurante do país.
Se sou de esquerda? Quase sempre, mas, cara, o que o partido que havia prometido todas aquelas mudancas está fazendo com o nosso país?
Calma, calma. Não venha me chamar de neoliberal, mas, por favor, evite o seu discurso marxista para tentar tirar a minha liberdade pelo bem coletivo. I-phone? Sim! Carro poluidor? jamais! Bicicleta? sempre que não chover! Roupa bonita também.
Que me desculpem os mais patriotas e o povo da natureza: férias no Pantanal ou na Amazônia estão fora de cogitação. Europa, Alemanha, Berlim: sim, sim e sim. Feminisno: sempre. Inclusão também. Racismo: jamais. Mas, cara, beleza pode até não ser fundamental. Mas quanto mais, melhor.
Pois sou assim. Nem oito, nem 80: talvez cinquenta. Na média. Mediano. Na medida?

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