sexta-feira, 10 de junho de 2016

O dia em que matei Papai Noel

Aluno 79
Reescrita


O ano era 2002. Faltando uma semana para o natal, eu, nos meus 5 anos de idade, esperava impacientemente na fila de um shopping qualquer para falar com o Papai Noel. Esperara o mês inteiro por aquele momento, perguntando a todo tempo a minha mãe quanto faltava para ver o bom velhinho, e já podia até me ver com meu presente tão esperado. Aquela demora me consumia – fui uma criança bastante ansiosa e talvez aí, nesse tempo, já estivesse prestes a aflorar minha irritante mania de roer unhas –, mal podia esperar para contar-lhe o quanto havia me comportado e pedir-lhe meu singelo presente de natal: um Pokémon – sim, um Pokémon de verdade, se acreditava em Papai Noel, por que não em Pokémons?
Quando chegou minha vez e eu pude finalmente conversar com ele e dizer-lhe letra por letra tudo o que tinha planejado, algo chamou mais minha atenção que sua explicação de por que eu não ganharia um Pokémon naquele ano: sua barba branca, tão característica, começara aos poucos a descolar; nada muito aparente, não tivesse minha atenção aos detalhes se apresentado tão cedo provavelmente nada seria notado e a “farsa” teria êxito. Nesse momento, então, comecei a fitar sua face incontrolavelmente, pois além do “probleminha” com a barba, ele me parecia extremamente familiar. Lembrava-me nitidamente daqueles olhos, daquela voz e de sua risada, e isso me incomodava profundamente em minha inocência infantil.
Depois de muito pensar e tentar encontrar uma resposta aceitável para aquilo tudo, eis que, numa epifania, tudo me ficou muito claro; arranquei num instante aquela barba falsa, deixando o tal senhor, que era até bastante jovem para aquele emprego, de rosto vermelho (talvez de raiva, talvez por conta da cola da barba), e gritei como quem tinha descoberto o culpado de um crime: “Não é o Papai Noel, é o Jorge da casa amarela, meu vizinho!”. Todos me olharam estupefatos; as crianças, assustadas e surpresas com o ocorrido, e seus pais, ainda mais horrorizados, pois teriam de encontrar um modo de explicar a seus filhos aquela inocente mas poderosa farsa. Nunca havia visto tantas caras feias direcionadas a mim e nunca mais vi alguém tão bravo numa roupa de bom velhinho.
Naquele fatídico dia, bem naquele instante, o Papai Noel morrera para mim e para aquelas crianças, que ali aguardavam por sua vez, e até hoje eu não ganhei meu querido Pokémon. É uma pena que Jorge tenha se mudado, poderia cobrar-lhe o presente que ainda me deve.



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