Aluno 79
Reescrita
O ano era 2002. Faltando uma semana para o natal, eu, nos
meus 5 anos de idade, esperava impacientemente na fila de um shopping qualquer
para falar com o Papai Noel. Esperara o mês inteiro por aquele momento,
perguntando a todo tempo a minha mãe quanto faltava para ver o bom velhinho, e
já podia até me ver com meu presente tão esperado. Aquela demora me consumia –
fui uma criança bastante ansiosa e talvez aí, nesse tempo, já estivesse prestes
a aflorar minha irritante mania de roer unhas –, mal podia esperar para
contar-lhe o quanto havia me comportado e pedir-lhe meu singelo presente de
natal: um Pokémon – sim, um Pokémon de verdade, se acreditava em Papai Noel,
por que não em Pokémons?
Quando chegou minha vez e eu pude finalmente conversar
com ele e dizer-lhe letra por letra tudo o que tinha planejado, algo chamou
mais minha atenção que sua explicação de por que eu não ganharia um Pokémon
naquele ano: sua barba branca, tão característica, começara aos poucos a
descolar; nada muito aparente, não tivesse minha atenção aos detalhes se
apresentado tão cedo provavelmente nada seria notado e a “farsa” teria êxito.
Nesse momento, então, comecei a fitar sua face incontrolavelmente, pois além do
“probleminha” com a barba, ele me parecia extremamente familiar. Lembrava-me
nitidamente daqueles olhos, daquela voz e de sua risada, e isso me incomodava
profundamente em minha inocência infantil.
Depois de muito pensar e tentar encontrar uma resposta
aceitável para aquilo tudo, eis que, numa epifania, tudo me ficou muito claro;
arranquei num instante aquela barba falsa, deixando o tal senhor, que era até
bastante jovem para aquele emprego, de rosto vermelho (talvez de raiva, talvez
por conta da cola da barba), e gritei como quem tinha descoberto o culpado de
um crime: “Não é o Papai Noel, é o Jorge da casa amarela, meu vizinho!”. Todos
me olharam estupefatos; as crianças, assustadas e surpresas com o ocorrido, e
seus pais, ainda mais horrorizados, pois teriam de encontrar um modo de
explicar a seus filhos aquela inocente mas poderosa farsa. Nunca havia visto
tantas caras feias direcionadas a mim e nunca mais vi alguém tão bravo numa
roupa de bom velhinho.
Naquele fatídico dia, bem naquele instante, o Papai Noel
morrera para mim e para aquelas crianças, que ali aguardavam por sua vez, e até
hoje eu não ganhei meu querido Pokémon. É uma pena que Jorge tenha se mudado,
poderia cobrar-lhe o presente que ainda me deve.
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