Aluno 78
Reescrita
“Você sabe desenhar tão bem, vai
ser um artista!” me disse a primeira professora que tive. “Você escreve
bastante, pode se tornar escritor!” Indicou a segunda, que mimava até demais os
alunos. “O Ricardinho não para de falar, parece que engoliu uma vitrola.” Foi o
que disse outra, quando eu já há tempos tinha perdido a conta de quantas
passaram. Imaginem se depois dessas supostas previsões do futuro e teorias
sobre o que eu tinha ou não engolido, não fiquei pra lá de confuso sobre tais
habilidades. Eu era bom escritor? Ou um péssimo? Falava demais? Era bom
desenhista? Quem será que sabe? Quem será o artista? Foram anos passados nesta
confusão de paixões quando finalmente entendi o que eu queria: eu queria ser
professor.
“Mas
professor do que?” Pois agora, a pergunta era de mim para mim mesmo. E lá rodeei novamente o mar de incertezas,
apenas para no ensino médio finalmente mergulhar na imensidão de escolhas a
serem feitas. De repente percebi que amava o inglês. Sim, foi de repente!
Esteve ali, minha vida inteira, eu era bom nisso, eu sempre gostei, eu só não
tinha percebido ainda. E então eu sabia! Iria para letras. Claro, assim que
fosse possível. Não achei que o possível fosse ser agora, assim quase tão de
repente quanto perceber que eu era feito para algo. Não deixei tornar-se
angústia, coloquei o agora cada vez mais constante sorriso no rosto e quando
menos esperava estava pegando dois ônibus até a faculdade que vi muitos
julgarem a mais difícil de entrar.
“Ah,
Ricardo, você está na faculdade, agora vai ficar sem tempo, com sono e
ocupadíssimo.” Foi quando parentes e amigos me contaram estas verdades, que
percebi a dificuldade que seria para eu continuar com todos os projetos que iniciara
quando passar no vestibular era ainda impossível em meu plano de vida. Aí que
fiz a escolha que até agora mais contradições já ouvi: não deixaria para trás
nenhum de meus antigos projetos, mesmo que estivesse atolado de coisas muito
mais importantes. “Você não vai conseguir, vai ter de escolher uma só coisa.”
Pois, teimoso, detesto ser contrariado. Por isso que enquanto escrevo,
esperam-me dois quadros a serem pintados com aquarela, três filmes que quero
assistir, um par de pneus que devem até o fim da tarde serem cheios e colocados
na bicicleta que estou montando, que é minha segunda.
Se
me dissessem três meses atrás, quantas coisas estão acontecendo comigo ao mesmo
tempo, eu não acreditaria, não julgaria possível, pois dependia do julgamento
de outros para saber o que queria. Dependia dos outros para saber se meus
desenhos estavam bons, se estava escrevendo bem o suficiente ou se tinha
engolido a tal da vitrola. Foi atravessando tais julgamentos que moldei o que
hoje sou. Encontrei-me. Sou muitas coisas, tento ao máximo ser e dar o meu
melhor em cada, pequenina que seja paixão. Ocupadíssimo, cansado, mas foi o que
escolhi. Quando via meus professores, nunca procurei neles a grande sabedoria
ou herói em quem me inspirar, procurei neles o ser humano, professor.
Ocupadíssimo. Cansado. Pois se me perguntarem, ou perguntar-me eu mesmo,
respondo agora que sei “professor de que”: simplesmente professor. Daquilo que
gosto, daquilo que vivo e daquilo que sei conversar sobre.
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