quinta-feira, 9 de junho de 2016

Professor de que?

Aluno 78
Reescrita

“Você sabe desenhar tão bem, vai ser um artista!” me disse a primeira professora que tive. “Você escreve bastante, pode se tornar escritor!” Indicou a segunda, que mimava até demais os alunos. “O Ricardinho não para de falar, parece que engoliu uma vitrola.” Foi o que disse outra, quando eu já há tempos tinha perdido a conta de quantas passaram. Imaginem se depois dessas supostas previsões do futuro e teorias sobre o que eu tinha ou não engolido, não fiquei pra lá de confuso sobre tais habilidades. Eu era bom escritor? Ou um péssimo? Falava demais? Era bom desenhista? Quem será que sabe? Quem será o artista? Foram anos passados nesta confusão de paixões quando finalmente entendi o que eu queria: eu queria ser professor.
            “Mas professor do que?” Pois agora, a pergunta era de mim para mim mesmo.             E lá rodeei novamente o mar de incertezas, apenas para no ensino médio finalmente mergulhar na imensidão de escolhas a serem feitas. De repente percebi que amava o inglês. Sim, foi de repente! Esteve ali, minha vida inteira, eu era bom nisso, eu sempre gostei, eu só não tinha percebido ainda. E então eu sabia! Iria para letras. Claro, assim que fosse possível. Não achei que o possível fosse ser agora, assim quase tão de repente quanto perceber que eu era feito para algo. Não deixei tornar-se angústia, coloquei o agora cada vez mais constante sorriso no rosto e quando menos esperava estava pegando dois ônibus até a faculdade que vi muitos julgarem a mais difícil de entrar.
            “Ah, Ricardo, você está na faculdade, agora vai ficar sem tempo, com sono e ocupadíssimo.” Foi quando parentes e amigos me contaram estas verdades, que percebi a dificuldade que seria para eu continuar com todos os projetos que iniciara quando passar no vestibular era ainda impossível em meu plano de vida. Aí que fiz a escolha que até agora mais contradições já ouvi: não deixaria para trás nenhum de meus antigos projetos, mesmo que estivesse atolado de coisas muito mais importantes. “Você não vai conseguir, vai ter de escolher uma só coisa.” Pois, teimoso, detesto ser contrariado. Por isso que enquanto escrevo, esperam-me dois quadros a serem pintados com aquarela, três filmes que quero assistir, um par de pneus que devem até o fim da tarde serem cheios e colocados na bicicleta que estou montando, que é minha segunda.  
            Se me dissessem três meses atrás, quantas coisas estão acontecendo comigo ao mesmo tempo, eu não acreditaria, não julgaria possível, pois dependia do julgamento de outros para saber o que queria. Dependia dos outros para saber se meus desenhos estavam bons, se estava escrevendo bem o suficiente ou se tinha engolido a tal da vitrola. Foi atravessando tais julgamentos que moldei o que hoje sou. Encontrei-me. Sou muitas coisas, tento ao máximo ser e dar o meu melhor em cada, pequenina que seja paixão. Ocupadíssimo, cansado, mas foi o que escolhi. Quando via meus professores, nunca procurei neles a grande sabedoria ou herói em quem me inspirar, procurei neles o ser humano, professor. Ocupadíssimo. Cansado. Pois se me perguntarem, ou perguntar-me eu mesmo, respondo agora que sei “professor de que”: simplesmente professor. Daquilo que gosto, daquilo que vivo e daquilo que sei conversar sobre. 

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