quinta-feira, 9 de junho de 2016

À prova d'água

Aluno 78
Reescrita


Acontece que uma de minhas colegas de grupo, era filha de uma amiga da ex-secretária do meio ambiente de Cachoeirinha. Não sei ao certo que status isto representa para um indivíduo, sei que foi extremamente fácil para ela nos conseguir um passeio grátis de barco no percurso do Rio Gravataí. Topamos sem nem pensar duas vezes: nossa reportagem seria capa do jornal da turma. Reunimos então a tripulação que na inesperada aventura partiria, isto é, eu, cinco meninas, das quais duas uma era repórter e a outra, fotógrafa. O membro mais peculiar deste curioso grupo seria nosso professor de Literatura, Eduardo. Ele e sua grande mochila preta, que se mostraram úteis não só nesta, mas em outras ocasiões.
            Saímos às duas da tarde de uma linda quarta-feira ensolarada cujo clima consistia do calor que fazia em maio, mas uma leve brisa. Juntos de dois senhores – um ambientalista e um topógrafo pelo que me lembro – fomos da prefeitura de Cachoeirinha até o local de partida, onde ancoravam diversos barcos de pequeno porte com nomes simples e formato engraçado. Vestimo-nos em coletes salva-vidas laranjas, tiramos uma foto do grupo conversamos com o senhor que dirige o barco, curiosamente também secretário do meio ambiente da cidade, e “içamos vela” como com um imenso sorriso no rosto disse meu professor, mesmo que não houvesse nenhuma vela e o motor do barco fizesse um som nem um pouco agradável.
            Eduardo, este é, o professor, sentou ao lado do piloto e ouvimos seu entusiasmo o percurso todo, ainda mais nos momentos em que via nas margens alguns pescadores ou voavam sobre nós pássaros de beira-rio. Laís, a colega aspirante à jornalista, anotava tudo que via pelo rio e ouvia do piloto ou do professor. Nossa fotógrafa, Luiza, não tirava os dedos da câmera. Eu olhava ao redor maravilhado com a quantidade de partes do rio que são realmente deslumbrantes. Pássaros enormes, de penugem branca pousavam sobre os galhos das grandes árvores que ficavam as margens. A água não cheirava mal na maior parte do percurso, e certamente não era tão suja quanto imaginei que seria. Vi uma garrafa aqui e outra ali, alguma latinha talvez mais a margem. Mas nada até então tirou minha atenção da linda paisagem e dos pensamentos que se desenrolavam em minha mente a respeito do curioso passeio, não ser pelo que aconteceu em seguida.
            “Pessoal...”, chamou nossa atenção o piloto, “nessa parte o rio é raso e tem bastante lixo, então vou mais devagar.” Alertou. “Fotografa bastante!” Meu professor cutucou a fotógrafa. Ele nos disse que ali diminuiria a velocidade do barco, não disse que o motor ia começar a fazer os barulhos que fez. De repente deu umas travadas, até que, nos termos do piloto: “Ih! Morreu!” Ah, leitores. “Ih! Morreu!” É talvez antes de “Agora vai afundar!” a última coisa que você quer ouvir dentro de um barco. Digo com propriedade, pois “Agora vai afundar!” foi a frase que meu professor tão risonhamente disse logo em seguida. Bem, começamos a rir junto. Ah, de que adiantaria ficar nervoso? O piloto do barco estendeu o braço até um galho levemente bambo que se estendia de uma das árvores e puxou o barco até a margem, quieto com os olhos ligeiros correndo sobre as partes do rio a procura de uma onde poderia passar. Pode até parecer desesperador assim agora que relato, mas não paramos de rir um segundo enquanto o barco simplesmente fazia o barulho mais ridículo que um motor de barco poderia fazer. Meio que uma tosse, só que mecanizada. A repórter anotava, a fotógrafa fotografava. Com o barco parado, o piloto nos disse, “Desculpa aí garotada, vamos descer e voltar caminhando até a ponta do rio.” Ah, aí cada sorriso em cada rosto deu lugar a uma expressão de tristeza indescritível por palavras. “Mas qual é o problema?” Perguntei. “Tem muito lixo na hélice do motor.” Respondeu o piloto. Foi quando meu professor baixou a cabeça, e garanto que em sua mente naquele momento o triunfo era o único sentimento presente. Pôs-se de pé, estendeu as mãos sobre a cintura e em seu palavreado dramático digno de um herói do romantismo, declamou: “Não há problema! Eu tenho um canivete!”
            Quando abriu a grande mochila preta que trouxera consigo, podíamos ver dentro uma câmera, um canivete, uma corda e o que ele orgulhosamente apresentou como sua lanterna a prova d’água. Devo ressaltar o quão importante são as lanternas a prova d’água às três da tarde de um dia ensolarado. Quando puxou o motor do barco para cima, estava enrolado na hélice um sutiã cor de rosa, um pé de meia e outros detritos os quais não entrarei em detalhes a respeito. Cantarolando Beethoven em meio a nossas incansáveis risadas, cortou facilmente com seu poderoso canivete todo o lixo preso ao maquinário. Nunca o vi tão realizado e orgulhoso de si mesmo enquanto era fotografado de todos os ângulos possíveis no momento. Logo o motor fez o barulho que, antes ridículo, agora soou como música para nossos ouvidos. A capa do jornal já não era nem mais possibilidade, mas sim certeza. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário