Aluno 78
Reescrita
Acontece que uma de minhas
colegas de grupo, era filha de uma amiga da ex-secretária do meio ambiente de
Cachoeirinha. Não sei ao certo que status isto representa para um indivíduo,
sei que foi extremamente fácil para ela nos conseguir um passeio grátis de
barco no percurso do Rio Gravataí. Topamos sem nem pensar duas vezes: nossa
reportagem seria capa do jornal da turma. Reunimos então a tripulação que na
inesperada aventura partiria, isto é, eu, cinco meninas, das quais duas uma era
repórter e a outra, fotógrafa. O membro mais peculiar deste curioso grupo seria
nosso professor de Literatura, Eduardo. Ele e sua grande mochila preta, que se
mostraram úteis não só nesta, mas em outras ocasiões.
Saímos
às duas da tarde de uma linda quarta-feira ensolarada cujo clima consistia do
calor que fazia em maio, mas uma leve brisa. Juntos de dois senhores – um
ambientalista e um topógrafo pelo que me lembro – fomos da prefeitura de
Cachoeirinha até o local de partida, onde ancoravam diversos barcos de pequeno
porte com nomes simples e formato engraçado. Vestimo-nos em coletes salva-vidas
laranjas, tiramos uma foto do grupo conversamos com o senhor que dirige o
barco, curiosamente também secretário do meio ambiente da cidade, e “içamos
vela” como com um imenso sorriso no rosto disse meu professor, mesmo que não
houvesse nenhuma vela e o motor do barco fizesse um som nem um pouco agradável.
Eduardo,
este é, o professor, sentou ao lado do piloto e ouvimos seu entusiasmo o
percurso todo, ainda mais nos momentos em que via nas margens alguns pescadores
ou voavam sobre nós pássaros de beira-rio. Laís, a colega aspirante à
jornalista, anotava tudo que via pelo rio e ouvia do piloto ou do professor.
Nossa fotógrafa, Luiza, não tirava os dedos da câmera. Eu olhava ao redor
maravilhado com a quantidade de partes do rio que são realmente deslumbrantes.
Pássaros enormes, de penugem branca pousavam sobre os galhos das grandes
árvores que ficavam as margens. A água não cheirava mal na maior parte do
percurso, e certamente não era tão suja quanto imaginei que seria. Vi uma
garrafa aqui e outra ali, alguma latinha talvez mais a margem. Mas nada até
então tirou minha atenção da linda paisagem e dos pensamentos que se
desenrolavam em minha mente a respeito do curioso passeio, não ser pelo que
aconteceu em seguida.
“Pessoal...”,
chamou nossa atenção o piloto, “nessa parte o rio é raso e tem bastante lixo,
então vou mais devagar.” Alertou. “Fotografa bastante!” Meu professor cutucou a
fotógrafa. Ele nos disse que ali diminuiria a velocidade do barco, não disse
que o motor ia começar a fazer os barulhos que fez. De repente deu umas
travadas, até que, nos termos do piloto: “Ih! Morreu!” Ah, leitores. “Ih!
Morreu!” É talvez antes de “Agora vai afundar!” a última coisa que você quer
ouvir dentro de um barco. Digo com propriedade, pois “Agora vai afundar!” foi a
frase que meu professor tão risonhamente disse logo em seguida. Bem, começamos
a rir junto. Ah, de que adiantaria ficar nervoso? O piloto do barco estendeu o
braço até um galho levemente bambo que se estendia de uma das árvores e puxou o
barco até a margem, quieto com os olhos ligeiros correndo sobre as partes do
rio a procura de uma onde poderia passar. Pode até parecer desesperador assim
agora que relato, mas não paramos de rir um segundo enquanto o barco simplesmente
fazia o barulho mais ridículo que um motor de barco poderia fazer. Meio que uma
tosse, só que mecanizada. A repórter anotava, a fotógrafa fotografava. Com o
barco parado, o piloto nos disse, “Desculpa aí garotada, vamos descer e voltar
caminhando até a ponta do rio.” Ah, aí cada sorriso em cada rosto deu lugar a
uma expressão de tristeza indescritível por palavras. “Mas qual é o problema?”
Perguntei. “Tem muito lixo na hélice do motor.” Respondeu o piloto. Foi quando
meu professor baixou a cabeça, e garanto que em sua mente naquele momento o
triunfo era o único sentimento presente. Pôs-se de pé, estendeu as mãos sobre a
cintura e em seu palavreado dramático digno de um herói do romantismo,
declamou: “Não há problema! Eu tenho um canivete!”
Quando
abriu a grande mochila preta que trouxera consigo, podíamos ver dentro uma
câmera, um canivete, uma corda e o que ele orgulhosamente apresentou como sua
lanterna a prova d’água. Devo ressaltar o quão importante são as lanternas a
prova d’água às três da tarde de um dia ensolarado. Quando puxou o motor do
barco para cima, estava enrolado na hélice um sutiã cor de rosa, um pé de meia
e outros detritos os quais não entrarei em detalhes a respeito. Cantarolando
Beethoven em meio a nossas incansáveis risadas, cortou facilmente com seu
poderoso canivete todo o lixo preso ao maquinário. Nunca o vi tão realizado e
orgulhoso de si mesmo enquanto era fotografado de todos os ângulos possíveis no
momento. Logo o motor fez o barulho que, antes ridículo, agora soou como música
para nossos ouvidos. A capa do jornal já não era nem mais possibilidade, mas
sim certeza.
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