Aluno 98
Reescrita
(Reescrita)
É difícil dar os primeiros passos. O que
consigo inferir através dos olhares das pessoas é modo de como elas observam você
dos pés a cabeça, pensando que muitos aspectos seus poderiam melhorar. Uma
menina com lindos traços os quais estão em harmonia com a sua beleza está aqui,
e nada consegue me fazer tirar os olhos dela. Entretanto, não é possível a
troca de palavras com esse deslumbrante ser, pois meus maiores inimigos ficam
aos berros na minha mente, me convencendo de que sou incapaz e inferior a
qualquer um neste local. Inimigos perversos, malignos, parece que se alimentam
de todo o resultado do meu auto rebaixamento, da minha própria capacidade de me
deixar embaraçado, com medo e desnorteado perante outros semelhantes a mim.
Insegurança, inferioridade e negatividade: não tem como ser amigo destes caras.
Dentro de um milissegundo, todos eles gritam de uma vez só, de dentro para
fora, em direção aos meus tímpanos, porém nada se ouve aqui fora. A garota
permanece ali, no seu lugar, mas parece que, agora, se distancia a anos-luz de
mim.
Então, quem sou eu? Sou a milésima parte de
um átomo, a inconveniente escuridão em qualquer ambiente, uma mistura de ódio e
repressão sentimental, um mar de referências desconhecidas, a ausência de cor de
um dia frio e o excesso de luz em um dia quente, a extinção de uma possível e
feliz união com o próximo, a fruta podre debaixo do armário, o arrependimento
de uma alma que abitou o corpo errado, a desarmonia entre corpo e mente, a
falta de atitude em uma criança que ainda não disse para sua coleguinha que
gosta dela, o triste ser ambulante prestes a pular de um abismo, o caos de
pensamentos emaranhados em um pobre e ordinário humano. Com defeitos, defeitos
e mais defeitos, sou a junção do querer e não conseguir alcançar com o martírio
de um medíocre conjunto de carne, osso e pele mal habitado, onde não há lugar
para fugir, muito menos para se esconder. Consequentemente, no momento, uma
definição é inviável, pois estou muito longe de ser homogêneo, completo,
perfeito para alguém.
No mesmo lugar, a menina continua sentada.
Confiante, segura, determinada, firme, estável, focada, inteligente e com seu
ego no ponto certo, sem mais nem menos, ela fica concentrada em sua tarefa, e
parece simpática, educada e humilde o suficiente para ouvir a palavra de um
estranho. Em um lapso da minha vida, indo de encontro com o meu natural,
esqueço das adversidades com a minha frágil e doente psique e procuro
apresentar frases convenientes aos arredores, com referências instantâneas,
tiradas deste nosso contexto, formulando uma conversa adorável e amistosa para
ambos, terminando-a de forma que crie o consentimento de que pude satisfazê-la por
poucos minutos, fazendo ela desenvolver dúvidas sobre mim do tipo “qual é o
nome dele”, “quem ele é”, e rebuscando a seguinte questão: haverá uma
continuação? A reciprocidade, aquele um gostar do outro, de forma constante é
incoerente, por isso deve-se sempre trazer isto à tona, da maneira mais ingênua
possível, porque é gostoso, é um prazer indescritível, apesar de pequeno. Sim,
sei disso tudo, mas só preciso de uma pequena dose de atitude e todos os meus
defeitos se tornarão qualidades. Um último momento para respirar, acalmar-me,
sentir cada molécula do corpo ativa, apenas para lembrar que estou vivo, que
sensações boas existem e que não é somente com os outros que relações
intrínsecas acontecem. Reunindo as forças necessárias para me levantar do meu
lugar, um homem de boa aparência, melhor vestido, de boas intenções, de postura
firme e confiante, possuindo traços os quais a atrai aproxima-se dela, dando um
pequeno beijo nos seus lábios e sorrindo para ela como se fosse a primeira vez
que a viu. Com isso, relembro da minha infeliz habilidade de desenvolver rancor
e remorso angustiantes, aniquilando com aquilo que sobrou da minha autoestima
com pensamentos que me inferiorizam em relação aquele rapaz. Ele possui todas
as qualidades que jamais possuí, desfrutando ao máximo delas sem medo e cheio
de segurança. Não há competição, e, novamente, sou o perdedor. Insisto: é
difícil dar os primeiros passos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário