Aluno 98
1 Versão
Aos oito anos, não fale para a coleguinha que
você gosta dela. Guarde. Aos nove, dez, 11, 12, 13, 14, 15 e além, não fale nem
para coleguinha, nem para a sua amiga, nem para nenhum de suas crushes que você acha elas bonitas ou
que gostaria de convidar alguma para tomar um café. Reserve. Preste atenção nos
erros dos outros, pois você não pode errar da mesma maneira. Evite brigar com
os pais na frente dos amigos, tirar péssimas notas, ser desobediente e cabeça
dura, resmungar muito, ficar quieto demais, demonstrar muita seriedade, ser
extrovertido em excesso, comer aos montes, não comer nada, passar desconforto
às pessoas, fazê-las se sentirem constrangidas de alguma forma, jogar
informações desnecessárias no ar, formular piadas sem graça, ter graça e não ter
piadas para demonstrá-la ou ter todas essas características e usá-las
constantemente. De fato, qualquer aspecto trabalhado em excesso fará mal para
todo e qualquer ser vivo. Conserve.
Após tentar ao máximo ser perfeito para todos, e não trabalhar em seu
próprio ser, ou seja, sem investir em qualidades de verdade como autoestima ou
aprender a se amar, mantenha essa sua imagem sem senso crítico, opinião própria
sobre tudo aquilo que lhe é imposto e preocupe-se em deixar os outros felizes,
porque, afinal, todos pensam como você, não é mesmo? Quando você achar que todo
mundo pensa que as pessoas são boas, que agem com compaixão com o próximo e que
tentam ser boas para os outros, não apenas para elas mesmas, da forma mais
egoísta possível, poupe isso. Mais tarde, quando você investiu tanto no mundo exterior
que o mundo interior está inacabado, destrua gradualmente o pouco que você
construiu de bom lá. Os vestígios, aniquile-os, e coloque, no lugar das
supostas qualidades, ingenuidade, para definir o seu arredor e o que está
inserido nele como inofensivo; falsas esperanças, para sustentar a ideia de que
a humanidade poderia não ser ruim com você e que a vida ficará melhor, pois
coisas boas acontecem com humanos que praticam o bem, que espalham grandeza e
sabedoria; rancor, para não parar de pensar um segundo sequer sobre as
conquistas que ficam cada vez mais distantes de você; e uma distorção da sua
realidade, somente para manter o que você se tornou até agora: uma casca vazia,
sem aprendizado útil algum, imergida na melancolia de uma vida repleta de saberes
inúteis e sentimentos entravados e escassa de amor e vitalidade. Mantenha.
Finalmente, depois de guardar, reservar,
conservar, poupar e manter essa conduta, depois que toda a repressão das suas emoções
estiver completa, comece a se elogiar, mais do que nunca. Diga que você é
bonito, inteligente, simpático, amigável, atencioso, diferente... Saboreie-se
com a montanha de atribuições positivas que você nunca chegou perto. Faça tudo
sem medo, se desapegue ao máximo dele, inclusive. No momento, o medo não é mais
seu amigo. Agora, você é seguro, confiante e reconhece todos os seus valores. Com
isso, o próximo passo, um dos últimos, é chegar na coleguinha, na amiga, na crush, o que for para deslanchar anos de
entraves sentimentais. Elogie ela ao máximo, e desfrute desse resultado: uma
ação bem sucedida, uma conquista para a sua vida. Porém, quando a expectativa
se desvanece pelo seu imaginário e o que é real é esfregado na sua cara,
significa que o produto final está prestes a chegar, e ele não será muito
agradável. A represa, a qual segurou por tanto a sua capacidade autodestrutiva,
se romperá, e não será possível controlar a avalanche de percepções que virão.
“Como eu não percebi isso antes?”, “nossa, como fui burro, estúpido!”, “a vida
realmente é mais do que isso, pois tudo o que aconteceu foi ridículo!”. Frases
como essas sairão de sua boca, e você fará bem ao expeli-las por completo.
Desabafe cuspindo, regurgitando, vomitando o que há de podre dentro de seu ser
humano, que acreditava ser inóspito, desprovido da positividade. Como
acabamento final, reconheça o ápice de decepção que você alcançou. O maior erro
da sua existência, até agora, resumido em poucos frames de vida, o suficiente para viver, a partir deste momento, o
resto dela. Capture os aprendizados e guarde-os com muito amor, se moldando
para melhor, preenchendo os vazios que existiam dentro de você. Procure por
outros processos construtivos, invista também na sua saúde mental, vale a pena.
Não sabemos do ser humano incrível que pode haver em você.
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