terça-feira, 21 de junho de 2016

Manual de como abrir um abismo de decepção a partir de suas burrices dentro do seu mundo interno e tapá-lo com aprendizados

Aluno 98
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    Aos oito anos, não fale para a coleguinha que você gosta dela. Guarde. Aos nove, dez, 11, 12, 13, 14, 15 e além, não fale nem para coleguinha, nem para a sua amiga, nem para nenhum de suas crushes que você acha elas bonitas ou que gostaria de convidar alguma para tomar um café. Reserve. Preste atenção nos erros dos outros, pois você não pode errar da mesma maneira. Evite brigar com os pais na frente dos amigos, tirar péssimas notas, ser desobediente e cabeça dura, resmungar muito, ficar quieto demais, demonstrar muita seriedade, ser extrovertido em excesso, comer aos montes, não comer nada, passar desconforto às pessoas, fazê-las se sentirem constrangidas de alguma forma, jogar informações desnecessárias no ar, formular piadas sem graça, ter graça e não ter piadas para demonstrá-la ou ter todas essas características e usá-las constantemente. De fato, qualquer aspecto trabalhado em excesso fará mal para todo e qualquer ser vivo. Conserve.
   Após tentar ao máximo ser perfeito para todos, e não trabalhar em seu próprio ser, ou seja, sem investir em qualidades de verdade como autoestima ou aprender a se amar, mantenha essa sua imagem sem senso crítico, opinião própria sobre tudo aquilo que lhe é imposto e preocupe-se em deixar os outros felizes, porque, afinal, todos pensam como você, não é mesmo? Quando você achar que todo mundo pensa que as pessoas são boas, que agem com compaixão com o próximo e que tentam ser boas para os outros, não apenas para elas mesmas, da forma mais egoísta possível, poupe isso. Mais tarde, quando você investiu tanto no mundo exterior que o mundo interior está inacabado, destrua gradualmente o pouco que você construiu de bom lá. Os vestígios, aniquile-os, e coloque, no lugar das supostas qualidades, ingenuidade, para definir o seu arredor e o que está inserido nele como inofensivo; falsas esperanças, para sustentar a ideia de que a humanidade poderia não ser ruim com você e que a vida ficará melhor, pois coisas boas acontecem com humanos que praticam o bem, que espalham grandeza e sabedoria; rancor, para não parar de pensar um segundo sequer sobre as conquistas que ficam cada vez mais distantes de você; e uma distorção da sua realidade, somente para manter o que você se tornou até agora: uma casca vazia, sem aprendizado útil algum, imergida na melancolia de uma vida repleta de saberes inúteis e sentimentos entravados e escassa de amor e vitalidade. Mantenha.
    Finalmente, depois de guardar, reservar, conservar, poupar e manter essa conduta, depois que toda a repressão das suas emoções estiver completa, comece a se elogiar, mais do que nunca. Diga que você é bonito, inteligente, simpático, amigável, atencioso, diferente... Saboreie-se com a montanha de atribuições positivas que você nunca chegou perto. Faça tudo sem medo, se desapegue ao máximo dele, inclusive. No momento, o medo não é mais seu amigo. Agora, você é seguro, confiante e reconhece todos os seus valores. Com isso, o próximo passo, um dos últimos, é chegar na coleguinha, na amiga, na crush, o que for para deslanchar anos de entraves sentimentais. Elogie ela ao máximo, e desfrute desse resultado: uma ação bem sucedida, uma conquista para a sua vida. Porém, quando a expectativa se desvanece pelo seu imaginário e o que é real é esfregado na sua cara, significa que o produto final está prestes a chegar, e ele não será muito agradável. A represa, a qual segurou por tanto a sua capacidade autodestrutiva, se romperá, e não será possível controlar a avalanche de percepções que virão. “Como eu não percebi isso antes?”, “nossa, como fui burro, estúpido!”, “a vida realmente é mais do que isso, pois tudo o que aconteceu foi ridículo!”. Frases como essas sairão de sua boca, e você fará bem ao expeli-las por completo. Desabafe cuspindo, regurgitando, vomitando o que há de podre dentro de seu ser humano, que acreditava ser inóspito, desprovido da positividade. Como acabamento final, reconheça o ápice de decepção que você alcançou. O maior erro da sua existência, até agora, resumido em poucos frames de vida, o suficiente para viver, a partir deste momento, o resto dela. Capture os aprendizados e guarde-os com muito amor, se moldando para melhor, preenchendo os vazios que existiam dentro de você. Procure por outros processos construtivos, invista também na sua saúde mental, vale a pena. Não sabemos do ser humano incrível que pode haver em você.      

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