terça-feira, 21 de junho de 2016

Como montar um quebra-cabeça (ou como diagnosticar-se apaixonado)

Aluno 84
Reescrita


De acordo com o dicionário, paixão é o sentimento intenso que possui a capacidade de alterar o comportamento, o pensamento; desejo demonstrado de maneira extrema. A ciência explica que, quando se está apaixonado, o cérebro se comporta como se a pessoa estivesse sob o efeito de drogas – a “química do amor” libera hormônios na corrente sanguínea que alteram o funcionamento do corpo. Entretanto, na prática, como identificar possíveis sintomas desse processo emocional? A pintura desse quadro não é tão abstrata como a temática prescreve. Para tanto, é preciso descrever os detalhes do processo; afinal, paixão é um tema que o senso comum explica melhor que a ciência.
O dia inicia e a ação automática após acordar é estender a mão até o criado-mudo para pegar o celular e desligar o despertador. A mensagem carinhosa de “bom dia” que você recebeu foi enviada pelo remetente que está fixo nos seus pensamentos – sinal de sentimento correspondido. Se ainda não recebeu a mensagem, você sente uma vontade espontânea de tomar a iniciativa de enviar a saudação matinal para esta pessoa que não sai da sua cabeça. No deslocamento para a faculdade, a rádio sintonizada no carro toca uma música do Nando Reis que você já escutou outras vezes, mas que dessa vez ecoou nos ouvidos, idealizando uma epifania. Essa súbita sensação de entendimento da essência de algo faz a imaginação materializar aquela pessoa específica no banco do carona. A partir daí, a música, que parece esculpida para o momento, é compartilhada com sua companhia de viagem.
A manhã vai chegando ao fim e sobra tempo para passar no shopping para almoçar. Na praça de alimentação, o restaurante “X” desperta uma nova lembrança: ali, você já vivenciou bons momentos na companhia daquela pessoa. Porém, ao refletir melhor, você sente vergonha ao admitir que o simples fato de comer um hambúrguer – o prato típico do casal – desencadeou tal pensamento. A seguir, uma olhadinha rápida na vitrine. Nenhuma roupa exposta combinaria com o seu estilo, mas aquela camisa ficaria ótima naquele alguém específico. No caminho para o trabalho, a pressa para chegar no horário divide espaço com um extraordinário poder telepático que tenta transmitir pensamento. Se, por algum motivo, a mensagem não for recebida com sucesso, o jeito é enviar via operadora telefônica mesmo.
A tarde vai passando e o trabalho obriga a concentração a sequestrar devaneios. Porém o cativeiro permite espiar o celular de vez em quando. Em uma mensagem enviada por aquela pessoa para você, a foto de um hambúrguer gera um estranho medo de perda. Pode ser sintoma de ciúme; você se autoquestiona quando, onde e com quem essa foto foi tirada – e por que você não estava lá. A pretensão do amor exclusivo provoca um estado emocional complexo, que também pode causar mudanças de opinião repentinas: para evitar o sintoma de saudade – ou pela simples vontade de estar junto – se desfaz até de pensamentos antimatrimoniais preestabelecidos.
            No final do dia, já em casa, a segunda-feira está acabando, mas você já está planejando o final de semana. Antes de dormir, a conversa por telefone – que deveria ser breve – dura um tempo que o relógio não consegue cronometrar: o passado. Por algum motivo desconhecido, o bate-papo relembrou a infância daquela pessoa; e você, internamente, se lamenta por não ter participado dela – ou por não ter a conhecido antes. Antes de desligar, descobre que vocês têm os mesmos defeitos e que nem o gosto musical diferente desafina a melodia. Prestes a dormir, percebe que o encontro casual virou encontro de casal e que, finalmente, você encontrou a última peça do quebra-cabeça e agora consegue ver a imagem completa. Pronto! O diagnóstico está concluído.



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