quinta-feira, 9 de junho de 2016

Do amor como vontade

Aluno 74
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Comecei a fumar com 15 anos. Somos uma família composta por três mulheres e três homens. Minha mãe fuma, meu pai não. Não sei se há uma explicação psicanalítica pra isso, mas o fato é que eu e minha irmã começamos a fumar, enquanto meus dois irmãos jamais tiveram qualquer interesse em cigarro, chegando a ter, inclusive, verdadeira ojeriza. 
O cigarro entrou na minha vida meio como brincadeira e acabou ficando como companheiro dos momentos tensos, dos dias de chuva, dos chás e cafés e também aproximando amigos que achavam que fumar era uma coisa muito linda e cult. Durante um bom tempo eu também achei que fosse, até que os efeitos nocivos começaram a se mostrar maiores do que o up que ele me proporcionava na auto estima e na vida social. O cheiro desagradável, a perda de peso, o cansaço sem fim, a dor de cabeça, o dinheiro perdido. Tudo isso não fazia sentido, eu precisava me libertar.
Desse ponto em diante foram inúmeras tentativas frustradas, minha vida se resumiu a um eterno estar parando de fumar. Mas, quem já fumou sabe, não precisa muito para todo o esforço ir por água abaixo; uma festa, uma decepção, um amigo que oferece e foi-se. Eu precisava de um motivo maior que a minha vontade.
Quando eu tinha 22 anos minha irmã engravidou, ela tinha 19. Nossos pais já não moravam conosco, éramos só eu e ela para enfrentar uma gravidez e um futuro pai com senso de responsabilidade duvidoso. Então nos unimos, demos nosso jeito e veio ao mundo minha afilhada. Eu ainda não tenho filhos, então posso dizer sem sombra de dúvida que o maior amor que eu já senti na minha vida foi por aquela criança. Ela era também um pouco minha filha. Moramos juntas até ela completar quase três anos de idade.
Minha irmã nunca parou de fumar. Tentou parar muito menos vezes que eu e mesmo na gravidez fumou alguns cigarros, sob muitos protestos da minha parte. A minha afilhada teve muitos problemas respiratórios e cresceu vendo a mãe, a madrinha e a avó fumando e aprendeu desde cedo que o isqueiro e aquele “palito branco” estavam sempre presentes. Eu me sentia muito mal com isso, mas não era suficiente para aplacar aquele vício maldito. Até que um dia a influência que isso tinha sobre ela se materializou pra mim.
Estava em casa e saí para o pátio para fumar, como era de costume. Acendi meu cigarro e larguei o isqueiro sobre um banco que havia na área. Estava distraída, quando me dei conta de que minha afilhada tinha saído atrás de mim; eu não gostava que ela ficasse perto enquanto eu fumava, então fui na direção dela para levá-la para dentro novamente. Me aproximo e vejo que ela está com o isqueiro na mão. Quando chego mais perto ela me olha com aquele olhar enorme, lindo e inocente e com aquela voz de puro amor de uma criança de dois anos de idade me diz cheia de alegria, me entregando o isqueiro: - Fuma dinda, fuma.
Aquilo foi um baque pra mim; foi como se subitamente eu tivesse sido iluminada e golpeada na cabeça ao mesmo tempo. Contive-me o máximo que pude, apaguei o cigarro, a peguei no colo e respondi: - Não meu amor, a dinda não fuma mais.
A partir daquele momento nunca mais coloquei um cigarro na boca. Aquela sensação de estar causando um dano irreparável a um ser inocente pelo qual eu nutria um amor sem fim era insuportável pra mim. Era imensamente maior que minha vontade de fumar. Sonho até hoje que estou fumando, mesmo depois de mais de 8 anos. Mas essa história sempre volta pra lembrar porque eu parei. Hoje ela tem 9 anos de idade, sabe que eu parei de fumar por causa dela e se orgulha muito disso.
Tem coisas na vida que só amor pode ensinar pra gente. É claro que as coisas acontecem de maneira diferente para cada pessoa, mas até hoje não conheci força maior que o amor para apoiar uma mudança radical de vida. No meu caso, o amor foi maior que minha vontade, que era fraca para resistir e se tornou forte para superar. Pode ser piegas, pode ser clichê, mas essa história é da vida real.
No dia em que parei de fumar não tive a real proporção daquele acontecimento; agora eu sei o quanto ele foi importante pra ela. Eu cresci vendo minha mãe fumar, não tive outro parâmetro.  Ela está crescendo vendo a mãe e avó fumando, mas a dinda parou. E parou por causa dela. Saber que hoje ela pode olhar para mim e ter uma imagem de algo bom em que talvez ela queira se espelhar, buscando um outro caminho, é um alento muito grande. Assim aprendi que pequenos gestos podem ter proporções muito maiores do que imaginamos; muito maiores do que eu poderia ter imaginado naquela noite em que saí para fumar pela última vez na minha vida.


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