Aluno 154
1 Versão
Há, em meu contato com as palavras, dois momentos cruciais: o primeiro
deles ao me deparar com meu irmão mais velho, que já não brincava comigo,
completamente absorvido por livros sem figuras, indecifráveis para mim, que em
minhas investigações de caçula-xereta tentava participar da aparente diversão e
acabava frustrado pela investida precoce, só restando a vontade de participar
daquilo que fazia tão deslumbrado meu principal mentor da terceira infância; e
o segundo quando, já adolescente, por volta dos 14 anos de idade, através de um
professor descobri autores que me fizeram atentar para questões sobre a escrita
que eu não havia considerado até então, sobre a interação que tem com o mundo a
coisa inanimada com mais vida que pode existir: a palavra.
Num primeiro momento, aprendi a escrever com muita rapidez, tamanha era a
minha dedicação. Buscava impressionar minha mãe e irmão de todas as formas,
encontrando nas tentativas primitivas de escrita a principal delas. Tentava
escrever o tempo todo, em todas as superfícies, e, com o passar dos dias e a
ajuda de mestres, consegui evoluir às tentativas. Com o aprendizado, encontrei
a decepção. Criança carente que era, sempre atrás de atenção, esgotaram-se
aqueles a quem podia mostrar minha nova habilidade, fazendo-me migrar para
outras atividades, restando a escrita apenas como obrigação ou simples ato
desimportante.
Assim foi até o final de meu ensino fundamental, quando comecei a ter
ideias por vezes mais sociais, com viés político, assim exigindo uma interação
mais externa e abrangente do que a que eu adotava até então - fechando-me num
círculo social privilegiado e antagônico ao mundo como um todo -, o que me
aproximou da literatura. Esse processo se agravou com o início do ensino médio,
quando um professor de literatura apresentou-me algo nos livros a que eu não
havia atentado, que é a busca pelo que está implícito no texto, a infinitude de
significados, símbolos e como esses podem interferir no mundo palpável. Com a
descoberta da literatura como meio ativo de mudar o mundo, retomei o hábito da
escrita, dedicando-me a imprimir no que produzia questões que me interessavam e
faziam pensar na realidade de modo utópico.
Buscando aprimoramento técnico, com diários e cadernos de poesia, acabei
por descobrir que a literatura pode dialogar conosco mesmos, funcionando como
ferramenta para a reflexão e, consequentemente, para o autoconhecimento.
Escrevendo pensamentos, pude acessá-los como uma terceira pessoa, podendo
racionalizar dilemas e (quando possível) resolver-me comigo mesmo e com
ocorrências da vida prática de modo menos pragmático, mais refletido.
Com a redescoberta da escrita, pude organizar o interior e o exterior de
minha pessoa de modo a obter maior clareza sobre o mundo e eu mesmo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário