sábado, 3 de junho de 2017

De como aprendi a escrever

Aluno 154
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Há, em meu contato com as palavras, dois momentos cruciais: o primeiro deles ao me deparar com meu irmão mais velho, que já não brincava comigo, completamente absorvido por livros sem figuras, indecifráveis para mim, que em minhas investigações de caçula-xereta tentava participar da aparente diversão e acabava frustrado pela investida precoce, só restando a vontade de participar daquilo que fazia tão deslumbrado meu principal mentor da terceira infância; e o segundo quando, já adolescente, por volta dos 14 anos de idade, através de um professor descobri autores que me fizeram atentar para questões sobre a escrita que eu não havia considerado até então, sobre a interação que tem com o mundo a coisa inanimada com mais vida que pode existir: a palavra.
Num primeiro momento, aprendi a escrever com muita rapidez, tamanha era a minha dedicação. Buscava impressionar minha mãe e irmão de todas as formas, encontrando nas tentativas primitivas de escrita a principal delas. Tentava escrever o tempo todo, em todas as superfícies, e, com o passar dos dias e a ajuda de mestres, consegui evoluir às tentativas. Com o aprendizado, encontrei a decepção. Criança carente que era, sempre atrás de atenção, esgotaram-se aqueles a quem podia mostrar minha nova habilidade, fazendo-me migrar para outras atividades, restando a escrita apenas como obrigação ou simples ato desimportante.
Assim foi até o final de meu ensino fundamental, quando comecei a ter ideias por vezes mais sociais, com viés político, assim exigindo uma interação mais externa e abrangente do que a que eu adotava até então - fechando-me num círculo social privilegiado e antagônico ao mundo como um todo -, o que me aproximou da literatura. Esse processo se agravou com o início do ensino médio, quando um professor de literatura apresentou-me algo nos livros a que eu não havia atentado, que é a busca pelo que está implícito no texto, a infinitude de significados, símbolos e como esses podem interferir no mundo palpável. Com a descoberta da literatura como meio ativo de mudar o mundo, retomei o hábito da escrita, dedicando-me a imprimir no que produzia questões que me interessavam e faziam pensar na realidade de modo utópico.
Buscando aprimoramento técnico, com diários e cadernos de poesia, acabei por descobrir que a literatura pode dialogar conosco mesmos, funcionando como ferramenta para a reflexão e, consequentemente, para o autoconhecimento. Escrevendo pensamentos, pude acessá-los como uma terceira pessoa, podendo racionalizar dilemas e (quando possível) resolver-me comigo mesmo e com ocorrências da vida prática de modo menos pragmático, mais refletido.
Com a redescoberta da escrita, pude organizar o interior e o exterior de minha pessoa de modo a obter maior clareza sobre o mundo e eu mesmo.

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