Aluno 74
Reescrita
Comecei
a fumar com 15 anos. O cigarro entrou na minha vida meio como brincadeira e
acabou ficando como companheiro dos momentos tensos, dos dias de chuva, dos
chás e cafés e também aproximando alguns amigos, companheiros de fumaça. Mas a
verdade é que nunca aceitei minha condição de fumante completamente: o cheiro
desagradável, a perda de peso, o cansaço sem fim, a dor de cabeça, o dinheiro
perdido. Nada disso parecia fazer sentido, eu precisava me libertar.
Minha
vida se resumia a um eterno estar parando de fumar e a uma coleção de
tentativas frustradas. Deixar de fumar é certamente uma das coisas mais
difíceis para uma pessoa. Quem já fumou sabe que manter a vontade firme é um
desafio constante e que basta apenas um momento de fraqueza, apenas um
cigarro, para que todo o esforço
empreendido durante semanas, meses ou até anos, vá por água abaixo. Eu
precisava de um motivo maior que a minha vontade.
Um
dia estava em casa e saí para o pátio para fumar, como era de costume. Acendi
meu cigarro e larguei o isqueiro sobre um banco que havia na área externa.
Estava distraída, quando me dei conta de que minha afilhada tinha saído atrás
de mim. Ela tinha nessa época dois anos de idade e morava comigo. Eu sempre fui
louca por ela e por isso me envergonhava muito do fato de ela crescer me vendo
fumar, ainda mais porque que a sua mãe e a sua avó também eram fumantes. Em
função disso, não gostava que ela ficasse perto enquanto eu fumava. Quando a
vi, fui na sua direção com o objetivo de levá-la de volta para dentro de casa.
Ao me aproximar, noto que ela está com o isqueiro na mão. Quando chego mais
perto ela me olha com aquele olhar enorme, lindo e inocente e com aquela voz de
puro amor de uma criança de dois anos de idade me diz, cheia de alegria, me
entregando o isqueiro: - Fuma dinda, fuma.
Aquilo
foi um baque pra mim; foi como se subitamente eu tivesse sido iluminada e
golpeada na cabeça ao mesmo tempo. Contive-me o máximo que pude, apaguei o
cigarro, a peguei no colo e respondi: - Não meu amor, a dinda não fuma mais.
A
partir daquele momento nunca mais coloquei um cigarro na boca. Aquela sensação
de estar causando um dano irreparável a um ser inocente pelo qual eu nutria um
amor sem fim era insuportável pra mim. Era imensamente maior que minha vontade
de fumar.
Sonho
até hoje que estou fumando, mesmo depois de mais de 8 anos terem se passado.
Mas essa história sempre volta pra me lembrar porque eu parei. Hoje ela tem 9
anos de idade, sabe que eu parei de fumar por causa dela e se orgulha muito disso.
Tem
coisas na vida que só amor pode ensinar pra gente. É claro que as coisas
acontecem de maneira diferente para cada pessoa, mas até hoje não conheci força
maior que o amor para apoiar uma mudança radical de vida. No meu caso, o amor
foi maior que minha vontade, que era fraca para resistir e se tornou forte para
superar.
No
dia em que parei de fumar não tive a real proporção daquele acontecimento;
agora eu sei o quanto ele foi importante pra ela. Eu cresci vendo minha mãe
fumar, não tive outro parâmetro. Ela
está crescendo vendo a mãe e avó fumando, mas a dinda parou. E parou por causa
dela. Saber que hoje ela pode olhar para mim e ter uma imagem de algo bom em
que talvez ela queira se espelhar, buscando um outro caminho, é um alento muito
grande. Assim aprendi que pequenos gestos podem ter proporções muito maiores do
que imaginamos; muito maiores do que eu poderia ter imaginado naquela noite em
que saí para fumar pela última vez na minha vida.
Nenhum comentário:
Postar um comentário