terça-feira, 21 de junho de 2016

O surgimento de um vício

Aluno 110
Reescrita


Quase toda criança é, em algum momento de sua infância, habituada a ler histórias em quadrinhos ou livros infantis, aqueles repletos de desenhos. É comum também que elas gostem de ouvir histórias contadas pelos pais, pelas professoras e pelos amigos, ou que criem diversos universos em suas brincadeiras, adentrando em mundos mágicos e fantásticos. Eu não fugi à regra: eu sempre adorei tudo isso, e como tão forte adoradora, resolvi imitar meus passatempos favoritos. Pegava um lápis colorido, uma folha em branco e inventava minha própria história, que sempre era baseada em alguma que eu havia acabado de ler.
            No início, como eu gostava muito de histórias que contavam brevemente a trajetória de um personagem peculiar (como uma tartaruga que resolve virar uma jacaré) e eram recheadas de figuras, eu copiava os desenhos para essa nova folha e inventava uma história que neles se encaixassem. Essas releituras, no entanto, nunca iam a lugar nenhum: meus pais e minha avó, apesar de acharem tais atos "bonitinhos", não tinham muito o que fazer. Afinal, eu era só uma criança fazendo alguns desenhos. Era saudável. Era normal.
            A invenção de pequenas histórias, no entanto, tornou-se um dos meus passatempos favoritos: sendo a filha única que passava o dia inteiro com a avó, relacionar-me com as outras crianças não era muito fácil nem muito comum. Eu me satisfazia, contudo, ao ter as palavras como minhas melhores amigas e com elas brincar, criando quaisquer universos mágicos e utópicos nos quais eu poderia querer viver, apesar desses nunca passarem de poucas linhas que me protagonizavam como princesa ou como fada. E eu continuava sendo a mais comum das meninas da minha idade. Nada de diferente.
            Contudo, quando eu tinha aproximadamente 9 anos, comecei a ler minha primeira coleção de livros infanto-juvenis, ou seja, aqueles que não possuem figuras, mas sim uma história com um número de páginas relativamente alto. Contava a história de uma garota que, canhota, ao escrever com a mão direita, podia alterar qualquer acontecimento – passado, futuro ou presente ˗, fazendo, por exemplo, com que Joana d'Arc não fosse queimada em uma fogueira. O nome da obra era "Poderosa", mas sempre julguei seu subtítulo o mais importante: "O diário da garota que tinha o mundo na mão".
            A partir daí, comecei a inspirar minhas histórias (que nunca eram desenvolvidas e concluídas) nos relatos da protagonista do livro, e percebi que o que eu mais queria era ser como ela e ter o mundo na mão. Subconscientemente, creio ter entendido que a escrita poderia mudar o mundo, e passei a levar o ato de escrever um pouco mais a sério ˗ o mais sério que uma garota de 9 anos pode levar. Estava plantada a semente do vício.
            Algum tempo depois, quando eu tinha 11 anos, conclui meu primeiro romance, se é que posso chamá-lo assim: trata-se da história de uma garota, coincidentemente muito parecida comigo, que conseguia publicar um livro e fazer parte de uma série de televisão. Resumia todas as minhas ânsias da idade, e seu subtítulo também é bastante esclarecedor: "A garota que se tornou uma popstar." Apesar da história ser boba, até hoje ela significa muito para mim; é como se fosse a concretização do meu ser escritor, que cada vez mais tomaria conta de mim, até me tomar completamente.
            Cheguei a um ponto no qual minha ânsia de criar era tão forte que eu escrevia roteiros para peças teatrais (algumas que eu apresentava na escola), letras de música, histórias baseadas em livros ou filmes que eu tinha lido/assistido e, finalmente, histórias que derivavam somente da minha criatividade. Ainda assim, nada nunca foi muito surpreendente; era apenas um hobbie, coisa de criança. Ninguém nunca viu o que isso poderia se tornar.
            Apesar disso, também tive minha época na qual não escrevia quase nada: estava ocupada tendo as crises da adolescência, por cerca dos meus 14 anos. A escrita não parecia mais algo tão importante ou significativo e a deixei de lado quase que completamente, escrevendo somente textos reflexivos acerca dos acontecimentos da minha vida, que eu nunca ousei mostrar a ninguém. Mas o vício sempre volta.
            Com 16, as crises da adolescência tornaram-se tão intensas quanto uma crise da meia-idade e eu não tive outro escape senão a escrita. Todas as dúvidas, ânsias, temores e amores que me invadiam eu transformava em palavras, e foi aí que me aventurei a um novo gênero: a poesia. Não era necessário qualquer planejamento ou sentido externo: eu deitava a caneta sobre o papel e, instantaneamente, escrevia versos e versos sem pensar, numa espécie de transe. Ao acabar, me sentia leve e satisfeita como nunca antes. Depois disso, nunca mais larguei a escrita.
            Hoje, apesar de crescida, ainda adoro brincar com as palavras, minhas tão fieis amigas. Creio que sem elas eu seria incapaz de organizar ou enxergar o mundo da forma que o faço agora e, portanto, elas têm um papel essencial em quem sou. Também sempre espero que elas, por mais pessoais e subjetivas que sejam, consigam atingir e tocar o próximo, trazendo algum sentimento de compreensão ou, por vezes, de choque; acho que, no fundo, ainda quero ser a garota que tem o mundo na mão, e que através da escrita consegue mudá-lo.

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