Aluno 110
Reescrita
Quase
toda criança é, em algum momento de sua infância, habituada a ler histórias em
quadrinhos ou livros infantis, aqueles repletos de desenhos. É comum também que
elas gostem de ouvir histórias contadas pelos pais, pelas professoras e pelos
amigos, ou que criem diversos universos em suas brincadeiras, adentrando em
mundos mágicos e fantásticos. Eu não fugi à regra: eu sempre adorei tudo isso,
e como tão forte adoradora, resolvi imitar meus passatempos favoritos. Pegava
um lápis colorido, uma folha em branco e inventava minha própria história, que
sempre era baseada em alguma que eu havia acabado de ler.
No início, como eu gostava muito de
histórias que contavam brevemente a trajetória de um personagem peculiar (como
uma tartaruga que resolve virar uma jacaré) e eram recheadas de figuras, eu
copiava os desenhos para essa nova folha e inventava uma história que neles se
encaixassem. Essas releituras, no entanto, nunca iam a lugar nenhum: meus pais
e minha avó, apesar de acharem tais atos "bonitinhos", não tinham
muito o que fazer. Afinal, eu era só uma criança fazendo alguns desenhos. Era
saudável. Era normal.
A invenção de pequenas histórias, no
entanto, tornou-se um dos meus passatempos favoritos: sendo a filha única que
passava o dia inteiro com a avó, relacionar-me com as outras crianças não era
muito fácil nem muito comum. Eu me satisfazia, contudo, ao ter as palavras como
minhas melhores amigas e com elas brincar, criando quaisquer universos mágicos
e utópicos nos quais eu poderia querer viver, apesar desses nunca passarem de
poucas linhas que me protagonizavam como princesa ou como fada. E eu continuava
sendo a mais comum das meninas da minha idade. Nada de diferente.
Contudo, quando eu tinha
aproximadamente 9 anos, comecei a ler minha primeira coleção de livros
infanto-juvenis, ou seja, aqueles que não possuem figuras, mas sim uma história
com um número de páginas relativamente alto. Contava a história de uma garota que,
canhota, ao escrever com a mão direita, podia alterar qualquer acontecimento –
passado, futuro ou presente ˗, fazendo, por exemplo, com que Joana d'Arc não
fosse queimada em uma fogueira. O nome da obra era "Poderosa", mas
sempre julguei seu subtítulo o mais importante: "O diário da garota que
tinha o mundo na mão".
A partir daí, comecei a inspirar
minhas histórias (que nunca eram desenvolvidas e concluídas) nos relatos da
protagonista do livro, e percebi que o que eu mais queria era ser como ela e
ter o mundo na mão. Subconscientemente, creio ter entendido que a escrita
poderia mudar o mundo, e passei a levar o ato de escrever um pouco mais a sério
˗ o mais sério que uma garota de 9 anos pode levar. Estava plantada a semente
do vício.
Algum tempo depois, quando eu tinha
11 anos, conclui meu primeiro romance, se é que posso chamá-lo assim: trata-se
da história de uma garota, coincidentemente muito parecida comigo, que
conseguia publicar um livro e fazer parte de uma série de televisão. Resumia
todas as minhas ânsias da idade, e seu subtítulo também é bastante
esclarecedor: "A garota que se tornou uma popstar." Apesar da história ser boba, até hoje ela significa
muito para mim; é como se fosse a concretização do meu ser escritor, que cada
vez mais tomaria conta de mim, até me tomar completamente.
Cheguei a um ponto no qual minha
ânsia de criar era tão forte que eu escrevia roteiros para peças teatrais
(algumas que eu apresentava na escola), letras de música, histórias baseadas em
livros ou filmes que eu tinha lido/assistido e, finalmente, histórias que
derivavam somente da minha criatividade. Ainda assim, nada nunca foi muito
surpreendente; era apenas um hobbie,
coisa de criança. Ninguém nunca viu o que isso poderia se tornar.
Apesar disso, também tive minha
época na qual não escrevia quase nada: estava ocupada tendo as crises da
adolescência, por cerca dos meus 14 anos. A escrita não parecia mais algo tão
importante ou significativo e a deixei de lado quase que completamente,
escrevendo somente textos reflexivos acerca dos acontecimentos da minha vida,
que eu nunca ousei mostrar a ninguém. Mas o vício sempre volta.
Com 16, as crises da adolescência
tornaram-se tão intensas quanto uma crise da meia-idade e eu não tive outro
escape senão a escrita. Todas as dúvidas, ânsias, temores e amores que me
invadiam eu transformava em palavras, e foi aí que me aventurei a um novo
gênero: a poesia. Não era necessário qualquer planejamento ou sentido externo:
eu deitava a caneta sobre o papel e, instantaneamente, escrevia versos e versos
sem pensar, numa espécie de transe. Ao acabar, me sentia leve e satisfeita como
nunca antes. Depois disso, nunca mais larguei a escrita.
Hoje, apesar de crescida, ainda
adoro brincar com as palavras, minhas tão fieis amigas. Creio que sem elas eu
seria incapaz de organizar ou enxergar o mundo da forma que o faço agora e,
portanto, elas têm um papel essencial em quem sou. Também sempre espero que
elas, por mais pessoais e subjetivas que sejam, consigam atingir e tocar o
próximo, trazendo algum sentimento de compreensão ou, por vezes, de choque;
acho que, no fundo, ainda quero ser a garota que tem o mundo na mão, e que
através da escrita consegue mudá-lo.
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