terça-feira, 21 de junho de 2016

Raquetes

Aluno 92
1 Versão



Uma situação muito divertida e bastante memorável da minha juventude foi quando eu venci um torneio de Ping pong. Eu tinha cerca de doze anos. Estudava numa escola municipal que fica na mesma rua da minha casa. Nas terças e quartas tínhamos educação física, que se resumia ao professor amigão da galera deixando os alunos livres pela escola com uma bola de futebol e uma de vôlei.  A regra era clara: façam o que quiserem, só não quebrem as coisas. Numa dessas manhãs ensolaradas da educação física, a diretora, Dona Adriane, senhorinha muito simpática, apareceu contente dizendo que tinham conseguido algo novo para os alunos. Eu, que não fazia parte nem da turma do vôlei nem do futebol, estava jogado em um banco, quase morrendo de calor.
Eu e mais alguns amigos fomos ver o que era e lá estava ela, a mesa de Ping pong. Aquele pedaço de madeira desgastada, meio velha, e aquelas duas raquetes vermelhas que pareciam pirulitos gigantes se tornaram a obsessão da gurizada do turno da manhã. Em pouco tempo, parte da turma do futebol e da turma do vôlei se transformou na turma do Ping pong.
Eu era um dos mais viciados. A regra jamais discutida pelos colegas era que o vencedor permanece na mesa até ser derrubado. Permanecia por várias rodadas ali, impassível, até cansar ou algum espertalhão notas meus padrões, então largava a raquete, fazia alguma piadinha e voltava direto pro fim da fila.
Depois de mais ou menos um mês de puro fanatismo e jogos valendo bolacha trakinas, o professor Thiago, queridão da galera, passou de sala em sala pra avisar que a direção decidiu promover um torneio de Ping pong. O vencedor ganharia um ingresso para a Expointer. Passagens inclusas. Era, e ainda é um costume nas escolas municipais de Alvorada, levar os alunos para tal passeio. Era um prêmio simbólico, mas o que realmente nos importava eram as já clássicas medalhas douradas de um e noventa e nove, que normalmente saiam do bolso do próprio professor de educação física, e ele fazia questão de dar em todos os campeonatos.
No dia do campeonato eu cheguei sério. No dia anterior eu tinha passado a tarde inteira em uma lan house do bairro assistindo vídeos de Ping pong. Tinha lido em algum lugar que os campeões são focados o tempo todo, então fui para a escola no máximo de minha concentração. Com a cara fechada e minha camiseta do naruto, eu me sentia um verdadeiro guerreiro.
Meus primeiros jogos foram tranquilos. Colegas afobados e com pressa de ganhar. Eu respirava devagar e devolvia os golpes de raquete com calma. Eu já tinha jogado com todos eles, então era apenas uma questão de lembrar dos pontos fracos e evitar meus padrões de sempre.
Minha estratégia de calma e serenidade eventualmente me levou até a final. Meus amigos, que já tinham sido eliminados, torciam pro oponente, pra variar. Depois de beber um pouco de água, peguei minha raquete vermelha e esperei. Enquanto descançava os braços cansados, do outro lado estava o Guilherme. Guilherme, vulgo churrasco, era conhecido na escola por ser o melhor jogador de xadrez. Já tinha vencido todos por ali e ido competir em Porto Alegre. Perdeu, mas mesmo assim era mais habilidoso que todos nós. A confiança habitual nos olhos, e aquela camiseta do Dragon ball que ele usava me diziam que seria uma partida difícil.
Churrasco era um jogador muito agressivo. Completamente o meu oposto. Jogar com ele me dava dor de barriga. Quase não me deixava tempo pra pensar. Ele já tinha entendido meu estilo de jogo e não ia me dar tempo pra reagir. Depois de perdeu o primeiro set de maneira vergonhosa, entendi que deveria ser mais agressivo.
Quando o jogo seguiu, e minha dor de barriga aumentou, aumentei meus ataques. Alternava entre simples devoluções suaves da bolinha com raquetadas ignorantes, dignas de um ogro. Depois de vencer um set por muito pouco,  e de quase ensurdecer com o coro quase uníssono dos meus colegas dizendo que eu já havia perdido, percebi o ponto fraco do churrasco: as pontas. Ele quase sempre errava as bolinhas nas pontas da mesa. Tudo o que eu tinha que fazer era bater com a raquete mais rápido e enviar a bolinha mais veloz do que o braço daquele moleque frenético consegue alcançar nas extremidades da mesa.
Já me retorcendo de dor de barriga, respirei fundo e fui oportunista. Usei a raquete de maneira certa nos momentos certos. Ganhei. Minha medalha comprada no mercadinho silenciou a voz dos meus amigos, e eu e o churrasco vimos os bois na expointer.

Nenhum comentário:

Postar um comentário