terça-feira, 21 de junho de 2016

Uma infância extraterrestre

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Aluno 84


Uma apresentação pessoal não é como se olhar no espelho, mas descrever como se gostaria que essa imagem fosse refletida para as pessoas. Na minha vida cotidiana, geralmente ocupo o outro lado, uma posição que prefere decifrar as vivências alheias do que revelar os próprios enigmas. Falar sobre si mesmo será um difícil mas prazeroso exercício de regressão biográfica. Relembrar a infância é a ferramenta que usarei para fazer o espelho refletir uma imagem de 26 anos. Assim, tentarei abrir algumas gavetas.
As memórias revelam algumas brincadeiras infantis. No velho armário, que no presente desse passado já era antigo, administrava o escritório. Grampeador, papel carbono e máquina de escrever em substituição à bola de futebol, pois as habilidades eram insuficientes para jogá-la. A brincadeira – pouco comum para uma criança – consistia em manter a documentação organizada após inúmeras e imaginárias tarefas de uma burocracia infantil.
Na antiga caixa de som do pai, guardada ao lado daquele armário de mesma faixa etária, apresentava o programa de rádio. Microfone plugado transmitindo o som para uma infinita audiência que sintonizava a sua imaginação, em substituição ao restrito número de amigos reais. A brincadeira – pouco comum para uma criança – consistia em empostar a voz e fazer a locução da parada musical de sucessos dos anos 1990.
No pequeno quadro verde fixado na parede da garagem, ministrava aulas. Giz em todas as cores em substituição ao videogame que não sobrara dinheiro para comprar. A brincadeira – pouco comum para uma criança – consistia em preencher todo o quadro com lições de Matemática e Português e ensinar os alunos que moravam na rua ou na sua imaginação.
De volta à vida terrestre, o secretário de escola se desdobra para manter organizada a escrituração de quase mil alunos matriculados e de cerca de 70 funcionários. Em meio a um país em crise financeira e desemprego, o jornalista graduado espera um dia colocar o diploma em prática e usar as técnicas de locução e apresentação. Enquanto isso, o estudante de Letras sonha em reviver a brincadeira de uma infância imortal e de um passado tão presente.

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