Aluno 101
Reescrita
Passar oito anos dentro de um
mesmo colégio faz coisas com sua cabeça, autoestima e confiança. Coisas
insignificantes parecem ter o valor triplicado, ainda mais quando se fala da
adolescência, onde hoje penso que, sim, é uma fase: os dramas, as inseguranças,
as amizades e incertezas dessa época perturbadora do nosso crescimento como
seres humanos e pessoas em uma sociedade afeta a todos. E claro, adolescentes
têm que ser escutados, apoiados e incluídos em todos os meios, mas não tira meu
ponto de vista de que é só uma fase. E passa. E passar tantos anos em uma mesma
escola, vivendo com as mesmas pessoas, faz você criar traços que não criaria se
estivesse em um ambiente mais sadio, que faria essa minha fase de
amadurecimento ser muito mais tranquila.
Sadio porque eu já estive dos
dois lados. No primeiro ano do ensino médio, saí da minha bolha social e fui
para um colégio público. Os tempos eram difíceis e não estava mais dando para
pagar o particular em que permaneci esses oito anos. Eu não conhecia ninguém,
eu não conhecia nada. Não sabia nem onde era o banheiro. E me sentia atordoada.
Mas mais tarde eu iria saber que aquela mudança iria ser um dos melhores
acontecimentos da minha vida.
Eu entrei naquele colégio como
uma menina introvertida, envergonhada e chorona; presa a esta bolha de amizades
que se baseava em colegas da escola. Panelinhas, por assim dizer. Mas saí como
a líder da minha classe no terceiro ano, que comandou sua turma na semana da
gincana do colégio e saiu vencedora; que apresentava trabalhos na frente de
todos com um sorriso no rosto; que dançou no ginásio do colégio para todo mundo
ver e não se incomodou nem durante um segundo sobre isso; que finalmente tinha
amigos longe de panelinhas estúpidas e superficiais. Parece pouco, eu sei.
Parece aquelas histórias onde a menininha cresce e vira uma pessoa
completamente diferente. Mas o problema era muito mais grave que isso. Lá no
fundo, hoje eu entendo que o problema da minha falta de autoestima era, sim,
aquele colégio particular.
Quando se fica tanto tempo em um
único colégio, as pessoas começam a ficar confortáveis e a te conhecer de um
jeito que não é necessário. Elas sabem seus pontos fortes e fracos. E sabem te
atacar. Dizer que sofri bullying talvez seria demais. Mas na minha turma, em
todos os anos, sempre teve aquele grupinho que tirava sarro, que incomodava,
que não estava nem aí. E eu não era assim.
Eu gostava de prestar atenção e nos primeiros anos me incomodava com a
bagunça. O problema era que eles não gostavam de ser contrariados e, com o
tempo, percebendo minha incomodação, fizeram de mim alvo de piadas entre eles.
Eu não era a única. Todo meu grupo de amigas sofreu um pouco com isso. Talvez
elas eram mais resistentes, talvez eu me importava mais. Não interessa. O
problema era que aquilo foi me desgastando e me tornando uma pessoa insegura.
Eu tinha minhas amigas, e carrego elas comigo até hoje, já na faculdade, e
tentava não me importar com o que acontecia em volta de mim. Sempre diziam que
ignorar é a melhor coisa a se fazer nessas horas. Mas não é bem assim. Eu
terminei o ensino fundamental me sentindo um lixo, sem conseguir olhar nos
olhos das pessoas, apegada demais à ideia de que o julgamento dos outros era
importantíssimo para minha vida.
Quando entrei no colégio público, isso mudou. Lá,
eu me senti como uma pessoa madura, que agia por si mesma. Ninguém me conhecia
ali. Ninguém sabia meus pontos fracos e meus pontos fortes. Eu os mostraria se
quisesse. Eu deixaria passar de mim só o que eu queria que os outros vissem. Eu
estava amadurecendo em um novo ambiente, cheio de pessoas novas. Pessoas que me
moldaram e me fizeram uma cidadã melhor. Que me fizeram enxergar os problemas
que a sociedade vive, que compartilharam comigo sua história de vida, seu
esforço e superação.
Eu conheci uma nova realidade, longe da “babação de
ovo” comum em colégio particulares, que fazem de tudo para que o aluno esteja o
mais confortável possível já que, afinal, ele está pagando para isso. Lá,
tínhamos que agir por nós mesmos, muitas vezes por causa das turmas enormes,
onde os professores não conseguiam tomar conta da sala inteira. Então, acabava
que os estudos eram feitos quase de uma forma autoditada, com grupo de estudos
e, claro, perguntas fora da sala de aula para os professores.
E, não, não reclamo por nem um minuto da qualidade
de ensino. É inferior e/ou precária? Talvez. Mas os bons professores que tive
foram ótimos, e me ensinaram muito mais do que matemática, física, português ou
história. Eles me ensinaram a ser uma cidadã que vive em sociedade. Me
ensinaram a batalhar pelos meus objetivos e lutar pelo que eu acho que é certo.
Junto de meus colegas e amigos, me ensinaram que eu não preciso ter vergonha de
ser quem eu sou. Que está tudo bem. Ninguém é perfeito.
Esse relato tem um fundo muito mais simples do que
eu quis que ele deixasse passar, na verdade. Eu escrevi tudo isso apenas para
dizer que as mudanças, por mais difíceis ou abruptas que sejam, vêm para o bem.
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