sábado, 11 de junho de 2016

Eu quero ser

Aluno 68
Reescrita


Um amontoado de carbono, poeira de estrelas, homo sapiens sapiens, evolução dos peixes que resolveram dar umas bandas na superfície. Mulher, brasileira, gaúcha, pagã. Responder o que sou é relativamente fácil, as respostas podem ser objetivas e diretas, mas elas não importam. Responder quem sou parece mais relevante, porém mais difícil.
            Posso dizer que sou a filha da técnica em enfermagem séria com o falecido segurança querido, carinhoso e idiota, que um dia teve a brilhante ideia de dirigir bêbado. Posso dizer que sou filha de escolas públicas, essencialmente do Ildo Meneghetti, “cria” de cada professora por quem passei pelas mãos. Posso dizer que sou estudante de letras, otimista inconformada, cruza da seriedade da minha mãe com a desenvoltura do pai e uma pitada do idealismo da professora Emília.
            Apesar de ser mais relevante, responder quem eu sou ainda é muito vago, comprido demais, subjetivo demais. São discussões intermináveis essas a respeito de quem somos, o que somos, qual o sentido de tudo, qual a ideia primordial do Ser; as religiões, a Ciência, filosofias, travam batalhas infinitas pela posse da grande Verdade absoluta de tudo. Mas isso também não importa agora.
A mim importa de fato o que queremos ser. O presente é a única coisa de que dispomos, e essa coisa, que dura por um agora que se estica infinitamente, também é como uma página em branco; o que faremos com esse espaço de tempo, o que escreveremos nessa página, o que queremos ser e o que podemos ser são coisas muito mais fantásticas e importantes do que quem ou o que somos; prefiro as reflexões que me coloquem em movimento, com os pés no chão e os olhos na utopia do horizonte.
            Sob esse sentido concluo o que quero ser. Fazer dois vestibulares torturantes para me meter nesse curso que me tira às cinco e meia da manhã da cama, que me faz pegar dois ônibus todos os dias e ainda estudar latim! E tudo porque sou completamente apaixonada por essa bizarrice que é a língua, a comunicação, literatura, e veja só que maluquice, ainda querendo ser professora! Dá para ver o quanto quem escolhe ser professora realmente acredita nisso. Quero ser nem que seja a metade do que a Emília foi para mim na escola, quero acordar de manhã com um propósito em movimento, sabendo que posso colocar as mãos na massa numa grande mudança. Sofro de otimismo irremeável, com vários sonhos que não dormem muito bem tatuados no peito. Quero ser professora, comunicadora, escritora; quero ser um canal, uma transmissora de mensagens e ideias bonitas para quem passar por mim. Semeadora de possibilidades, para honrar quem já semeou em mim um dia e manter viva essa seara de lutas. Não me contento com um futuro que não seja melhor do que o meu presente. Quero ser a pessoa mais feliz que puder, e pôr essa felicidade em tudo que eu tocar.
             Veja bem, quero ser e ponto final. Sou otimista, mas bem firme, totalmente desesperançosa. Esperança é um sentimento que nos diz que coisas boas virão, vem de “espera” e nos coloca numa posição passiva, de quem aguarda a felicidade chegar. Não espero ser, e não consigo esperar, quero ser; o que e quem eu sou guardo por dentro, o que quero ser eu coloco no mundo; o que sou eu contemplo, o que quero ser me faz produzir e edificar transformações. Muito mais me importa as ideias que geram, que reproduzem, e não delimitam. É sempre mais fácil e prazeroso conhecer uma árvore através dos seus frutos antes de consultar uma enciclopédia.

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