Aluno 67
Reescrita
“Tá com apendicite... aguda!
Vamos ter que operar” proferiu, calmamente e com um sorriso confortante no
rosto, o médico que atendia no posto de saúde. Ouvi com a mesma calma e
devolvendo o sorriso. A notícia de que teria que passar por uma cirurgia certamente
me amedrontou, era uma experiência inédita em minha vida e, convenhamos, não
das mais agradáveis, porém decidi enfrentar a situação de maneira positiva:
iria dar tudo certo e, assim como vários amigos fizeram, poderia exibir
orgulhosamente minha cicatriz ao fim de tudo.
A mania de ser positiva era um
traço muito presente na minha personalidade, aos 16 anos pensava que ignorar os
possíveis males do acontecido era a melhor opção e enquanto aguardava para ser
operada só conseguia pensar em... hambúrguer! Talvez um sanduíche simples, até
uma sopa, qualquer alimento diferente do soro que me manteve de pé durante os
dias que passei peregrinando por hospitais até constatar a inflamação do
apêndice. Contrastando com minha despreocupação ela estava lá, minha mãe, me
acompanhando sempre com o olhar atento e preocupado, como o de uma mãe que
deixa o filho na escola pela primeira vez, já esperando o choro e o pedido pra
voltar. Talvez, por trás da confirmação aos meus “vai dar tudo certo”, ela
sentisse o sufoco que estava por vir.
Às 20 horas do dia 18 de julho de
2013, tive que largar minhas pesquisas sobre alimentação no pós-operatório e
ser levada para o local da cirurgia, o que parecia uma sala de reuniões
extremamente iluminada. Quem se reunia ali eram os profissionais que fariam a
operação e a mesa era a maca em que eu estava já pronta para receber a
anestesia, sendo assim, fechei os olhos e imaginei um campo florido. Cinco
segundos e dormi. Ao abri-los, já na sala de recuperação, o apêndice não fazia
mais parte do meu corpo, porém eu já não visualizava aquele campo florido, à
minha frente via, nebulosamente, três pares de olhos arregalados e ao meu lado
outras pessoas que recentemente tinham passado por cirurgias. Eu tossia muito,
de forma incontrolável, meu coração estava indeciso entre sair pela boca ou
parar e eu não parava de me perguntar por que as dores que sentia sequer tinham
relação com a apendicite, minhas costas que doíam insuportavelmente. Os olhos
apavorados eram dos enfermeiros que sequer tentavam me acalmar naquela
situação, estávamos todos sem entender o que teria acontecido de errado.
Conheci boa parte daquele
hospital durante o que se sucedeu, dentre os corredores vazios de uma madrugada
fria, levei o som da minha tosse incessante enquanto perambulava pelas salas de
diversos setores realizando exames. Última parada: UTI. Teria que ficar em
observação por lá, afinal é o que acontece com quem tem uma pneumonia
aspirativa causada por um erro enquanto é anestesiado. O tubo que leva a
anestesia cortou minha garganta, ocasionando a formação de um coágulo no
pulmão.
A partir daí minha recuperação
foi lenta e contou principalmente com ajuda de fisioterapia, remédios e mãe,
que manteve aqueles olhos atentos e preocupados até eu poder sair dali. Foram
alguns dias passeando pelos corredores em cadeira de rodas, até retomar o
fôlego e provar que podia respirar normalmente, foi quando deixei de ver pela
janela do quarto a paisagem de um dos invernos mais gelados da história da
serra gaúcha e pude senti-lo lá fora. O final finalmente aconteceu e foi feliz,
mesmo eu tendo perdido totalmente a vontade de comer hambúrguer quando pude.
Depois desse acontecimento, as
expectativas que crio sobre as mais diversas situações mudaram, não que eu
tenha sido acometida por um pessimismo irremediável, mas já espero que nem tudo
poderá dar certo. Mesmo tendo passado um
sufoco digno de cenas de um filme dramático, saí sem sequelas daquele hospital
e, assim, aprendi que de erro em erro, tudo dará certo no final.
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