quinta-feira, 9 de junho de 2016

Não se preocupe, vai dar tudo errado.

Aluno 67
Reescrita


“Tá com apendicite... aguda! Vamos ter que operar” proferiu, calmamente e com um sorriso confortante no rosto, o médico que atendia no posto de saúde. Ouvi com a mesma calma e devolvendo o sorriso. A notícia de que teria que passar por uma cirurgia certamente me amedrontou, era uma experiência inédita em minha vida e, convenhamos, não das mais agradáveis, porém decidi enfrentar a situação de maneira positiva: iria dar tudo certo e, assim como vários amigos fizeram, poderia exibir orgulhosamente minha cicatriz ao fim de tudo.  
A mania de ser positiva era um traço muito presente na minha personalidade, aos 16 anos pensava que ignorar os possíveis males do acontecido era a melhor opção e enquanto aguardava para ser operada só conseguia pensar em... hambúrguer! Talvez um sanduíche simples, até uma sopa, qualquer alimento diferente do soro que me manteve de pé durante os dias que passei peregrinando por hospitais até constatar a inflamação do apêndice. Contrastando com minha despreocupação ela estava lá, minha mãe, me acompanhando sempre com o olhar atento e preocupado, como o de uma mãe que deixa o filho na escola pela primeira vez, já esperando o choro e o pedido pra voltar. Talvez, por trás da confirmação aos meus “vai dar tudo certo”, ela sentisse o sufoco que estava por vir.
Às 20 horas do dia 18 de julho de 2013, tive que largar minhas pesquisas sobre alimentação no pós-operatório e ser levada para o local da cirurgia, o que parecia uma sala de reuniões extremamente iluminada. Quem se reunia ali eram os profissionais que fariam a operação e a mesa era a maca em que eu estava já pronta para receber a anestesia, sendo assim, fechei os olhos e imaginei um campo florido. Cinco segundos e dormi. Ao abri-los, já na sala de recuperação, o apêndice não fazia mais parte do meu corpo, porém eu já não visualizava aquele campo florido, à minha frente via, nebulosamente, três pares de olhos arregalados e ao meu lado outras pessoas que recentemente tinham passado por cirurgias. Eu tossia muito, de forma incontrolável, meu coração estava indeciso entre sair pela boca ou parar e eu não parava de me perguntar por que as dores que sentia sequer tinham relação com a apendicite, minhas costas que doíam insuportavelmente. Os olhos apavorados eram dos enfermeiros que sequer tentavam me acalmar naquela situação, estávamos todos sem entender o que teria acontecido de errado.
Conheci boa parte daquele hospital durante o que se sucedeu, dentre os corredores vazios de uma madrugada fria, levei o som da minha tosse incessante enquanto perambulava pelas salas de diversos setores realizando exames. Última parada: UTI. Teria que ficar em observação por lá, afinal é o que acontece com quem tem uma pneumonia aspirativa causada por um erro enquanto é anestesiado. O tubo que leva a anestesia cortou minha garganta, ocasionando a formação de um coágulo no pulmão.
A partir daí minha recuperação foi lenta e contou principalmente com ajuda de fisioterapia, remédios e mãe, que manteve aqueles olhos atentos e preocupados até eu poder sair dali. Foram alguns dias passeando pelos corredores em cadeira de rodas, até retomar o fôlego e provar que podia respirar normalmente, foi quando deixei de ver pela janela do quarto a paisagem de um dos invernos mais gelados da história da serra gaúcha e pude senti-lo lá fora. O final finalmente aconteceu e foi feliz, mesmo eu tendo perdido totalmente a vontade de comer hambúrguer quando pude.
Depois desse acontecimento, as expectativas que crio sobre as mais diversas situações mudaram, não que eu tenha sido acometida por um pessimismo irremediável, mas já espero que nem tudo poderá dar certo.  Mesmo tendo passado um sufoco digno de cenas de um filme dramático, saí sem sequelas daquele hospital e, assim, aprendi que de erro em erro, tudo dará certo no final.


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