quinta-feira, 9 de junho de 2016

O amigo acaso

Aluno 74
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Quando nasci meu nome ainda não havia sido determinado, por conta de uma indecisão que afligia meus pais. Eles tinham já dois filhos homens e eu seria a primeira menina, o que fazia com que eu fosse muito aguardada pela família e, justamente por isso, meu nome teria que ser perfeito. No entanto, eles não pareciam concordar muito sobre o conceito de perfeição aplicado a nomes, o que acabou gerando um impasse. Então, para resolver a questão, ponderaram que a melhor solução seria fazer um sorteio entre os possíveis nomes. Eles consideraram razoável o fato de que o nome que eu carregaria para o resto da vida fosse fruto de nada mais do que mero acaso. E aqui neste ponto considero importante mencionar o quanto me senti agraciada neste dia. Não sei dizer que forças agiram no momento do sorteio, se foi o destino, se Deus, ou alguma outra entidade; fato é que me livrei de me chamar, dentre outros nomes, Dolores. Digo que me livrei porque – desculpem-me as Dolores – considero este nome horrendo, não por sua sonoridade, mas pelo simples fato de seu significado original ser “dores”. Não seria com alegria que poderia carregar um nome desses. Dito isso, retomo o motivo que me levou a trazer à baila essa cômica e singela ocorrência que fez parte de minha vinda ao mundo.
O fato anteriormente narrado é o marco do surgimento de uma condição que iria me acompanhar pelo resto da vida: a do acaso. Diversas pequenas situações, traços da minha personalidade e até importantes acontecimentos na minha vida deram-se em função da indecisão, do acaso ou de uma conjunção de ambos, como ilustrarei a seguir com alguns recortes mais relevantes.
Para começar, por acaso, nasci libriana que, dizem os entendidos do assunto, é nada menos do que o signo mais indeciso que existe no zodíaco. Da mesma forma, durante minha infância, as perguntas mais difíceis de responder eram aquelas onde eu tinha que dizer da minha predileção por algo, fosse comida, cor, sabor do sorvete ou brincadeira: eu simplesmente não entendia porque eu era obrigada a escolher uma só opção se tinha tantas! Não me parecia inteligente e, pra ser sincera, ainda hoje não me parece.
Já no final da infância e início da adolescência descobri a paixão pela leitura e pela língua portuguesa e considerei que, agora sim, estava certa de alguma coisa na vida. Seguramente quando crescesse estudaria literatura, línguas e faria disso minha profissão. Mas, por um acaso familiar (que não irei narrar por questões de economia), fui apresentada à filosofia, da qual, para minha perdição e felicidade do acaso, não escapei impune. Deslumbrada, fui arrastada pela ética, pela metafísica e por todo o fascínio que essa área é capaz de despertar, principalmente nos jovens. E foi assim que, às vésperas do vestibular, veio o acaso fazer parceria com a indecisão, e o que era certeza se desfez. Fui obrigada a optar e, pelos motivos já mencionados, acabei por escolher a filosofia, vindo a me formar nessa área posteriormente.
Em relação às questões profissionais não foi muito diferente. Afinal, não foi por outro motivo senão por mero acaso que comecei a trabalhar como secretária escolar. Não procurava nenhuma ocupação específica, queria apenas uma ocupação que conseguisse conciliar com os horários da faculdade e ter alguma remuneração. No entanto, mais uma vez o acaso decidiria por mim, me levando a me apaixonar pela área da educação. E assim passei de secretária a gestora e de gestora a coordenadora pedagógica, trabalhando por alguns anos com ensino. Foi também em função desse pequeno acaso inicial que hoje não tenho mais como objetivo principal seguir carreira acadêmica, mas lecionar.
Creio que essas breves narrativas sejam suficientes pra ilustrar de que forma muitos dos rumos que minha vida tomou foram frutos de decisões que o acaso fez por mim, enquanto eu me debatia em dúvidas. Ele sempre esteve presente para acompanhar, reforçar ou resolver minhas – também constantes – indecisões. Hoje, mais experiente, noto que a ação do acaso é menor, e creio que seja pelo fato de ser menor também minha indecisão. Tanto é assim que hoje, dando uma rasteira no acaso e na indecisão, inicio uma nova graduação por nenhum outro motivo que não seja a minha própria vontade. Mas não tomo isso como uma ruptura com eles: hoje há apenas uma mudança na nossa relação e ainda nutro um carinho por esses companheiros de nascença. Reservo ainda um bom espaço para que o acaso e a indecisão possam atuar, afinal, não foi sem eles que me tornei quem sou. E cada vez mais a experiência vem me mostrando que a vida (pelo menos a minha) é como disse o compositor de uma música que ouvi há algum tempo: “Vou levando assim / Que o acaso é amigo / Do meu coração / Quando fala comigo / Quando eu sei ouvir”.

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