Aluno 74
1 Versão
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Quando nasci meu nome ainda não havia sido determinado, por
conta de uma indecisão que afligia meus pais. Eles tinham já dois filhos homens
e eu seria a primeira menina, o que fazia com que eu fosse muito aguardada pela
família e, justamente por isso, meu nome teria que ser perfeito. No entanto,
eles não pareciam concordar muito sobre o conceito de perfeição aplicado a
nomes, o que acabou gerando um impasse. Então, para resolver a questão,
ponderaram que a melhor solução seria fazer um sorteio entre os possíveis
nomes. Eles consideraram razoável o fato de que o nome que eu carregaria para o
resto da vida fosse fruto de nada mais do que mero acaso. E aqui neste ponto
considero importante mencionar o quanto me senti agraciada neste dia. Não sei
dizer que forças agiram no momento do sorteio, se foi o destino, se Deus, ou
alguma outra entidade; fato é que me livrei de me chamar, dentre outros nomes,
Dolores. Digo que me livrei porque – desculpem-me as Dolores – considero este
nome horrendo, não por sua sonoridade, mas pelo simples fato de seu significado
original ser “dores”. Não seria com alegria que poderia carregar um nome
desses. Dito isso, retomo o motivo que me levou a trazer à baila essa cômica e
singela ocorrência que fez parte de minha vinda ao mundo.
O fato anteriormente narrado é o marco do surgimento de uma
condição que iria me acompanhar pelo resto da vida: a do acaso. Diversas
pequenas situações, traços da minha personalidade e até importantes
acontecimentos na minha vida deram-se em função da indecisão, do acaso ou de
uma conjunção de ambos, como ilustrarei a seguir com alguns recortes mais
relevantes.
Para começar, por acaso, nasci libriana que, dizem os
entendidos do assunto, é nada menos do que o signo mais indeciso que existe no
zodíaco. Da mesma forma, durante minha infância, as perguntas mais difíceis de
responder eram aquelas onde eu tinha que dizer da minha predileção por algo,
fosse comida, cor, sabor do sorvete ou brincadeira: eu simplesmente não
entendia porque eu era obrigada a escolher uma só opção se tinha tantas! Não me
parecia inteligente e, pra ser sincera, ainda hoje não me parece.
Já no final da infância e início da adolescência descobri a
paixão pela leitura e pela língua portuguesa e considerei que, agora sim,
estava certa de alguma coisa na vida. Seguramente quando crescesse estudaria
literatura, línguas e faria disso minha profissão. Mas, por um acaso familiar
(que não irei narrar por questões de economia), fui apresentada à filosofia, da
qual, para minha perdição e felicidade do acaso, não escapei impune.
Deslumbrada, fui arrastada pela ética, pela metafísica e por todo o fascínio
que essa área é capaz de despertar, principalmente nos jovens. E foi assim que,
às vésperas do vestibular, veio o acaso fazer parceria com a indecisão, e o que
era certeza se desfez. Fui obrigada a optar e, pelos motivos já mencionados,
acabei por escolher a filosofia, vindo a me formar nessa área posteriormente.
Em relação às questões profissionais não foi muito diferente.
Afinal, não foi por outro motivo senão por mero acaso que comecei a trabalhar
como secretária escolar. Não procurava nenhuma ocupação específica, queria
apenas uma ocupação que conseguisse conciliar com os horários da faculdade e
ter alguma remuneração. No entanto, mais uma vez o acaso decidiria por mim, me
levando a me apaixonar pela área da educação. E assim passei de secretária a
gestora e de gestora a coordenadora pedagógica, trabalhando por alguns anos com
ensino. Foi também em função desse pequeno acaso inicial que hoje não tenho
mais como objetivo principal seguir carreira acadêmica, mas lecionar.
Creio que essas breves narrativas sejam suficientes pra
ilustrar de que forma muitos dos rumos que minha vida tomou foram frutos de
decisões que o acaso fez por mim, enquanto eu me debatia em dúvidas. Ele sempre
esteve presente para acompanhar, reforçar ou resolver minhas – também
constantes – indecisões. Hoje, mais experiente, noto que a ação do acaso é
menor, e creio que seja pelo fato de ser menor também minha indecisão. Tanto é
assim que hoje, dando uma rasteira no acaso e na indecisão, inicio uma nova
graduação por nenhum outro motivo que não seja a minha própria vontade. Mas não
tomo isso como uma ruptura com eles: hoje há apenas uma mudança na nossa
relação e ainda nutro um carinho por esses companheiros de nascença. Reservo
ainda um bom espaço para que o acaso e a indecisão possam atuar, afinal, não
foi sem eles que me tornei quem sou. E cada vez mais a experiência vem me
mostrando que a vida (pelo menos a minha) é como disse o compositor de uma
música que ouvi há algum tempo: “Vou levando assim / Que o acaso é amigo / Do
meu coração / Quando fala comigo / Quando eu sei ouvir”.
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