Aluno 87
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Há não muito tempo, eu gostava de me perguntar: “Quem eu
sou? Do que sou feita? Por que existo?”, perguntas que acredito já terem
passado pela mente de bastante gente. Eu costumava pensar muito sobre isso e
cheguei a uma conclusão boba e, talvez, meio infantil. Mas ainda não sei o que
poderia me definir melhor: “Eu sou feita de palavras”.
Para me entender, é primeiro preciso saber que eu tenho duas
irmãs, a Fabiana e a Daniela. Somos realmente muito próximas. Quando eu tinha
quatro anos, Dani me ensinou a ler. Passávamos muito tempo juntas fazendo isso,
então eu adorava. Meu pai, professor de Língua Portuguesa e de Língua Alemã,
era meu ideal de inteligência a ser alcançado, porque eu acreditava que
inteligência era leitura – bobeiras de criança. Aos cinco eu já tinha vários
livros, adorava ler para Dani, mas detestava a Fabiana, porque brigávamos
muito. Ela não tirava notas maravilhosas na escola, então eu me considerava
mais esperta e achava que tinha que ser inteligente e que precisava ler muitos
livros. Eu fui crescendo, Dani saiu de casa – faculdade – e isso me quebrou,
pelo menos por alguns meses. Como eu disse, passávamos muito tempo juntas. Essa
separação me aproximou da Fabiana, que hoje é uma das pessoas mais
indispensáveis da minha vida.
O que isso tem a ver com eu ser feita de palavras? Tudo.
Quis me tornar mais esperta do que a Fabi para mostrar que eu podia, aprendi a
ler pra impressionar a Dani, tudo isso me mostrou o caminho da literatura. O
mais engraçado é que essas coisas de criança de “eu leio mais rápido do que
tu!” e “eu sou mais inteligente” não passam de uma ilusão que criamos – ninguém
é mais inteligente e não importa realmente a velocidade com a qual lemos. Mas
eu era criança, crianças têm dessas coisas. Mais acostumada a não viver o tempo
inteiro grudada à minha irmã, eu percebi que sentia um prazer enorme lendo.
Assistindo a animes e a desenhos animados também.
A noite mais decisiva da minha vida como aspirante a
escritora foi quando eu sonhei com o Ash e a Misty, de Pokémon, presos em uma
caverna. Eu nem me lembrava mais do nome dela, só a chamava de “menina ruiva”.
No sonho, eles se perdiam por causa de uma tempestade. Acordei muito
interessada naquilo e, a partir de então, sempre antes de dormir, eu
desenvolvia um pouquinho mais a estória. Sempre um pouquinho mais. Até que um
dia coloquei no google “Ash e a minha
ruiva de Pokémon”. Descobri o mundo das fanfics, que são estórias que os fãs de
determinados livros, seriados ou afins criam sobre isso. Depois de alguns meses
lendo fanfics diariamente, eu escrevi o meu primeiro capítulo. Ao colocar
aquele “continua” no final, eu percebi que Letras era o meu curso. Que eu
queria, mais do que tudo no mundo, ser romancista.
A primeira pessoa a ler, é claro, foi a Dani. Ela disse “tá
bom pra quem em onze anos” e eu me indignei por dentro. Achei que tinha escrito
o novo Dom Casmurro, que era uma obra-prima! Reli anos depois e eu escrevera
“durmiu”, mas ainda sinto um carinho enorme pelo texto. Quanto mais eu
escrevia, mais relacionava a escrita à gramática. Aprendi colocação pronominal,
aprendi as regras da crase, aprendi como usar a vírgula, aprendi as
classificações, qualquer regra que caísse à minha frente. Eu achava que
escrevia melhor a cada norma aprendida. Isso é uma ilusão que eu compreendo
agora. Saber escrever não é conhecer a gramática. Conhecer muitas regras ajuda,
é claro, mas quem sabe gramática não necessariamente sabe escrever um romance.
Aprendi isso também, principalmente nessa minha primeira semana de curso.
Enfim, eu amo criar situações com personagens de diferentes
personalidades e jogar com isso. No começo, havia dois personagens possíveis: o
bom e o ruim. O bom sempre ajudava todo mundo e terminava feliz; o ruim sempre
fazia maldades sem motivo e terminava preso ou arrependido. Agora existem
inúmeros traços na personalidade dos meus personagens. Cada um deles reage
diferente em determinadas situações, não há bom e não há ruim, existem
simplesmente pessoas. Às vezes eu sinto que eles têm vida, que eu simplesmente
narro algo que acontece com pessoas que moram do outro lado do mundo – ou aqui
perto, dependendo da estória. Talvez quem leia meus textos não os veja assim
com tanta realidade quanto eu – provavelmente não –, mas eu sinto que é assim.
E eu amo isso.
Eu digo que sou feita de palavras porque eu não me imagino
feliz sem uma estória em andamento, sem poder colocar para fora todas essas
situações e emoções que eu crio em minha mente. Se eu não pudesse escrever, eu
sobreviveria, é claro, mas sempre estaria sentindo falta de alguma coisa. Seria
como simplesmente fazer o que eu devo fazer, obedecer, andar, comer, mas não
viver mesmo. O que eu sinto ao criar um capítulo novo é algo que eu ainda não
experimentei em nenhum outro momento da minha vida. E, honestamente, eu nunca
quero ter que descobrir o que aconteceria comigo se eu precisasse parar.
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