segunda-feira, 19 de maio de 2014

Amizade e Auxílio

Reescrita
Por Aluno 8

Era uma manhã quente, tediosa, quando recebi a notícia. Um dia daqueles de fim de setembro, quando a atmosfera ficava pesada por causa das chuvas nas nuvens cheias e cinzentas que pairavam no céu. Sentia-me afastada do ambiente que me cercava, observando a forma irreconhecível das nuvens e tentando não bocejar tão indiscretamente.
Ao meu redor, encontrava-se minha família, contando piadas e histórias, alguns rindo ruidosamente, outros servindo a mesa, batendo a louça na madeira, os copos na tolha, toda aquela barulheira. Mas lá estava eu, em meio a todas aquelas pessoas, espremida numa ponta da mesa, quando anunciaram o que mais queria ouvir: o churrasco estava pronto.
Sentada, tamborilava os dedos na mesa, faminta e impaciente. Meu estômago roncava, as pálpebras pesavam e o olhar perdido ao imaginar todos os bifes que iria comer.
Finalmente, ela veio até mim. Uma carne grande, suculenta, cheia de vida. Juro que sorri. Mas meu sorriso não se iluminou por muito tempo, o celular tocava. Estava prestes a receber a tal notícia.
Quando ouvi a música do celular, quase não atendi. Revirei os olhos, pensando que era mais uma piada daquele dia tão entediante, tão previsível. Aprendi segundos mais tarde que preferia tudo o que considerava previsível à ligação que recebi.
Segurei o aparelho e escutei o que estava sendo dito. Foram enunciadas apenas três frases “Elisa, sabe o acidente da Gol?”. “Sim, o que é que tem?” “Minha mãe estava lá”.
Olhei para meu pai, sentado ao meu lado, com a testa franzida. Assim que contei o que ocorrera, ele disse que tínhamos de ir embora. Enquanto tentava digerir aquela informação, ao mesmo tempo, ia perdendo o interesse na refeição, deixando de escutar o barulho a minha volta, os copos batendo, as risadas e as vozes se sobrepondo umas as outras.
Depois daquela ligação, minha fome cessou, a única garfada que dei desceu com dificuldade, empurrada, forçada como a realidade que estava sendo apresentada. Acabara de receber a notícia de que a mãe de meu melhor amigo estava no avião que caíra horas mais cedo, alguém que me vira crescer desde os dois anos de idade, sem nada que pudesse ter sido feito para impedir o que acontecera.
Por que justo com ele? Eu me perguntava todas as vezes que o via chorar, quando corria os olhos sobre a lista de passageiros do voo (cruzando os dedos para que o nome dela não estivesse mais ali), ou quando percebia em seu semblante que havia algo de errado, quando ficava quieto demais, mordia os lábios, virava o rosto. Recordo-me também do enterro, quase um mês depois, de como tentei aguentar firme ao seu lado, dos familiares chorando, o pesar recaído sobre todos, e ele ali, olhando fixo para mim, esperando palavras que o confortassem de alguma maneira.
Por muito tempo, tive ódio, não sabia como lidar com aquela notícia e com tudo o que ela me causou. Eu não chorava, apenas ficava enraivecida, batia portas, brigava com todos, roia as unhas e me isolava no meu quarto. Não havia nada que se pudesse fazer, tinha de cruzar os braços e me conformar, mesmo que bufando, com toda aquela injustiça.
Hoje eu me lembro desse dia como o começo de uma nova fase. Receber aquela ligação não foi fácil, quanto mais lidar com o que aconteceria depois. Às vezes, não achava as palavras certas para dizer, as frases de conforto, com toda a complicação arrependi-me amargamente de não ter apreciado melhor o tédio do meu churrasco.
Mas, se não fosse por essa notícia, talvez eu não tivesse me dado conta do que realmente importava. Não precisei me forçar a lembrar do que falar porque, quando as palavras já estavam gastas e eu já não sabia mais como fingir que tudo estava bem, eu apenas o abracei, foi o suficiente. Naquele momento tão difícil, tão mórbido, ele entendeu que eu estaria sempre ali, mesmo nas situações mais adversas.
Eu estaria ali mesmo quando o caixão descesse pelo túmulo, quando o arranhar da madeira na pedra fustigasse seus ouvidos e o baque surdo na terra o estremecesse. Nunca entendi por que ela havia partido, mas deixei a raiva de lado a partir daquele abraço, pois ele me ensinou a lidar com notícias como essa, já que sabia que podia contar com um amigo; eu o havia auxiliado, e ele faria o mesmo por mim quando precisasse.



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