Reescrita
Por Aluno 8
Era uma manhã quente, tediosa, quando
recebi a notícia. Um dia daqueles de fim de setembro, quando a atmosfera ficava
pesada por causa das chuvas nas nuvens cheias e cinzentas que pairavam no céu.
Sentia-me afastada do ambiente que me cercava, observando a forma
irreconhecível das nuvens e tentando não bocejar tão indiscretamente.
Ao meu redor, encontrava-se minha
família, contando piadas e histórias, alguns rindo ruidosamente, outros
servindo a mesa, batendo a louça na madeira, os copos na tolha, toda aquela
barulheira. Mas lá estava eu, em meio a todas aquelas pessoas, espremida numa
ponta da mesa, quando anunciaram o que mais queria ouvir: o churrasco estava
pronto.
Sentada, tamborilava os dedos na mesa,
faminta e impaciente. Meu estômago roncava, as pálpebras pesavam e o olhar
perdido ao imaginar todos os bifes que iria comer.
Finalmente, ela veio até mim. Uma
carne grande, suculenta, cheia de vida. Juro que sorri. Mas meu sorriso não se
iluminou por muito tempo, o celular tocava. Estava prestes a receber a tal notícia.
Quando ouvi a música do celular, quase
não atendi. Revirei os olhos, pensando que era mais uma piada daquele dia tão
entediante, tão previsível. Aprendi segundos mais tarde que preferia tudo o que
considerava previsível à ligação que recebi.
Segurei o aparelho e escutei o que
estava sendo dito. Foram enunciadas apenas três frases “Elisa, sabe o acidente
da Gol?”. “Sim, o que é que tem?” “Minha mãe estava lá”.
Olhei para meu pai, sentado ao meu
lado, com a testa franzida. Assim que contei o que ocorrera, ele disse que
tínhamos de ir embora. Enquanto tentava digerir aquela informação, ao mesmo
tempo, ia perdendo o interesse na refeição, deixando de escutar o barulho a
minha volta, os copos batendo, as risadas e as vozes se sobrepondo umas as
outras.
Depois daquela ligação, minha fome
cessou, a única garfada que dei desceu com dificuldade, empurrada, forçada como
a realidade que estava sendo apresentada. Acabara de receber a notícia de que a
mãe de meu melhor amigo estava no avião que caíra horas mais cedo, alguém que
me vira crescer desde os dois anos de idade, sem nada que pudesse ter sido
feito para impedir o que acontecera.
Por que justo com ele? Eu me
perguntava todas as vezes que o via chorar, quando corria os olhos sobre a
lista de passageiros do voo (cruzando os dedos para que o nome dela não
estivesse mais ali), ou quando percebia em seu semblante que havia algo de
errado, quando ficava quieto demais, mordia os lábios, virava o rosto.
Recordo-me também do enterro, quase um mês depois, de como tentei aguentar
firme ao seu lado, dos familiares chorando, o pesar recaído sobre todos, e ele
ali, olhando fixo para mim, esperando palavras que o confortassem de alguma
maneira.
Por muito tempo, tive ódio, não sabia
como lidar com aquela notícia e com tudo o que ela me causou. Eu não chorava,
apenas ficava enraivecida, batia portas, brigava com todos, roia as unhas e me
isolava no meu quarto. Não havia nada que se pudesse fazer, tinha de cruzar os
braços e me conformar, mesmo que bufando, com toda aquela injustiça.
Hoje eu me lembro desse dia como o
começo de uma nova fase. Receber aquela ligação não foi fácil, quanto mais
lidar com o que aconteceria depois. Às vezes, não achava as palavras certas
para dizer, as frases de conforto, com toda a complicação arrependi-me amargamente
de não ter apreciado melhor o tédio do meu churrasco.
Mas, se não fosse por essa notícia,
talvez eu não tivesse me dado conta do que realmente importava. Não precisei me
forçar a lembrar do que falar porque, quando as palavras já estavam gastas e eu
já não sabia mais como fingir que tudo estava bem, eu apenas o abracei, foi o
suficiente. Naquele momento tão difícil, tão mórbido, ele entendeu que eu
estaria sempre ali, mesmo nas situações mais adversas.
Eu estaria ali mesmo quando o caixão
descesse pelo túmulo, quando o arranhar da madeira na pedra fustigasse seus
ouvidos e o baque surdo na terra o estremecesse. Nunca entendi por que ela
havia partido, mas deixei a raiva de lado a partir daquele abraço, pois ele me
ensinou a lidar com notícias como essa, já que sabia que podia contar com um
amigo; eu o havia auxiliado, e ele faria o mesmo por mim quando precisasse.
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