Reescrita
Por Aluno 25
Quando eu era pequena, criança, apanhei muito por não comer a comida que
serviam à mesa. Torcia o nariz para tudo, não gostava de nada, exceto arroz,
branco, soltinho, saboroso e de preferência feito por minha avó. Enchia o prato
de arroz puro e me deliciava com aquilo. Era um problema e todos me chamavam de
enjoada, pois nem experimentar eu admitia, tinha ataques e me negava a colocar
algo diferente na boca.
Como já disse eu não comia nada, principalmente se fosse colorido,
amarelo, vermelho, verde, laranja, qualquer cor, separava tudo e comia apenas
alimentos de cores claras, branco, amarelinho ou bege e o mais incrível,
separava por cores, ou seja, meu prato ficava cheio de montinhos nas bordas, um
de cada cor. E detalhe, as nuances também não podiam ser misturadas, assim, o
tempero verde, que é mais escuro, não podia ser misturado com a alface, de
verde mais claro. Lembro que em minha casa havia muitas árvores, lembro
principalmente dos abacateiros, pois minha mãe fazia sempre creme de abacate,
eram potes e mais potes de creme que só ela e meu irmão comiam porque a enjoada
não gostava, hoje sinto saudade do creme de abacate que não comia, engraçado
isso e dessa maneira me alimentei, não sei como, por muitos anos.
Então fui passar trabalho, morei fora do país e sozinha tive que me
virar. É claro que no começo tudo eram flores, pois pão, macarrão e queijo são
fáceis de identificar em qualquer prateleira de supermercado, independente da
língua escrita na embalagem. Lá trabalhei cuidando de uma menina, Sophie,
tranquilo porque a alimentação dela era muito parecida com a minha, tive muita
sorte. Até que certo dia a mãe de uma amiguinha da Sophie perguntou se eu
poderia ficar com a filha dela à noite porque o casal teria uma festa, eu,
prontamente e louca por uma grana extra, aceitei, sem saber que daquela noite
em diante eu não seria mais a mesma. Cheguei às oito horas como combinado e em
seguida o casal saiu, mas não sem antes me dizer: “Fique à vontade e, por
favor, tem comida na geladeira, coma porque voltaremos tarde.” Ok. Tudo lindo,
maravilhoso, eu brinquei com a menina e logo ela foi dormir. Quando a fome
bateu resolvi procurar algo para comer, foi então que minha vida mudou. Pensei
em um pão com queijo, bem básico e simples, mas não foi o que encontrei. Abri a
geladeira e levei um susto, frutas, verduras e um algo que até hoje nunca vi
mais nojento, era uma salsicha, ou linguiça, defumada, não sei, embalada a
vácuo de uma cor vermelho alaranjado muito artificial, um colorido insuportável
dentro daquela geladeira. Resolvi ir para os armários, latas e mais latas.
Desisti. Melhor passar fome eu pensei. Acontece que pelas duas da manhã eu já
estava passando mal de tanta fome, minha barriga roncava e o humor já estava
mais para o mau do que para o bem. A irritação começou a chegar e já estava
ficando com raiva daquele casal que me deixou sem comida e não voltava nunca
daquela maldita festa. Então voltei para a cozinha pensando em achar algo nem
que fosse para comer de nariz tampado ou engolir inteiro sem sentir o gosto.
Foi então que me saltou aos olhos uma caixinha, pequena, mas linda, na
geladeira. Linda, porque com a fome que eu estava acredito que até chuchu seria
lindo. Chuchu? Aquilo sem gosto, sem cheiro e sem graça, verde por fora e
branco por dentro. Dentro daquela pequena caixa havia várias bolinhas,
lindinhas e vermelhas. Eram tomatinhos cereja. Incrível como comemos com os
olhos. Peguei aquela caixinha me sentei na escada, respirei fundo e comecei a
comer. Comi a caixa toda e adorei, talvez porque o tomate cereja seja mais
docinho ou porque minha fome era de leão. Não interessa. O importante, como já
disse, foi que minha vida mudou radicalmente e para melhor, tenho certeza,
depois dessas bolinhas vermelhas chamadas tomate-cereja.
Assim, comecei minha orgia gastronômica que dura até hoje, vinte e poucos
anos depois do fato narrado. Não me nego a experimentar nada, como de tudo,
exceto pimenta, a qual descobri, depois de comer várias vezes, que sou
alérgica. Atualmente sou apaixonada por abacate, preparado de qualquer maneira
acho uma delícia e talvez por isso sinta saudade dos cremes de minha mãe.
Aprendi que o visual do prato também é importante, acho que por isso ainda não
tive coragem de comer no RU, mas ainda vou, pois preciso experimentar porque só
assim poderei dizer se gosto ou não gosto. E preciso confessar, existem várias
coisas que ainda não como, pimentão, tempero verde, rúcula e mais algumas
poucas, mas garanto que já experimentei todas elas para poder dizer que não
gosto.
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