quarta-feira, 21 de maio de 2014

Aprendendo a comer

Reescrita
Por  Aluno 25



Quando eu era pequena, criança, apanhei muito por não comer a comida que serviam à mesa. Torcia o nariz para tudo, não gostava de nada, exceto arroz, branco, soltinho, saboroso e de preferência feito por minha avó. Enchia o prato de arroz puro e me deliciava com aquilo. Era um problema e todos me chamavam de enjoada, pois nem experimentar eu admitia, tinha ataques e me negava a colocar algo diferente na boca.
Como já disse eu não comia nada, principalmente se fosse colorido, amarelo, vermelho, verde, laranja, qualquer cor, separava tudo e comia apenas alimentos de cores claras, branco, amarelinho ou bege e o mais incrível, separava por cores, ou seja, meu prato ficava cheio de montinhos nas bordas, um de cada cor. E detalhe, as nuances também não podiam ser misturadas, assim, o tempero verde, que é mais escuro, não podia ser misturado com a alface, de verde mais claro. Lembro que em minha casa havia muitas árvores, lembro principalmente dos abacateiros, pois minha mãe fazia sempre creme de abacate, eram potes e mais potes de creme que só ela e meu irmão comiam porque a enjoada não gostava, hoje sinto saudade do creme de abacate que não comia, engraçado isso e dessa maneira me alimentei, não sei como, por muitos anos.
Então fui passar trabalho, morei fora do país e sozinha tive que me virar. É claro que no começo tudo eram flores, pois pão, macarrão e queijo são fáceis de identificar em qualquer prateleira de supermercado, independente da língua escrita na embalagem. Lá trabalhei cuidando de uma menina, Sophie, tranquilo porque a alimentação dela era muito parecida com a minha, tive muita sorte. Até que certo dia a mãe de uma amiguinha da Sophie perguntou se eu poderia ficar com a filha dela à noite porque o casal teria uma festa, eu, prontamente e louca por uma grana extra, aceitei, sem saber que daquela noite em diante eu não seria mais a mesma. Cheguei às oito horas como combinado e em seguida o casal saiu, mas não sem antes me dizer: “Fique à vontade e, por favor, tem comida na geladeira, coma porque voltaremos tarde.” Ok. Tudo lindo, maravilhoso, eu brinquei com a menina e logo ela foi dormir. Quando a fome bateu resolvi procurar algo para comer, foi então que minha vida mudou. Pensei em um pão com queijo, bem básico e simples, mas não foi o que encontrei. Abri a geladeira e levei um susto, frutas, verduras e um algo que até hoje nunca vi mais nojento, era uma salsicha, ou linguiça, defumada, não sei, embalada a vácuo de uma cor vermelho alaranjado muito artificial, um colorido insuportável dentro daquela geladeira. Resolvi ir para os armários, latas e mais latas. Desisti. Melhor passar fome eu pensei. Acontece que pelas duas da manhã eu já estava passando mal de tanta fome, minha barriga roncava e o humor já estava mais para o mau do que para o bem. A irritação começou a chegar e já estava ficando com raiva daquele casal que me deixou sem comida e não voltava nunca daquela maldita festa. Então voltei para a cozinha pensando em achar algo nem que fosse para comer de nariz tampado ou engolir inteiro sem sentir o gosto. Foi então que me saltou aos olhos uma caixinha, pequena, mas linda, na geladeira. Linda, porque com a fome que eu estava acredito que até chuchu seria lindo. Chuchu? Aquilo sem gosto, sem cheiro e sem graça, verde por fora e branco por dentro. Dentro daquela pequena caixa havia várias bolinhas, lindinhas e vermelhas. Eram tomatinhos cereja. Incrível como comemos com os olhos. Peguei aquela caixinha me sentei na escada, respirei fundo e comecei a comer. Comi a caixa toda e adorei, talvez porque o tomate cereja seja mais docinho ou porque minha fome era de leão. Não interessa. O importante, como já disse, foi que minha vida mudou radicalmente e para melhor, tenho certeza, depois dessas bolinhas vermelhas chamadas tomate-cereja.

Assim, comecei minha orgia gastronômica que dura até hoje, vinte e poucos anos depois do fato narrado. Não me nego a experimentar nada, como de tudo, exceto pimenta, a qual descobri, depois de comer várias vezes, que sou alérgica. Atualmente sou apaixonada por abacate, preparado de qualquer maneira acho uma delícia e talvez por isso sinta saudade dos cremes de minha mãe. Aprendi que o visual do prato também é importante, acho que por isso ainda não tive coragem de comer no RU, mas ainda vou, pois preciso experimentar porque só assim poderei dizer se gosto ou não gosto. E preciso confessar, existem várias coisas que ainda não como, pimentão, tempero verde, rúcula e mais algumas poucas, mas garanto que já experimentei todas elas para poder dizer que não gosto.

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