Aluno 1
Aluno 12
RESUMO: Este artigo visa entender a
produção textual como processo. Tal assunto foi trabalhado pela disciplina de
Leitura e Produção Textual do curso de Letras da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (UFRGS). Através dos textos produzidos por duas alunas que
cursaram a disciplina será feita a análise desse processo e, também, será
trabalhado os conceitos do que é texto e produção textual e quais recursos são
podem ser usados para um aperfeiçoamento deles na construção de sentido. Todos
esses tópicos apresentados fizeram parte da dinâmica das aulas, nas quais o
autor dos textos tornava-se também leitor, mostrando que a escrita não é um
procedimento estático, mas que precisa de interação.
Palavras-chave: processo, texto, análise,
1. INTRODUÇÃO
Neste
trabalho será apresentada a produção textual como processo reflexivo em que
ambos, leitor e autor, estão envolvidos e, às vezes, com inversão de papéis.
Isso ocorre para que haja um aperfeiçoamento da escrita, porque vendo o texto
por dois lados, há uma maior compreensão
que contribui para o aprimoramento textual. Os textos que serão analisados
foram elaborados por duas alunas do primeiro semestre do curso de Letras da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, pela disciplina Leitura e Produção
Textual.
Para
a produção dos textos, seguia-se uma dinâmica na qual se insere a ideia de processo, isto é, construção de sentido.
Primeiramente, a proposta de texto era contextualizada: trabalhava-se a maneira
com que se dava a escrita de tal texto (pelo gênero e tipo) e os conceitos
teóricos a seu respeito. Escrevia-se uma primeira versão que seria lida pela
professora e pelos monitores da disciplina. Quando a leitura desta versão
tivesse sido realizada por todos, ela retornaria aos autores junto com um
parecer.
O parecer era escrito por um dos
monitores, e nele continha sugestões de mudanças que poderiam ser realizadas no
texto. O autor deveria, então, lê-lo e refletir sobre ele. Também era
disponibilizada uma tabela com as qualidades discursivas e aspectos formais que
deveriam ser lidos pelos alunos, essas qualidades eram uma forma de critérios
de avaliação, portanto, elas deveriam se mostrar durante o texto.
Durante as aulas, até a entrega da
reescrita do texto, os alunos também elaboravam um diário dialogado, no qual
retomariam as teorias trabalhadas em aula e teriam espaço para falar sobre suas
dificuldades ou afinidades com a proposta determinada. Ao final, então, era
realizada a entrega da segunda versão do texto. Essa era acompanhada em um
portfólio que continha: a primeira versão, o parecer, o diário dialogado, a
segunda versão e os critérios.
Dessa forma, compreende-se que o
texto era não é um processo estático, mas sim dinâmico. No qual precisa da
interação não apenas do autor, mas também de um interlocutor, através dessa
interação há um aperfeiçoamento tanto para o leitor quanto para o autor, e para
o próprio texto.
As aulas de Leitura e Produção
Textual visavam essa interação, portanto nelas eram proporcionados momentos em
que os alunos poderiam ler para os colegas suas produções e ouvir a crítica
deles, facilitando assim, o trabalho de reescrita. Toda essa dinâmica faz parte
de produção textual como processo.
2. DESENVOLVIMENTO
O
primeiro conceito a considerar quando se trata de produção textual é a
definição de texto. De acordo com Fiorin (2006), qualquer meio que expresse um
sentido, podendo ser verbal, não verbal (visual) e verbal e visual, como: um
conto, um quadro e um filme.
De
qualquer forma, como alega Fiorin (2006), texto não é um conceito tão simples,
e para entendê-lo, antes é preciso entender suas propriedades. Sua principal
característica é que ele precisa ter um sentido, que é obtido pela relação
estabelecida entre as partes que o compõe. A primeira dessas propriedades,
segundo o autor, é a coerência:
“Isso quer dizer
que ele não é um amontoado de frases, ou seja, nele, as frases não estão pura e
simplesmente dispostas umas após as outras, mas estão relacionadas entre si.
(...) Uma frase pode ter sentido distintos dependendo do contexto dentro do
qual está inserida.” (FIORIN, 2006, p. )
Deste
modo, observa-se que as partes de um texto adquirem a primeira relação entre si
dentro de um contexto, fazendo com que ele não seja ilógico e desconexo,
permitindo que apresente uma continuidade de sentido.
Entretanto, não é apenas a coerência
que estabelece relação entre as partes. Utilizamos da coesão para “fazer com
que as ideias se entrelacem, completando-se e retomando-se, de modo que as
frases sigam um fluxo lógico e contínuo, não parecendo blocos isolados”. (VOTRE
et al, 2010, p. 25). Segundo Votre, Pereira e Gonçalves (2010), podemos
utilizar de recursos que nos permitam manter estas retomadas. Há duas formas
que nos permitem manter relação entre ideias: coesão referencial e coesão
sequencial. A coesão referencial pode se dar por pronomes, léxico (sinônimos,
hiperônimos e perífrase), já na sequencial se dá por conectivos, que por sua
vez, podem manter relação de causa, consequência, condição, oposição,
finalidade, entre outras.
A construção de sentido para um
texto é dada pelos elementos de coerência e coesão trabalhados anteriormente,
mas é válido pautar a importância da escrita. Segundo Guedes (2009), a escrita
é uma atividade útil para os indivíduos, no sentido de organizar ideias e
reflexões que se valem mais do que uma conversa de bar. É também, em segundo lugar,
“necessária para o entendimento da complexidade tanto da vida numa sociedade
organizada a partir da palavra escrita quanto da complexidade do conhecimento
que nela a palavra escrita processa” (GUEDES, 2009, p. 81). E por ultimo, é
fundamental para o entendimento mútuo entre os homens.
Ainda com base nos conceitos de
Guedes (2009), trabalhemos com a ideia de escrita como produção de texto, na qual se pressupõe que os leitores vão
dialogar com o texto produzido: concordar e aprofundar ou discordar e
argumentar. O sentido disso é trabalhar com texto como uma atividade reflexiva,
isto é, que se possa ter a oportunidade de localizar aquilo que pode melhorar e
mudá-la por percepção e não por correção.
Desta forma, não basta apenas
produzir textos. Precisa-se focar com olhar crítico a leitura desse texto para
então conseguir encontrar aquilo que precisa ser alterado. Se o caráter da
escrita e da produção textual é social, com a leitura não poderia ser
diferente. Há uma relação estabelecida entre o leitor e o autor, que é dada
pelo enunciado, como é afirmado no trecho abaixo:
O enunciado
dirigido a um interlocutor (outro) varia, por exemplo, dependendo do grupo
social deste. Por não existir interlocutor abstrato, o enunciado comporta duas
faces: é determinado por proceder de alguém e dirigir-se a alguém. O enunciado
é justamente o produto da interação entre os usuários (leitor e escritor) e,
portanto, por intermédio do enunciado define-se quem se é em relação ao outro. (ROTTAVA,
2012, p. 163-164).
Este conceito de prática de leitura
observado se relaciona fortemente com a ideia de diálogo com o texto produzido
através da produção textual. Ainda segundo Rottava (2012), o ponto de partida
do texto é um “querer dizer”, e esse, por sua vez, seria responsável também
pelo propósito de leitura. Nesse sentido, para realizar a leitura em busca do
aperfeiçoamento textual, deve se olhar com um propósito para o texto e captar
também o que ele também está querendo dizer.
Há instrumentos que facilitam a
identificação do propósito de um texto e também que auxiliam o leitor para
encontra-lo. Não obstante, há outras ferramentas que também podem ser usadas
pelo leitor e pelo autor para reconhecer as partes que devem ser alteradas para
um aprimoramento do texto.
Para o primeiro, podemos definir
gêneros e tipologias textuais. “Os gêneros apresentam características sócio-comunicativas definidas por conteúdos,
propriedades funcionais, estilo e composição característica” (MARCUSCHI, 2002,
p. 23). Observa-se uma enorme quantidade de gêneros textuais: cartas pessoais,
reportagem jornalística, horóscopo, carta eletrônica, etc. No presente artigo,
serão mencionados alguns em específico: apresentação pessoal, relato de
experiência, descrição de processo, memorial e reportagem. O seguinte trecho ajuda
a reforçar a ideia de como o gênero ajuda a definir o “querer dizer” de um
texto:
Já
se tornou trivial a ideia de que os gêneros textuais são fenômenos históricos,
profundamente vinculados à vida cultural e social. Fruto de trabalho coletivo,
os gêneros contribuem para ordenar e estabilizar as atividades comunicativas do
dia-a-dia. São entidades sócio-discursivas e formas de ação social incontornáveis
em qualquer situação comunicativa (MARCUSCHI, 2002, p. 19).
Já as tipologias são mais
abrangentes e englobam os gêneros: “usamos a expressão tipo textual para
designar uma espécie de construção teórica definida pela natureza linguística da sua composição (aspectos lexicais,
sintáticos, tempos verbais, relações lógicas)” (MARCUSCHI, 2002, p. 22). Enquanto
os gêneros são inumeráveis, os tipos são poucos e podem ser todos citados aqui:
narração, argumentação, exposição, descrição e injunção. Vale ressaltar que os
tipos textuais são dificilmente mantidos em tais estruturas do início ao fim,
como um texto descritivo, raramente será encontrada uma descrição por inteiro,
elas geralmente se mesclam entre si, sobre isso Marcuschi afirma que “entre as
características básicas dos tipos textuais está o fato de eles serem definidos
por seus traços linguísticos predominantes. Por isso, um tipo textual é dado
por um conjunto de traços que formam uma sequência e não um texto” (MARCUSCHI,
2002, p. 27).
A terceira ferramenta que é
utilizada para identificar os aspectos que podem ser melhorados no texto são as
qualidades discursivas, são elas: unidade temática, questionamento, objetividade
e concretude. Paulo Guedes é o autor que trabalha com os conceitos das
qualidades, ele as explica como “um conjunto de características que determinam
a relação que o texto vai estabelecer com seus leitores por meio do diálogo que
trava não só diretamente com eles, mas também com os demais textos que
antecederam a história dessa relação” (GUEDES, 2009, p. 94).
A unidade temática diz a respeito do
assunto que será tratado. Guedes (2009) defende que ao falar de muitos assuntos
em texto, fala-se pouco de cada um, não dando profundidade ao tema e, desta
forma, causando desinteresse no leitor. Afirma o autor: “Sem a composição de um
todo, sem tentativa de estabelecer uma ordem para as coisas, não há
interlocução, pois o ouvinte ou leitor não vai poder confrontar a ordem
proposta com a aquela que ele construiu para si ao encetar o diálogo.” (GUEDES,
2009, p. 95).
O questionamento está diretamente
relacionado com a unidade temática. A partir do tema definido, há, com base
nele, um problema que deverá ser resolvido ou equacionado. É com base nessa
problematização que será despertado o interesse no leitor, o questionamento é
um convite ao leitor para participar da narrativa.
A objetividade é a qualidade que se
responsabiliza por mostrar os objetos como objetos. É mais importante que o
texto mostre do que diga. O autor define de uma forma muito interessante essa
qualidade:
“O
autor precisa mostrar-se digno de crédito, não pela solenidade de seus
juramentos, mas pela eficiência de seus argumentos, pela veracidade dos fatos
que relata (ou, pelo menos, da verossimilhança, isto é, pela coerência que os
faz possivelmente verdadeiros), pela consistência do enredo que foi capaz de
tramar, pela vivacidade das cenas que constrói, pelo conhecimento que seu texto
produz.” (GUEDES, 2009, p. 109)
A concretude, por sua vez, fornece
dados que possam criar uma imagem para o leitor daquilo que está sendo
mostrado. Estes dados devem ser assimiláveis pelo leitor, para assim
deslocarem-se do plano abstrato para o concreto. Mas mais que isso, a
concretude tem de fornecer parâmetros ao leitor: falar tanto das semelhanças
quanto das diferenças, para que o leitor possa, através delas, identificar-se
ou confrontar-se.
Quando
o escritor começa um texto, ele deve pensar em três perguntas básicas: do que o
texto vai falar? Por que ele vai contar esta história? O que o leitor tem a ver
com isso? A resposta para elas é o próprio autor que vai dar, pensando em seu
público alvo e despertando interesse nele através das qualidades discursivas.
Os textos produzidos têm como base
os conceitos trabalhados até agora, utilizaram os recursos para de coerência e
coesão para manterem um sentido no texto e as qualidades discursivas para
qualificarem os textos. A primeira produção textual foi uma apresentação
pessoal.
Segundo Marcuschi (2002), há uma
grande importância em escrever uma apresentação pessoal, não só porque para
partir para o conhecimento de mundo é necessário conhecer-se a si mesmo, mas
também porque o leitor quer ver o autor através do texto. E para quem escreve
serve para fixar a autoimagem momentânea, sendo uma forma de autoconhecimento,
como afirma o autor de forma clara e poética: “somos tão infinitos quanto o
universo, o mundo lá fora, e tanto maiores nos descobriremos quanto mais
soubermos de nós mesmos” (MARCUSCHI, 2002, p. 93).
Portanto iniciar a disciplina com
este texto foi fundamental para a dinâmica da disciplina, pois todos os alunos teriam
de ser autores e leitores. Com base nisso, as alunas produziram seus textos.
A
primeira proposta era uma apresentação pessoal, no exemplo 1, sendo a primeira
versão da aluna G., mostram-se conceitos abstratos, que não atendiam à
qualidade de concretude e não forneciam parâmetros para o leitor. Como no
trecho a seguir:
(1) “Talvez tenha disso a busca por
uma única definição para o que eu era que me guiou até a pessoa que acabei por
me tornar”. (G.)
A
autora não especifica a definição que busca e nem o que acabou por se tornar,
assim, deixando o leitor pouco situado no texto e em quem ela é. Ao longo do
texto ela conta o quanto gosta de ler e que as histórias de heróis e contos que
lia lhe ajudavam-na a definir-se. Por si só, o tema é abstrato, mas na segunda
versão, a autora conseguiu criar um cenário no qual o leitor poderia
imaginá-la.
(2)
“Não havia ainda descoberto quem eu era, e a medida que eu crescia,
ficava maior também a pilha de romances na cabeceira de minha cama. Segurava os
livros diante dos olhos como quem se mira em um espelho e neles via refletidos
apenas alguns traços meus: os belos, os valentes e também os sombrios. Desenvolvi
certo fascínio – quase como Narciso, personagem da mitologia grega que
apaixonou-se por sua própria imagem ao vê-la refletida no lago – em observar
meu reflexo nas páginas impressas dos livros, e apaixonei-me pelo sentimento de
me reconhecer nas histórias. (G.)
Através
da pilha de livros ao lado da cama, do segurar os livros diante dos olhos, o
leitor consegue imaginar que ela é uma pessoa que gosta muito de ler. Ela
comprova isso quando compara sua paixão pela identificação dela nos livros ao
amor de Narciso pela sua própria imagem.
No
exemplo 3, a aluna A. também mostrou na apresentação pessoal dificuldades com a
concretude. Teve um parágrafo inteiro abstrato:
(3) Parar para me descrever é uma tarefa complexa.
Exige que eu pare de olhar e apontar os defeitos dos outros e analise mais os
mais. Não é simples, entretanto, se olhar para os outros como meu espelho
consigo ver com mais clareza quem sou.
Eu costumo fazer isso, e, percebo que, muitas vezes, os defeitos dos
outros que mais me incomodam são os mesmos que os meus, mas que não consigo
ver. Ao fim dessa tarefa, adquiro um grande conhecimento sobre eu mesma. (A.).
Mas assim como a aluna G., A. em sua reescrita
buscou elementos acrescentar elementos concretos que facilitassem a compreensão
do leitor. Ela se define como uma pessoa que expressa o que sente, por isso,
tem um letreiro luminoso aceso (ou não) acima de sua cabeça:
(4) “Sigo carregando comigo esses sentimentos de
felicidade, tristeza ou frustração. Claro que eles variam e, como disse, na
maioria das vezes, estou feliz. É como se eu tivesse um letreiro luminoso em
cima de mim que demostram como estou naquele dia, mas que não está sempre
aceso.” (A)
A segunda proposta de produção textual
deveria ser o relato de uma experiência que resultou em algum aprendizado para
o autor. O gênero predominante nessa proposta é a narrativa, que segundo Guedes
(2009): “(...) implica, em primeiro lugar, necessariamente uma reavaliação
pessoal das ideias correntes a respeito da situação social em que a história se
localiza e, das instituições nela envolvidas”. Para a realização desse texto
era importante pôr o personagem em foco, suas ações e a maneira como os
acontecimentos foram particularizados por terem ocorrido com aquele ser em
específico. Dessa maneira, é estabelecido um motivo para narrar a história. É
importante notar também que o autor deve detalhar os fatos, mostrando-os e
descrevendo-os para que assim o leitor possa decidir o que pensar e avaliar as
situações narradas por si mesmo.
(5) “Eu
fiquei em silêncio somente ouvindo e observando as janelas começarem a se
iluminar pelas velas acesas. Caminhei até a minha janela que estava levemente
iluminada pelo luar. O luar. Tão bonito e tão singelo, ele me remete a minha
infância, onde deitados sob a lua e as estrelas meu pai introduzia os primeiros
questionamentos filosóficos em mim e na minha irmã.
Uma
casa no interior de uma cidade pequena, onde as luzes da cidade não ofuscavam o
brilho das estrelas e podíamos parar para observá-las. Foram algumas as vezes
em que fizemos isso, e ali, com aquela vista do luar, comecei a me questionar
sobre o que realmente era aquilo, o céu,
e por que era tão grande, ou melhor, infinito.” (A)
No
exemplo 5, a autora do texto introduz um tempo, um espaço e os personagens ao entorno
dos quais a narrativa orbita, estabelecendo assim elementos de concretude que
se mantiveram na reescrita. A razão pela qual a história nos está sendo contada
fica explícita no trecho que segue:
(6)
“Naquela
noite que meu pai me revelou que o céu era infinito, eu estava ganhando um novo
amigo: o questionamento. Saber que somos um pontinho envolto por algo sem fim
me faz, realmente, me sentir pequena como uma formiga. Mas não é uma sensação
ruim. Por causa do meu novo amigo – que agora já é velho, transformo a normal
pergunta do: então por que existo se sou tão pequena? em: o que há tão pequeno
quanto eu através desse céu? Então, o infinito me ensinou, sobretudo, que posso
ser pequena, mas jamais estarei sozinha.” (A)
É
então apresentado ao leitor o aprendizado que decorreu da experiência narrada e
isso contribui não só para a concretude, mas também para o questionamento do
texto. A aluna G. também começa seu texto apresentando os aspectos fundamentais
para uma narrativa (tempo, espaço e personagens) e o problema que constrói o
questionamento:
(7)
“Existe uma sigla que tem o poder de
causar fortes reações à maioria dos alunos do Colégio de Aplicação da UFRGS, no
qual cursei toda a minha educação básica. (...) Essa sigla quer dizer Iniciação
Científica, e se hoje ela me causa alguma reação frustrada é porque não percebi
antes que a atividade não era aborrecida – eu é que não sabia como fazê-la.”
(G.).
A
terceira proposta de produção textual consistia em uma descrição de um processo
cotidiano. Esse gênero se centra primordialmente no espaço, e além estabelecer
as qualidades discursivas comuns às produções, foi utilizado também o conceito
da “faca” definido por Guedes (2006). A “faca” se refere ao narrador, à voz que
fala no texto e o recorte que faz no tema, selecionando uma linha de pensamento
para seguir ao fazer a descrição, e, portanto, qual o objetivo de fazê-la. Essa
seleção é essencial para que o texto mantenha a unidade temática, assim como
outras qualidades discursivas.
Ao
observar os textos das duas alunas, A. e G., desta proposta, nota-se que a
construção do espaço se deu de forma diferente. No texto de A. predominou o
gênero textual narrativa, como se percebe no exemplo 8:
(8) “Daqui de baixo vejo tudo, todos
os passos dados. Sou tão pequena e quase não notada. Estava situada no meio do
percurso daqueles quatro pés. Do sapato e da bota. O pé levantava, eu via a
sola.” (A.)
A proposta da produção visava uma
descrição; ainda que o texto 1 apresente um processo que se desenvolve, esse
acontecimento é contado, tornando a ação, o tempo e o personagem mais
importantes que o espaço. Quando são apresentados objetos, o texto traz
diversos parâmetros concretos:
(9) “Olhei para um lado, olhei para o
outro. Sapato, preto, sola marrom, número 40. Bota cinza, velha, desbotada,
sola também marrom, número 36.”(A.)
Este aspecto contribui para a formação
de uma imagem mental para o leitor, porém o foco principal do texto não estava
da descrição em si.
No
exemplo 10, narra-se um único processo de forma que pretende ser bem visual,
como no trecho:
(10) “Pode ser que se encontre em um
quarto escuro como piche, a ponto de não ser possível ver as mãos ante o rosto;
pode ser que o cômodo esteja apenas pouco iluminado, ou que não seja muito
arejado.”(G.)
Este aspecto dá concretude ao texto. O
recorte feito para esta descrição, embora tenha garantido unidade temática
prejudicou o questionamento, pois o texto é encerrado sem um real acontecimento
ou ação.
Na reescrita do texto de A. é possível
notar que as descrições estão mais destacadas:
(11) “Dali de baixo eu via as
irregularidades da calçada, uma lajota mais alta que a outra. Era noite,
aproximadamente 23 horas, e as luzes amareladas”.(A.)
A
quarta proposta visava a produção de um memorial de leitura. Para a realização
desta, os alunos deveriam narrar, de acordo com as qualidades discursivas, as
lembranças marcantes de suas vidas relacionadas à leitura, analisando-as e
aplicando teorias vistas em aula. Esse gênero pode ser definido como:
“O
memorial é um tipo de escrita de si, uma narrativa descritiva e reflexiva sobre
uma trajetória de vida e de formação. A grande riqueza da experiência do
memorial é compreendida quando o rememorar dos eventos constrói pontes com o
presente, criando insights que vão dar lugar a verdadeiras aprendizagens.”
(GASPAR et al. 2011 p.3)
Segundo Gaspar et al. (2011), o
memorial é construído por fases: a iniciática, quando o autor narra o passado
de forma nem sempre clara e objetiva, apenas trazendo à tona lembranças; a
mimese II (maiêutica), que é o momento quando o autor deve transformar esses
acontecimentos de sua história em uma narrativa que contenha uma unidade, e a
mimese III é quando o autor deve trazer a reflexão para o texto e perguntar-se
que evolução pessoal se deu a partir de todos os eventos narrados.
Essa proposta trouxe aos alunos a
tarefa de fazer citações ao refletir sobre suas experiências como leitores,
visando sempre se basear nos artigos teóricos estudados em aula, como a aluna
A. faz no seguinte trecho:
(12)
“De fato, a leitura aconteceu em minha
vida desde muito cedo. Lia as imagens que via em livros infantis e nos desenhos
animados, lia a cena de minha mãe estar contando histórias para mim. Mas essas
leituras perdem um pouco do valor na sociedade, segundo Britto (2012) apenas
leituras de livros e de conteúdos que estão além daquelas que praticamos no dia
a dia que são consideradas construtivas para um leitor.”(A)
Além de aplicação teórica, no
exemplo (13) também é possível perceber o formato narrativo do memorial e a
reflexão que nele deve ser feita, relacionando recordações e conceitos. A
análise das memórias (mimese III) feita pela autora fica melhor explicitada no
exemplo que segue:
(13)
“Olhando por esse lado, percebo que meus
pais fizeram isso comigo durante toda a minha infância. Nunca me forçaram a ler
nada que eu não tivesse interesse, mas sim, de forma sutil, como eu disse
anteriormente. Aos poucos comecei a imitá-los, por exemplo, meu pai costumava
ler jornal, eu o via lendo e isso despertou vontade de ler aquilo também. Minha
mãe sempre gostou de romances, eu a via lendo – achava, na verdade, os títulos
desinteressantes –, mas vê-la lendo, me fez despertar também interesse por
romances, não os mesmos que os dela, mas outros títulos e outros autores.”(A)
Os aspectos acima apresentados
estavam presentes na primeira versão do texto e também na reescrita. É possível
observar novamente o processo de reflexão no memorial da aluna G, como segue:
(14)
“É possível perceber que as obras de
ficção que optei por ler demonstram um crescente grau de complexidade, ainda
que no geral possam ter temas parecidos. Esse crescimento reflete o
desenvolvimento dos conhecimentos linguístico, textual e de mundo (KLEIMAN,
1995) que possuo, me permitindo maior aprofundamento nos sentidos, tanto
objetivos (como de que forma um livro pode refletir a sociedade ou época em que
foi escrito), quanto nos subjetivos (metáforas, sentimentos expressos etc.) das
obras que leio.” (G.)
Esse
trecho traz também a análise teórica prevista para a realização da tarefa,
sendo antecedido por momentos narrativos, nos quais a autora conta o que lia,
como e porque, assim como a aluna A, cumprindo os critérios da tarefa.
A quinta proposta consistia em um
texto do tipo argumentativo. Neste texto, as alunas deveriam apresentar uma
tese a ser defendida e buscar fontes, através de entrevistas ou pesquisas já
existentes que substanciassem as suas teses. Esses suportes fornecidos são
fundamentais em um texto deste gênero, pois ele está sujeito a críticas. Como
afirma Guedes (2009), a respeito de que antes de escrevermos, ouvimos sobre o
assunto. Temos uma ideia porque estivemos em contato com ela algum dia,
portanto, mencionar quem nos “deu” essa tese é uma forma de substanciá-la.
Segundo Guedes (2009), há certas
atitudes argumentativas que devem aparecer nas produções, como a comparação, análise, classificação e definição. Onde é apresentado o
problema a ser solucionado no texto. É feita uma comparação se ocupa de
verificar semelhanças e diferenças e com base nisso, compreender a realidade,
organizá-la para nela nos orientar. Sendo assim, em um texto argumentativo a
comparação se faz fundamental por apresentar parâmetros ao leitor. Logo após,
faz-se uma análise daquilo que é comparado, isso se faz em partes. A classificação “trata-se do enquadramento de
um grupo de ideias em um conjunto maior juntamente com outros grupos de ideias
com características semelhantes” (GUEDES, 2009, p. 284). Definição, por sua
vez, é a forma como organizamos (por gênero ou diferença) que reproduz o modo
como as palavras se organizam para fazer sentido.
Para uma argumentação ser
consistente ela deve apresentar apenas uma tese e desenvolver argumentos a
respeito dela. É possível ver que no trecho a seguir não há nenhum dado
concreto que situe o leitor no assunto que será defendido no texto:
(15) “O primeiro e mais importante
passo para o reconhecimento de uma língua que é utilizada hoje pelos
brasileiros é saber se esses a identificam como tal.” (A.)
O exemplo 16 é a introdução de uma
reportagem, e não mostra com clareza a ideia que será trabalhada. Na afirmação
não há nenhuma consistência da tese e ela poderia ser facilmente contestada.
Isso pode apresentar, inicialmente, problemas com a concretude, pois não
envolve argumentos sobre um assunto objetivo.
Deste mesmo ponto de vista, podemos
analisar o próximo exemplo:
(16) “Não é incomum, quando se é uma
aluna de ensino médio, ouvir (e também dizer) diversas vezes a mesma coisa: mas
para que vou usar isso na minha vida? Sempre há pelo menos uma matéria que pode
deixar o aluno olhando as páginas em branco do seu caderno, questionando-se
silenciosamente: “por que eu preciso saber isso?”.
Da mesma forma que no exemplo 16, o
trecho 17 não apresenta nenhum dado concreto. A tese pode estar bem explícita:
qual é a importância de determinado assunto na vida de um estudante do Ensino
Médio. O determinado assunto é apresentado logo a seguir pela autora, a
literatura. Mas, apesar da tese se mostrar ela não apresenta nenhum argumento
forte a seu favor.
Retomando a ideia de que apenas
reproduzimos algo que já ouvimos, ambos os textos, em suas segundas versões
usam desse recurso que substancia as suas teses, compare:
(17) “A língua está diretamente
relacionada com a sociedade, e não são recentes as pesquisas relacionadas a
esse fato. Temos, entretanto, um marco relevante a elas: em 1972 o linguista
William Labov publicou o livro Padrões Sociolinguísticos, no qual ele defende
que “as pressões sociais estão operando continuamente sobre a língua” (LABOV,
2008, p. 21). Foi provado por ele, empiricamente, que contexto social ao qual o
falante está inserido influencia na forma como ele fala. Isso mudou a concepção
de língua, que até antes era tida como interiorizada ao ser humano, e não como
um fato social. De acordo com essa ideia, fica a pergunta: se a sociedade muda,
logo, as pressões exercidas por ela sobre a língua, também mudam. Então, como
se pode tentar estabelecer o padrão para algo mutável?”
Observe que desta vez há uma tese
explícita ao leitor, há uma referência a um importante linguista o que deixa
ela bem convincente. Quanto à segunda versão do exemplo 16, são utilizados que
deixam a tese bem reforçada e ela fica mais explícita:
(18) “Pesquisa realizada pela Ipsos,
empresa mundial de pesquisa e inteligência de mercado, revela que apenas 17%
dos estudantes entre seis e nove anos têm Literatura/Português como sua matéria
preferida. Mesmo que estes dados tenham sido observados em um grupo restrito
cujos estudantes são ainda muito novos, não é incomum observar que esse padrão
se repete em séries mais avançadas e até no Ensino Médio”
As
ideias que são apresentadas em ambos os exemplos não são mera invenção das
autoras, mas são trabalhadas por uma empresa de pesquisa e um teórico
importante. Elas ficam mais verossímeis, quando o leitor começar a leitura ele
logo entenderá do que se trata o assunto e talvez já comesse ela convencido
daquele fato.
A concretude, especialmente nestas situações,
se faz essencial, nos outros gêneros textuais ela era responsável para criar
uma imagem ao leitor, aqui ela é responsável por criar uma opinião. Baseada em
fatos reais que permitam ao leitor, bem como nos outros casos, uma imagem de
algo que é real, portanto, verdadeiro.
3. CONSIDERAÇÕES
FINAIS
Após
a revisão dos textos, percebemos que há uma grande importância do processo de
produção textual. A dinâmica realizada nas aulas é determinante para os alunos
à medida que através dela eles vão construindo criticidade sobre os próprios
textos.
O
valor que concluímos dos pareceres é que através dele, a próxima leitura do
próprio texto seria em busca daquilo que havia sido sugerido para mudança.
Quando se faz essa busca, automaticamente se faz uma reflexão. Esta é relevante
para o processo de produção textual, pois é a partir dela que ocorre o
aperfeiçoamento da escrita.
Também é fundamental que o aluno
tenha consciência sobre o objeto de reflexão. É por isso que em sala de aula
eram discutidas as qualidades discursivas, para o aluno ter um entendimento
sobre o assunto, sobre o que deveria buscar e melhorar no seu texto. Não
obstante, era oferecido aos alunos um momento em que eles poderiam contar a
respeito de suas experiências enquanto escritores, suas dificuldades e
facilidades com tal proposta de texto.
Num sentido mais geral,
classificamos esse processo como relevante. As análises mostram uma evolução
positiva da primeira à última produção das alunas. Sendo assim, a teoria da
construção de sentido na produção de texto (coerência, coesão e qualidades
discursivas) através da dinâmica realizada em aula (portfólio: primeira versão
do texto, parecer, diário dialogado, reescrita e critérios de avaliação), se
mostra eficiente tanto na teoria quanto na prática.
REFERÊNCIAS
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P. C., Da redação à produção textual: o
ensino da escrita. São Paulo: Parábola Editorial, 2009
MARCUSCHI,
L. A. In DIONISIO, A. P. et al. Gêneros
Textuais & Ensino. Rio de Janeiro: Editora Lucerna, 2002
PLATÃO,
F & FIORIN, J. L. Lições de texto:
leitura e redação. 5ª Edição, São Paulo: Ática, 2006
VOTRE,
S. J & PEREIRA. V. C. & GONÇALVES, J. C. Desenvolvendo a competência comunicativa em gêneros da escrita
acadêmica. Editora
da UFF. Niterói: 2010.
ROTTAVA,
Lucia; A leitura em contexto acadêmico: o
processo de construção de sentidos de alunos do primeiro semestre do curso de
letras In Signo; v. 37 n.63, p. 160-179, 2012
GASPAR, M. M, G. de
S.; ARAÚJO, M. de F.; PASSEGGI, M. de C. Memorial
- Gênero Textual (Auto) Biográfico.
Rio Grande do Norte, 2011
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