terça-feira, 15 de julho de 2014

A (não) abordagem da variação linguística nas escolas

Reescrita
Por Aluno 10 e Aluno 20


A variação linguística é um fenômeno presente em todas as línguas. Essa expressão diz respeito às diferentes maneiras como os interlocutores manifestam sua língua verbalmente, no dia a dia, variando conforme o contexto social, regional e cultural. No Brasil, essa diversidade tem uma relevância significativa, visto que cada região possui uma cultura, história e situação econômica distinta. E assim, mesmo que haja uma norma culta da língua portuguesa registrada em gramáticas tradicionais, na prática os falantes do nordeste brasileiro, por exemplo, falam palavras, expressões e construções frasais distintas dos falantes do sul do país. Da mesma forma, adolescentes se expressam diferentemente de adultos, e pessoas com baixa escolaridade falam de modo diferente de pessoas com doutorado. 
Em função da presença de variação linguística na língua, entende-se que esta é um organismo vivo, sujeita a ser modificada e a evoluir por meio do uso. Consequentemente, assume-se que as variantes da língua não são erradas, ainda que se diferenciem da norma culta padrão. Afinal, as variações atendem plenamente às necessidades de determinado contexto histórico e social, servindo inclusive de instrumento para a evolução de uma língua.
No entanto, esse assunto não é usualmente abordado nas escolas, onde apenas a gramática tradicional é ensinada sem que os alunos reflitam sobre o uso da língua. Isso gera inúmeras consequências negativas nos estudantes, que criam preconceitos com relação a quem mais fala distanciado das normas cultas. Além disso, cria-se uma cultura de certo e errado na língua, assumindo-se que o certo seria falar e escrever conforme a gramática tradicional, enquanto que qualquer variação disso seria errado. Quando a escola não reflete sobre variação linguística com seus alunos, ela ignora o fato de que a língua é criada pelos falantes, de modo que a classificação certo e errado não pode existir. No máximo, pode-se dizer que uma palavra ou expressão é adequada ou inadequada a determinado contexto de uso.
A professora aposentada de Português, Literatura e Redação, Tânia Marques, atuou durante 28 anos em escolas brasileiras, com regência de classe do Ensino Médio. Ela afirma que, já na década de 80, era abordado o assunto variação linguística no curso universitário de Letras. Contudo, em entrevista fornecida por e-mail, ela reconhece que “[...] na maioria das vezes, isso não é levado em consideração pelo professor de Português, pelo sistema educacional vigente e pelos concursos em geral.” (MARQUES, 2014).
A professora Tânia Marques salienta que a falta de reflexão escolar sobre variação linguística é grave, pois gera preconceito linguístico entre alunos e impede que a cultura de um povo se manifeste:

É muito importante que o professor ou a professora de Português aborde esse assunto em sala de aula, para que os alunos se conscientizem da existência dessa variedade ou riqueza linguística em nosso idioma e percebam que essa diversidade precisa ser aceita por todos sem discriminações ou chacotas, porque o que realmente importa é o ato de comunicação se completar. Desconsiderar as variantes linguísticas de um idioma significa rejeitar as diversas manifestações culturais de um povo. (MARQUES, 2014).

A partir do momento que os falantes revelam seu contexto social e sua cultura por meio da língua, deixar de manifestar as variações linguísticas é limitar a cidadania das pessoas. Muitas vezes, em escolas da periferia das cidades, os alunos têm uma maneira bem diferente da norma culta para se comunicar e é assim que eles se expressam no meio social e cultural em que vivem. Dizer que essa maneira de comunicação é simplesmente errada é tirar dessas pessoas o direito que elas têm de exercer a sua cidadania. Por isso, a professora Tânia concorda com o sociolinguista Marcos Bagno, e faz a seguinte colocação:

Atualmente o prof. da UNB, Marcos Bagno, trata com muita competência e propriedade desse assunto. Por meio de sua obra, este autor tenta derrubar o preconceito linguístico existente em nossa sociedade e mostrar que todos devem ser respeitados. Mesmo aqueles que não sabem reproduzir as normas cultas da língua ou as reproduzam de outro modo exercem a sua cidadania. (MARQUES, 2014).

Quando questionada sobre o impacto de se estudar variação linguística nas escolas, Tânia Marques afirmou que, quando atuava como professora, sempre buscava trazer o assunto à sala de aula, conforme pode ser visto no trecho a seguir da entrevista:

Enquanto professora de Português, sempre levava para as aulas exemplos dessa diversidade, assim como solicitava aos alunos trabalhos de pesquisa “in loco” os quais deveriam estabelecer paralelos entre a norma culta e outras variações de determinadas palavras(...) para mostrar o quão distante a escola está da realidade da maioria dos brasileiros. (MARQUES, 2014).

Entretanto, a professora de Língua Portuguesa expõe que, em geral, a variação linguística não é abordada em ambiente escolar. Ela acredita que essa realidade precisa mudar urgentemente, porém isso não se resolverá apenas inserindo o assunto nas aulas de Língua Portuguesa. Conforme trechos reproduzidos a seguir, a professora Tânia Marques afirma que é necessária uma mudança geral no contexto do ensino público, de modo que todas as disciplinas abordem a variação linguística e respeitem a sua manifestação:

Abordar o assunto “variedade linguística” na escola é uma urgência interdisciplinar, porém isso não será suficiente para causar impacto, visto que, como a nossa escola pública é tradicional, é alienante, é massificadora, ela necessita mesmo de uma mudança geral de paradigmas curriculares, de abordagens metodológicas, de conteúdos programáticos e de critérios de avaliação.
[...]
O tema deve ser discutido e vivenciado por professores de todas as disciplinas, já que as variações linguísticas estão em todos os locais, em todas as épocas, em todas as culturas, em todos os conteúdos da vida. (MARQUES, 2014).

É evidente por meio da entrevista que, desde muito tempo, professores de Língua Portuguesa estudam variação linguística na universidade, entendendo esse fenômeno ao se graduarem. Todavia, as escolas brasileiras, em especial as de ensino público, não abrem espaço para que os alunos reflitam sobre sua língua, apresentando a gramática tradicional de forma impositiva. Essa perspectiva também é analisada e discutida por estudantes da língua em todo o país, como Coelho (2007) da UnB:
“O reconhecimento dessa heterogeneidade é um grande passo para que se modifique a ideologia do monolingüismo no Brasil, que insiste em padronizar (a qualquer custo) a língua falada por seus habitantes. A mudança dessa ideologia começa com a conscientização e a educação da população brasileira. Nesse contexto, a escola tem o papel fundamental de adotar uma atitude realista diante dessa diversidade e revisar o ensino preconceituoso da língua portuguesa, além de lançar novas luzes sobre o multilingüismo de nossa sociedade”.(COELHO, Paula Maria Cobucci Ribeiro.O Tratamento da variação linguística nos livros didáticos de português.  2007)
Muitas vezes, os próprios professores são preconceituosos, tachando como errado o modo de alguns alunos se comunicarem e propagando a cultura de que brasileiros não sabem falar português corretamente. Essa realidade gera mais preconceito na sociedade e dá margem para que o uso da língua atribua mais ou menos valor às pessoas. Ou seja, aqueles que falam de acordo com a gramática tradicional e dominam o idioma culto são vistos como superiores, mas inteligente e mais capazes.
Para mudar essa visão preconceituosa, torna-se imprescindível uma mudança de mentalidade no ensino escolar. Os professores precisam ensinar a gramática tradicional ao mesmo tempo que refletem com os alunos sobre variação linguística, nunca menosprezando-a. É importante aplicar cada manifestação da língua no seu contexto adequado. Assim, os alunos saberão quando devem utilizar a norma culta e quando podem se comunicar de maneira informal, podendo exercer a sua cidadania sem sofrer preconceitos.



Referência
MARQUES, Tânia. [Variação linguística]. Entrevistadoras: F. Santos e J. Córdova. Porto Alegre: [s.n.], 2014. Entrevista concedida por e-mail.


COELHO, Paula Maria Cobucci Ribeiro.O Tratamento da variação linguística nos livros didáticos de português. 2007. Artigo disponível na Internet. < http://www.filologia.org.br/ileel/artigos/artigo_300.pdf>

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