segunda-feira, 14 de julho de 2014

Reportagem

1ª Versão
Por Aluno 39






            Em suas primeiras aulas sobre Linguística, um aluno de Letras pode, facilmente, iniciar um conflito interno que o levará a questionar sua utilidade como um professor de língua portuguesa. Esses questionamentos existem devido ao recente conhecimento obtido por esse aluno a respeito de algo chamado Variação Linguística.
            Variação Linguística quer dizer que a língua varia, ou seja, ela sofre transformações. Essas transformações podem ocorrer em função do tempo, do espaço geográfico ou, até mesmo, de grupo social. Não precisamos ir tão longe para entender esse conceito, basta que observemos um grupo de pessoas acima de cinquenta anos conversando e, posteriormente, um grupo de adolescentes. Perceba que há em ambos os grupos um léxico que pode não ser de uso comum ao outro grupo. Outra análise possível é entre pessoas de regiões distintas, um gaúcho e um baiano, por exemplo, apresentam uma variação bem marcada em seus discursos, tais como nomes distintos as mesmas coisas ou palavras usadas por um grupo e não pelo outro. 
Tendo em mente o fato de variação linguística ser algo natural da língua o conflito se estabelece ao tentar entender o papel do ensino da gramática prescritiva, a gramática ensinada em escolas. Vemos que o ensino dessa gramática é um padronizador de algo mutável e sendo a língua mutável presume-se que nenhuma de suas variações deve perder seu valor, por serem todas variantes da mesma língua. Do ponto de vista da gramática, porém, há somente um “português correto”, aquele representado por regras gramaticais.

            Seria, então, a gramática desprezível e inútil em função da variação linguística?


            Diz Preti, 1994 citado em Leite, 2005 que sexo, idade, raça, grau de escolaridade, profissão, posição social, são os fatores que influenciam na fala de um individuo. Para sanar essa dúvida agoniante vamos supor a seguinte situação: imagine, meu leitor, um homem de quarenta e cinco anos de idade, que trabalhe como construtor autônomo e nasceu no Rio Grande do Sul, escrever uma carta para uma menina de quinze anos de idade que estuda em colégio particular e mora em bairro nobre em São Paulo. Será que sem o conhecimento do uso de vírgulas e sem um léxico padrão, por exemplo, haverá uma clara comunicação entre ambos?
        Pois bem, que a variação existe e ela é algo natural da língua não há discordância. Essa variação é, na verdade, a razão pela qual deve existir a gramática. A final de contas, de que outra forma garantiríamos a clara comunicação escrita de sul a norte do Brasil? Veja bem meu leitor, essa naturalmente mutável língua deve ter algo que a padronize, do contrário, um país tão grande quanto o Brasil teria, ao decorrer de anos, um desmembramento de seu idioma em outros tantos possíveis devido a diversidade social do país.
  Saussure, 1970, ainda explica algo chama de imutabilidade do signo, ele explica que palavras são mutáveis, mas poderão mudar com o tempo e somente com o tempo. Nenhum indivíduo tem o poder de mudar sua língua por conta própria e esperar ser entendido e aceito dessa forma. Eis então outra razão para haver a necessidade de padronização, se a sociedade não permite a um usuário da língua modifica-la, a gramática não permitirá a um usuário modifica-la também.
            Para a professora Natalia Brambatti Guzzo, que ministra aulas de Conceitos Básicos de Linguística na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, “Gramática prescritiva e variação linguística parecem ser termos mutuamente excludentes. Se o ensino da língua é baseado na gramática prescritiva, então a variação linguística será automaticamente descartada da abordagem pedagógica
– afinal, na visão da gramática prescritiva, há apenas uma forma ideal de língua, a qual deve ser aprendida por todos.”
         Novamente nos deparamos com a padronização que “descorda” da variação. Se a gramática, porém, variasse tão frequentemente quanto a língua usual nós teríamos um caos completo, pois a cada ano as regras deveriam ser modificadas. O que, provavelmente, não permitiria que qualquer aluno as aprendesse.       
            Natalia ainda afirma que “O ensino de língua orientado unicamente pela gramática prescritiva gera a falsa impressão de que os alunos não conhecem a língua que eles estão estudando. Além disso, cria a ideia de que aqueles que não dominam a gramática prescritiva
‘falam errado’ ou ‘não sabem falar’.”
         Aqui nós temos um sério problema de ensino que deve ser levado em consideração. A padronização da língua serve, como já explicado, para que a comunicação, principalmente escrita, entre dois extremos do país (ou entre quaisquer grupos distintos) se mantenha. Há, entretanto, um grave defeito por parte do ensino de pensar que essa padronização serve como única forma da língua em qualquer contexto. Logo, deve-se haver modificações no ensino que permitam aos alunos a compreensão de que suas variantes linguísticas podem ser usadas em determinados contextos e que isso não descarta a necessidade de aprender a “forma padrão” com a qual esses poderão comunicar-se por meios escritos mais claramente entre diversos grupos de sua própria sociedade. 
         Entendemos, portanto, que a variação linguística não anulará a importância de se haver o ensino da gramática prescritiva. Pois essa é a única forma de se manter a clara comunicação por meios escritos entre todos os falantes da mesma língua.
         Há, porém, considerações a serem feitas. A ideia de que quem não domina essa gramática não fala português é algo muito equivocado e até preconceituoso. Logo, sabe-se que mudanças podem e deverão ser feitas. Mudanças que melhorem o ensino e compreensão dessa gramática, e não a exclusão dela.



  









Bibliografia

LEITE, M.Q. Variação Linguística: Dialetos, registros e norma linguística. São Paulo: Globo, 2005, p. 183-207.

SAUSSURE, F. Curso de Linguística geral. São Paulo: Cultrix, 1970, p. 79-93.

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