Reescrita
Por Aluno 27
Por Aluno 27
Todos os anos, milhares de alunos adentram as
universidades de todo o país para iniciarem sua vida acadêmica. Muitos destes,
após a aprovação no vestibular, queimam polígrafos de cursinho e agradecem por
jamais terem que fazer cálculos, estudar biologia ou ainda ler Gregório de
Matos e Machado de Assis. Estes últimos, trazem como razão para seu desgosto
com os autores a linguagem, a temática das obras ou simplesmente “literatura é
muito chato”. Suas razões para estas opiniões são compreensíveis, porém não
justificam a ausência da leitura em suas vidas.
Neste contexto de leituras obrigatórias e alunos que
cada vez menos se interessam pelos livros, podemos nos perguntar: literatura
serve para quê mesmo? Há quem diga que literatura é a transcrição da essência
da vida. Há ainda quem pense que literatura é simplesmente os pensamentos de
algum escritor colocados em palavras. Mesmo em salas de aula do curso de
Letras, nas disciplinas de Estudos Literários, as idéias sobre literatura são
muitas e diferem de um aluno para outro, tornando o assunto uma eterna e acalorada
discussão. Em recente entrevista com jovens inseridos em diversas áreas do
conhecimento, pudemos perceber esta pluralidade de opiniões. Para Adriana
Kerchner, 18 anos, aluna do curso de Letras da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (UFRGS), a literatura tem a missão de transmitir através da
escrita a cultura e os saberes de um povo.
- Dessa forma, eles podem transmitir para as gerações
futuras seus valores, mitos, crenças, toda e qualquer informação que eles
desejem imortalizar nas páginas de um livro. – afirma ela.
A compreensão da literatura como Adriana apresenta é
muito interessante, revelando que o interesse por literatura a partir de noções
teóricas e simplesmente sobre a escrita não são mais o foco dos leitores.
Atualmente, pode-se obter em livrarias todo o tipo de leitura, mas aqueles que
amam a literatura, buscam leituras que os transportem para um novo universo,
onde uma nova verdade é revelada, um mundo novo é criado ou simplesmente sua
realidade é retratada de outra forma. Poemas, romances e contos assumem um novo
papel e permitem ao leitor imaginar mais, desejar mais, ser mais. Este ato de
leitura, portanto, vai além do entretenimento e faz com que o leitor adquira
conhecimento, tanto sobre a vida quanto sobre o mundo, enquanto folheia as
páginas do livro.
Nesse sentido, a concepção apresentada na obra de
Antoine Compagnon, grande crítico literário e professor de Literatura Francesa
no Collège de France, em sua obra “Literatura Para Quê”, encontra-se com essa
idéia quando ele elenca alguns sentidos dados à literatura. Um deles parte de
Aristóteles e sua idéia de literatura como representação, possuindo assim um
poder moral. Desta forma, segundo aponta Compagnon, “a literatura deleita e
instrui”. A idéia da leitura literária como uma forma de entretenimento é
apresentada por Karine Leal, 23 anos, estudante do curso de Medicina
Veterinária na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
- Há também a importância de se permitir um momento
de descanso a cada livro que se lê e poder entrar na fantasia da história.
Assim, percebe-se um encontro entre a noção de
deleite e transposição do real para o imaginário, algo muito presente
principalmente na literatura infanto-juvenil a partir do século XX. Muitos
professores, com o objetivo de instruir seus alunos com determinado assunto,
acabaram por escrever obras fantásticas que abordam uma temática de uma forma
jamais vista antes. Jostein Gaarder, escritor norueguês teve seu início no
mundo da escrita desta forma, quando, para incentivar o interesse em suas aulas
de filosofia, escreveu “O Mundo de Sofia”, obra lida até hoje por milhares, e
não mais apenas crianças.
Tantos outros exemplos existem e em todos, a noção da
representação de uma dada realidade, seja ela no mundo das idéias ou no real,
de um futuro apocalíptico ou em um passado desconhecido, todas possuem o
objetivo de transmitir uma idéia, uma moral. Esta moral permite que o leitor,
portanto, tenha na literatura um certo "manual de como viver",
aprendendo nos livros o certo e o errado, compreendendo o drama amoroso, os
dilemas da vida e ainda sentimentos que por ventura ainda não tenha sentido em
sua vivência. A literatura seria, assim, um retrato da vida real sob o ponto de
vista de um indivíduo inserido em um contexto social, histórico e cultural.
Este indivíduo recebe, através da literatura, o poder de transpor em palavras
seus pensamentos, suas idéias, seus sentimentos, seu eu. Uma única leitura pode
mudar a vida de alguém, tornando esta pessoa imediatamente um ser melhor, mais
consciente de si no mundo. Neste mundo, a única arte com tamanho poder é a
literatura, o que a torna essencial para vida.
Uma questão levada em consideração no decorrer das
entrevistas foi em relação ao que cada um dos entrevistados entendia por
literatura. Apesar de apresentarem idéias diversas, todos os entrevistados
concordaram em um ponto: a literatura faz parte da dimensão escrita.
Guilherme Dias, 22 anos, publicitário graduado pela
Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) vai mais longe nisso quando diz que
é exatamente a dimensão escrita que faz do leitor tão atento, permitindo
adentrar o enredo de forma inigualável.
- É clichê, mas a literatura realmente é uma porta
para um outro mundo. Um livro exige a plena atenção do leitor, e assim que ele
tem esta atenção, poucas coisas conseguem te tirar de dentro das páginas. Com a
televisão e o cinema, sempre existe aquele ator que fez aquele outro filme, ou
um efeito especial um pouco esquisito. Já o livro, na minha opinião, força a
imersão dentro da tua própria imaginação de uma maneira que nenhuma outra arte
consegue replicar.
Ao final de cada entrevista, foi perguntado a cada
entrevistado quais eram os livros favoritos deles. O interessante do resultado
foi perceber que pessoas de áreas tão diversas (Letras, Publicidade e Medicina
Veterinária) possuem algo muito forte em comum: todos possuem como livro
favorito pelo menos um considerado “clássico”. Na lista estavam, dentre os
muitos, Dostoiéviski, Machado de Assis, George Orwell e Érico Veríssimo. Da
dimensão mundial para a local, apesar das escolhas profissionais diversas, foi
possível perceber que o gosto pela leitura e a literatura ultrapassaram as
aulas de cursinho e seguiram vida afora, permitindo que, segundo Compagnon,
pudessem tornar-se pessoas mais sensíveis, sábias e portanto melhores.
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