quinta-feira, 10 de julho de 2014

Literatura; serve para quê mesmo?

Reescrita
Por Aluno 27

Todos os anos, milhares de alunos adentram as universidades de todo o país para iniciarem sua vida acadêmica. Muitos destes, após a aprovação no vestibular, queimam polígrafos de cursinho e agradecem por jamais terem que fazer cálculos, estudar biologia ou ainda ler Gregório de Matos e Machado de Assis. Estes últimos, trazem como razão para seu desgosto com os autores a linguagem, a temática das obras ou simplesmente “literatura é muito chato”. Suas razões para estas opiniões são compreensíveis, porém não justificam a ausência da leitura em suas vidas.
Neste contexto de leituras obrigatórias e alunos que cada vez menos se interessam pelos livros, podemos nos perguntar: literatura serve para quê mesmo? Há quem diga que literatura é a transcrição da essência da vida. Há ainda quem pense que literatura é simplesmente os pensamentos de algum escritor colocados em palavras. Mesmo em salas de aula do curso de Letras, nas disciplinas de Estudos Literários, as idéias sobre literatura são muitas e diferem de um aluno para outro, tornando o assunto uma eterna e acalorada discussão. Em recente entrevista com jovens inseridos em diversas áreas do conhecimento, pudemos perceber esta pluralidade de opiniões. Para Adriana Kerchner, 18 anos, aluna do curso de Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a literatura tem a missão de transmitir através da escrita a cultura e os saberes de um povo.
- Dessa forma, eles podem transmitir para as gerações futuras seus valores, mitos, crenças, toda e qualquer informação que eles desejem imortalizar nas páginas de um livro. – afirma ela.
A compreensão da literatura como Adriana apresenta é muito interessante, revelando que o interesse por literatura a partir de noções teóricas e simplesmente sobre a escrita não são mais o foco dos leitores. Atualmente, pode-se obter em livrarias todo o tipo de leitura, mas aqueles que amam a literatura, buscam leituras que os transportem para um novo universo, onde uma nova verdade é revelada, um mundo novo é criado ou simplesmente sua realidade é retratada de outra forma. Poemas, romances e contos assumem um novo papel e permitem ao leitor imaginar mais, desejar mais, ser mais. Este ato de leitura, portanto, vai além do entretenimento e faz com que o leitor adquira conhecimento, tanto sobre a vida quanto sobre o mundo, enquanto folheia as páginas do livro.
Nesse sentido, a concepção apresentada na obra de Antoine Compagnon, grande crítico literário e professor de Literatura Francesa no Collège de France, em sua obra “Literatura Para Quê”, encontra-se com essa idéia quando ele elenca alguns sentidos dados à literatura. Um deles parte de Aristóteles e sua idéia de literatura como representação, possuindo assim um poder moral. Desta forma, segundo aponta Compagnon, “a literatura deleita e instrui”. A idéia da leitura literária como uma forma de entretenimento é apresentada por Karine Leal, 23 anos, estudante do curso de Medicina Veterinária na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
- Há também a importância de se permitir um momento de descanso a cada livro que se lê e poder entrar na fantasia da história.
Assim, percebe-se um encontro entre a noção de deleite e transposição do real para o imaginário, algo muito presente principalmente na literatura infanto-juvenil a partir do século XX. Muitos professores, com o objetivo de instruir seus alunos com determinado assunto, acabaram por escrever obras fantásticas que abordam uma temática de uma forma jamais vista antes. Jostein Gaarder, escritor norueguês teve seu início no mundo da escrita desta forma, quando, para incentivar o interesse em suas aulas de filosofia, escreveu “O Mundo de Sofia”, obra lida até hoje por milhares, e não mais apenas crianças.
Tantos outros exemplos existem e em todos, a noção da representação de uma dada realidade, seja ela no mundo das idéias ou no real, de um futuro apocalíptico ou em um passado desconhecido, todas possuem o objetivo de transmitir uma idéia, uma moral. Esta moral permite que o leitor, portanto, tenha na literatura um certo "manual de como viver", aprendendo nos livros o certo e o errado, compreendendo o drama amoroso, os dilemas da vida e ainda sentimentos que por ventura ainda não tenha sentido em sua vivência. A literatura seria, assim, um retrato da vida real sob o ponto de vista de um indivíduo inserido em um contexto social, histórico e cultural. Este indivíduo recebe, através da literatura, o poder de transpor em palavras seus pensamentos, suas idéias, seus sentimentos, seu eu. Uma única leitura pode mudar a vida de alguém, tornando esta pessoa imediatamente um ser melhor, mais consciente de si no mundo. Neste mundo, a única arte com tamanho poder é a literatura, o que a torna essencial para vida.
Uma questão levada em consideração no decorrer das entrevistas foi em relação ao que cada um dos entrevistados entendia por literatura. Apesar de apresentarem idéias diversas, todos os entrevistados concordaram em um ponto: a literatura faz parte da dimensão escrita.
Guilherme Dias, 22 anos, publicitário graduado pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) vai mais longe nisso quando diz que é exatamente a dimensão escrita que faz do leitor tão atento, permitindo adentrar o enredo de forma inigualável.
- É clichê, mas a literatura realmente é uma porta para um outro mundo. Um livro exige a plena atenção do leitor, e assim que ele tem esta atenção, poucas coisas conseguem te tirar de dentro das páginas. Com a televisão e o cinema, sempre existe aquele ator que fez aquele outro filme, ou um efeito especial um pouco esquisito. Já o livro, na minha opinião, força a imersão dentro da tua própria imaginação de uma maneira que nenhuma outra arte consegue replicar.
Ao final de cada entrevista, foi perguntado a cada entrevistado quais eram os livros favoritos deles. O interessante do resultado foi perceber que pessoas de áreas tão diversas (Letras, Publicidade e Medicina Veterinária) possuem algo muito forte em comum: todos possuem como livro favorito pelo menos um considerado “clássico”. Na lista estavam, dentre os muitos, Dostoiéviski, Machado de Assis, George Orwell e Érico Veríssimo. Da dimensão mundial para a local, apesar das escolhas profissionais diversas, foi possível perceber que o gosto pela leitura e a literatura ultrapassaram as aulas de cursinho e seguiram vida afora, permitindo que, segundo Compagnon, pudessem tornar-se pessoas mais sensíveis, sábias e portanto melhores.


Nenhum comentário:

Postar um comentário