quinta-feira, 15 de maio de 2014

Amiga sombra

1ª Versão
Por Aluno 27


Em 2008 tudo era diferente. A última prova e a escolha do curso do PEIES se aproximavam (PEIES era um tipo de vestibular parcelado entre os três anos do Ensino Médio que existia na UFSM, em Santa Maria) e eu ainda estava em dúvida entre tantas coisas que mal cabia nas duas mãos. História? Letras? Filosofia? Psicologia? Arquitetura? Desenho Industrial? Artes Visuais? Cada dia acordava querendo ser uma coisa diferente. Os meses passavam, a sombra da escolha dominava a cada instante minha existência. Meus colegas, correndo daqui para ali entre as aulas do colégio e do cursinho, tentando recuperar o tempo perdido e conseguir a pontuação para o curso desejado e eu sentada, lendo meus livros prediletos e sem a mínima ideia do que fazer.
Julho, agosto, setembro. Aquela grande sombra, negra e vigilante, me aguardava no outubro futuro. Era como uma gárgula poderosa, do alto de uma torre, jogando raios laser em minha mente; “Decida! Decida!”. Eu não fazia a mínima ideia. E outubro chegou, com seu calor lazarento, com as provas finais da horripilante matemática e o mal, o pior dentre todos existentes na Terra: a hora de decidir. No dia, o último dia para a definição do curso, sentei-me em frente ao computador (a grande sombra tenebrosa parada a meu lado) e escolhi; História.
Por mais que o atento ouvinte pense “Ok, ela se decidiu”, não, a coisa não parou por aí. Entrei no curso de História, alegre e contente. Dois semestres... Terceiro semestre e sentia uma falta de algo que não sabia o que era. Não estava bom, não estava feliz. Minha conhecida, a grande sombra vigilante da indecisão retornava ao meu encontro. No quarto semestre, desisti e prestei vestibular para Desenho Industrial.
Muito estudo, muitas noites terrivelmente quentes estudando e passei. Agora seria Designer. Uh, que chique! Primeiro semestre, só alegria. Segundo semestre, nem tanta alegria assim. Seis canecas de café, três noites sem dormir, gastrite que me incomoda até hoje e 35 desenhos (para o mesmo dia) depois, lá ao longe, eu via minha velha conhecida sombra da indecisão, à minha espera. Aquilo não era o que eu queria e novamente, não sabia o que fazer.
Em meados de outubro de 2011, num dia ensolarado do tipo frio, com vento gelado de fazer a orelha doer e tudo, bem como gosto, numa aula de Desenho de Observação, eu e mais dois colegas desenhávamos uma moça, a modelo. Dentre as muitas discussões que tínhamos durante as aulas, naquele dia todos falavam sobre como decidiram o que queriam fazer da vida. Não vale a pena mencionar tudo o que foi falado, mas uma coisa sim; eu percebi, ouvindo eles, que tudo na minha vida sempre esteve em torno de Literatura, de Língua, de Palavra. Letras! Sim! Um milagroso edital de transferência surgiu no site da universidade ainda aquele mês e estava decidido: iria cursar Letras.
Lembro-me ainda da primeira aula no curso; Introdução aos Estudos Literários, com a temida Professora Silvia Paraense. Lembro de sorrir por dentro quando ela falou em todos os autores que sempre gostei, em ouvir ela falando em Literatura como uma parte do mundo, em algo essencial para a compreensão da realidade e da vida. Acho que em poucos momentos me senti tão feliz. Ao meu lado, não havia ninguém. Minha amiga, a sombra da indecisão, havia me deixado. Para sempre? Não. Ela retornaria quando outras grandes decisões fossem necessárias.
De tudo, de três cursos meio cursados, passei a compreender o mundo de uma forma completamente diferente. Não sei mais perceber uma anedota histórica como uma simples anedota. Em cada parte, vejo o processo, a construção histórica, o tempo histórico que abala as civilizações e culturas. Em cada uma destas culturas, vejo sua arte, seu poder criativo, as infinitas cores que juntas formam tantas outras e cada minúcia do traço desse ou daquele artista. Da Literatura, da Língua e da Educação continuo aprendendo, mas de todas essas partes, tão diferentes; umas tão teóricas, outras tão práticas, retirei o poder de perceber que cada dia, cada instante vivido, cada palavra trocada com um desconhecido seja no meio da madrugada embebida em álcool ou no raiar de um dia cinza e com vento de fazer a orelha doer; tudo importa, tudo conta, tudo é aprendizado e tudo isso, mesmo sendo não tão bonito, me fez quem sou hoje. Minha amiga, a minha companheira sombra vigilante da indecisão me aguarda no futuro, mas já não a temo como antes. Agora, sei que ela vem para bagunçar minha mente, para transformar o que naquele momento não traz algo de bom. Hoje sei que sua chegada significa aprendizado, significa felicidade.

Nenhum comentário:

Postar um comentário