Reescrita
Por Aluno 27
Em
2008 tudo era diferente. A última prova e a escolha do curso do PEIES se
aproximavam (PEIES era um tipo de vestibular parcelado entre os três anos do
Ensino Médio que existia na UFSM, em Santa Maria) e eu ainda estava em dúvida
entre tantos cursos que mal cabia nas duas mãos. História? Letras? Filosofia?
Psicologia? Arquitetura? Desenho Industrial? Artes Visuais? Cada dia acordava
querendo ser uma coisa diferente. Os meses passavam e, dia a dia, a grande sombra
da escolha dominava minha mente, atormentando cada instante de minha
existência.
Julho,
agosto, setembro. Aquela grande sombra, negra e vigilante, me aguardava no
outubro futuro. Era como uma gárgula poderosa, do alto de uma torre, jogando
raios laser em minha mente; “Decida! Decida!”. Eu não fazia a mínima ideia. Ela
me olhava com seus grandes olhos e eu, apavorada, desviava o olhar. Outubro
chegou, com seu calor lazarento e o mal, o pior dentre todos existentes na
Terra: a hora de decidir. Eu pude sentir seu olhar por trás de meus ombros, a
me observar quando, no último dia para a definição do curso, sentei-me em
frente ao computador (a grande sombra tenebrosa parada a meu lado) e escolhi;
História.
Bixo
História UFSM 2009, completamente alegre e contente. Finalmente havia me
livrado daquela companheira tenebrosa! Dois semestres... Terceiro semestre e
sentia uma falta de algo que não sabia o que era. Não estava bom, não estava
feliz. Minha conhecida, a grande sombra vigilante da indecisão retornava ao meu
encontro em um dos corredores do prédio 74. Nos cumprimentamos cordialmente e
ela permaneceu ali, ao meu lado por um certo tempo. No quarto semestre, quando
finalmente desisti de História e prestei vestibular para Desenho Industrial,
nos despedimos. Sua partida foi tão breve quando sua chegada, mas cheguei a
olhar para trás quando a vi indo na direção oposta a mim.
Muito
estudo, muitas noites terrivelmente quentes estudando e passei. Agora seria
Designer. Uh, que chique! Primeiro semestre, só alegria. Segundo semestre, nem
tanta alegria assim. Seis canecas de café, três noites sem dormir, gastrite que
me incomoda até hoje e 35 desenhos (para o mesmo dia) depois, lá ao longe, eu
via minha velha conhecida sombra da indecisão, caminhando lentamente em minha
direção. Ela, adentrando as portas de vidro do CAL, vinha a passos tranquilos
subindo os poucos degraus da entrada do prédio. Quase percebi um sorriso em mim
ao vê-la.
Em
meados de outubro de 2011, num dia ensolarado do tipo frio, com vento gelado de
fazer a orelha doer e tudo, bem como gosto, numa aula de Desenho de Observação,
eu e mais dois colegas desenhávamos uma moça, a modelo. Dentre as muitas
discussões que tínhamos durante as aulas, naquele dia todos falavam sobre como
decidiram o que queriam fazer da vida. Não vale a pena mencionar tudo o que foi
falado, mas uma coisa sim; eu percebi, ouvindo eles, que tudo na minha vida
sempre esteve em torno de Literatura, de Língua, de Palavra. Letras! Sim! Um
milagroso edital de transferência surgiu no site da universidade ainda aquele
mês e estava decidido: iria cursar Letras. Senti então que a conhecida sombra, que
até então mantinha-se constantemente ao meu lado, levantou-se. Me olhando com
aqueles já olhos cansados, ela compreendeu que, mais uma vez, era hora de sua
partida.
Lembro-me
ainda da primeira aula no curso de Letras; Introdução aos Estudos Literários,
com a temida Professora Silvia Paraense. Lembro de sorrir por dentro enquanto
ela falava em nos autores que sempre gostei, em ouvir ela falando em Literatura
como uma parte do mundo, em algo essencial para a compreensão da realidade e da
vida. Acho que em poucos momentos me senti tão feliz. Ao meu lado, não havia
ninguém. Minha amiga, a sombra da indecisão, havia me deixado. Nem percebi
quando ela se foi. Certamente gostaria de ter me despedido, quem sabe com um
abraço. Porém, sabia que ela retornaria no futuro, quando outras grandes
decisões fossem necessárias.
Do
meu tortuoso caminho e de três cursos meio cursados, passei a compreender o
mundo de uma forma completamente diferente. Não sei mais perceber uma anedota
histórica como algo simples. Em cada parte, vejo o processo, a construção
histórica que abala as civilizações e culturas. Em cada uma destas culturas,
vejo sua arte, seu poder criativo, as infinitas cores que juntas formam tantas
outras e cada minúcia do traço desse ou daquele artista. Da Literatura, da
Língua e da Educação continuo aprendendo, mas cada pedaço deste todo retirei o
poder de perceber que cada dia, cada instante vivido, cada palavra trocada com
um desconhecido seja no meio da madrugada embebida em álcool ou no raiar de um
dia cinza e com vento de fazer a orelha doer; tudo importa, tudo conta, tudo é
aprendizado e tudo isso, mesmo sendo não tão bonito, me fez quem sou hoje.
Minha amiga, a minha companheira sombra vigilante da indecisão esteve e sempre
estará à minha espera, mas já não a temo como antes. Hoje, na sua chegada, nos
abraçamos e passamos longas horas a conversar sobre a vida, sobre o mundo. Ela
me fala de suas aventuras, eu lhe faço alguns gracejos. Quando a vejo, ao
longe, cansada em seus passos lentos, sinto-me feliz, pois sua chegada
significa mudança, aprendizado.
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