quarta-feira, 2 de julho de 2014

MEMORIAL DE LEITURA

Reescrita
Por Aluno 35



            Nos meus quatorze anos, eu era acostumado a ouvir música o dia todo e talvez esse fosse o mais perto que eu chegava de uma efetiva leitura. Nada de jornais, muito pouco de revistas. As necessidades de leitura para a escola também eram desleixadas. Ler através do ouvido era aparentemente mais fácil e prazeroso que sentar para ler algo da escola, ou até mesmo alguma curiosidade.
A respeito disso, Britto (2012) defende a idéia das variantes formas de se realizar uma leitura, desconsiderando só o método mais conhecido que é o de ler um livro, por exemplo. Sobre esse conceito o autor discorre sobre duas ações básicas que a leitura é composta, a primeira é decifrar e a segunda é compreender, sendo que os dois fundamentos são, na verdade, distintos. Como um escâner que realiza apenas a primeira. O autor inda apresenta outras formas de leitura, como a leitura das linhas das mãos, ou até mesmo a leitura da luz, que são chamadas de leituras, mas diferem do nosso conceito habitual. Através da análise desses dados, posso dizer que havia sim a prática da leitura no meu cotidiano, mas creio que ela não supria minhas necessidades quanto a me preparar para ser também um escritor.
            O ano era 2008 e eu havia recém entrado nas aulas de violão. Minha gana pela escrita veio junto dos primeiros acordes. Gostava mais de tocar uma música inventada por mim do que tocar a música dos outros. O fato que era por mim desconhecido naquela época se refere à questão de um escritor primeiramente necessitar ser um leitor. Tomo por experiência a veracidade desse fato, pois os dois anos seguintes ao meu ingresso no meio da escrita se mostraram pouco proveitosos em questão de produzir materiais de qualidade.
            Fazendo uso de outra teoria, Rottava (1998, pg 7) aborda que “tanto a leitura quanto a escrita podem ser consideradas atividades de construção dos sentidos de um discurso”. Quando comecei a escrever, não tinha conhecimento desse conceito, acreditava que a escrita exercia papel solo na elaboração de um discurso. De tal modo, eu não gostava de ler, então me dedicava apenas a escrever, acreditando que desta maneira iria conseguir dar um bom resultado ao meu texto final.
            Quando, em outras palavras, me foi dito que só seria possível que escrevesse com qualidade através de uma leitura efetiva, o ano já era 2010. As experiências com a palavra já haviam sido frustradas e eu já tinha a percepção de que algo estava errado para aquela falta de qualidade.
            Vendo a necessidade que eu teria de ler para poder escrever, pedi trinta reais para minha mãe e fui até uma livraria. Expliquei um pouco da minha situação para a vendedora e pedi a ela um livro que estivesse sendo bastante vendido. Ela me trouxe Querido John, do Nicholas Sparks. Li um pouco da sinopse e pensei que talvez pudesse gostar da história. Comprei o livro, lembro que era recém segunda-feira. Dois dias depois eu já havia concluído o romance inteiro. Quase trezentas páginas em dois dias. Fiquei assustado comigo mesmo, pois nem imaginava que era capaz de ler tanto em tão pouco tempo – acostumado com as semanas que levava para ler (quando lia) os livros de pouco mais de cem páginas da escola.
            Não demorei muito para comprar outro livro. Fui descobrindo que ler não era assim tão ruim. Fui buscando mais livros do autor e aos poucos fui conhecendo muitos outros escritores, bem melhores que Nicholas Sparks. Hoje, valorizo o papel que a obra teve na minha formação de leitor, mas tenho certo desprezo pelo conteúdo da obra, por achar que não corresponde mais ao estilo literário que tenho hoje. Não reli o livro para não acabar com a imagem que tenho dele. Tenho certeza que se o fizesse, poderia mudar muito meu conceito. Prefiro deixar ele petrificado no passado, com todo o carinho que tenho pelo primeiro livro que eu li por vontade própria.
            Outra teoria estuda foi a de Kleiman (1995), que traz em seu livro explicações sobre a importância de um conhecimento prévio em uma leitura e da interação que um livro tem diante de diversos níveis de conhecimento, como o conhecimento lingüístico, o textual, o conhecimento de mundo do próprio leitor. A partir dessa teoria, recordei-me de um livro que tive de usar meus conhecimentos de química para sua melhor compreensão. Como sou formado técnico na área, consegui ter uma melhor compreensão do que o autor quis dizer com mais facilidade que um leitor comum (sem formação química, no caso). No Clube da Luta, de Chuck Palahniuk, há citações de como proceder para a fabricação de napalm.
Existem três maneiras de fazer napalm: a primeira é misturar partes iguais de gasolina e suco de laranja congelado e concentrado. A segunda é misturar partes iguais de gasolina e coca diet. A terceira é dissolver areia granulado para gastos em gasolina até que a mistura fique grossa (pg 15).
            Um leitor comum talvez não tenha noção do que pode estar ocorrendo nas misturas para que o produto final seja algo perigoso. Lembro de conversar com alguns professores para tentar esclarecer qual seria a reação final e o produto que formaria a mistura de tais reagentes.
            O livro acabou me instigando além da trama e de seus personagens. Minha atenção, muitas vezes, acabava sendo voltada para os detalhes, que no fim, eram insignificantes para se chegar ao desfecho final. Isso, justamente, como Kleiman (1995) cita, pelo meu conhecimento prévio diante da obra.
            Concluindo, Rottava (2000, pg 4) diz que “ler, acima de tudo, está ligado à construção de sentido” e que esse sentido é na verdade “a construção de uma mensagem, cujas intenções são próprias desses interlocutores, onde se instala uma complexa rede de representações características de cada falante”. Quando me deparei pela primeira vez com um livro do Arnaldo Antunes, Como é que Chama o Nome Disso, presenciei pela primeira vez a poesia concreta e também modernista. Foi através desse livro que percebi que na verdade o objetivo que me trouxe para o mundo dos livros, não era bem meu objetivo final nessa relação com a literatura. Minha vontade não era escrever músicas e sim poesia. O livro trouxe um novo conceito para minha trajetória literária. Ler Arnaldo Antunes foi um marco na minha vida, da mesma forma que todos os outros livros citados também foram. A literatura tem um tanto disso, de escapar de ser só livros e se tornar parte de nós.




REFERÊNCIAS

BRITTO, Luiz Percival Leme. Leitura: Acepções, Sentido e Valor. Nuances: estudos sobre educação. Ano XVIII, v. 21, n.22, p.18-32, janeiro/abril 2012.
KLEIMAN, Angela. Texto e leitor: aspectos cognitivos da leitura.Editora Pontes, São Paulo, 4ª edição, 1995.
PALAHNIUK, Chuck. Clube da luta. Tradução Cassius Medauar, Editora Leya, São Paulo, 3ª reimpressão 2012.
ROTTAVA, Lucia. A importância da leitura na construção do conhecimento. Editora Unijuí, Ano 9, Nº 35, janeiro/março 2000.
ROTTAVA, Lucia. A leitura e a escrita na pesquisa e no ensino. Editora Unijuí, Ano 4, Nº 27, janeiro/março 1998.


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