1ª
Versão
Por Aluno 35
Nos meus quatorze anos, eu era
acostumado a ouvir música o dia todo e talvez esse fosse o mais perto que eu
chegava de uma efetiva leitura. Nada de jornais, muito pouco de revistas. As
necessidades de leitura para a escola também eram desleixadas. Ler através do
ouvido era aparentemente mais fácil e prazeroso que sentar para ler algo da
escola, ou até mesmo alguma curiosidade.
Britto (2012) defende a idéia das
variantes formas de se realizar uma leitura, desconsiderando só o método mais
conhecido que é o de ler um livro, por exemplo. Sobre esse conceito o autor
diz:
As
duas ações básicas de ler (decifrar e compreender) interligadas de tal modo
que, em princípio uma implica a outra; contudo, são distintas em seus
fundamentos e qualidades: um escâner pode realizar a primeira, mas não tem
nenhuma condição de fazer a segunda; a segunda pode ocorrer em outras
atividades humanas de que não participe a escrita.
No decorrer do artigo Britto (2012)
apresenta as outras formas de leitura, como a leitura das linhas das mãos, ou
até mesmo a leitura da luz.
Através da analise desses dados,
posso dizer que havia sim a prática da leitura no meu cotidiano, mas creio que
ela não supria minhas necessidades quanto a me preparar para ser também um
escritor.
O ano era 2008 e eu havia recém entrado
nas aulas de violão. Minha gana pela escrita veio junto dos primeiros acordes.
Gostava mais de tocar uma música inventada por mim do que tocar a música dos
outros. O fato que era por mim desconhecido naquela época se refere à questão
de um escritor primeiramente necessitar ser um leitor. Tomo por experiência a
veracidade desse fato, pois os dois anos seguintes ao meu ingresso no meio da
escrita se mostraram pouco proveitosos em questão de produzir materiais de qualidade.
Rottava (1998) aborda que “tanto a
leitura quanto a escrita podem ser consideradas atividades de construção dos
sentidos de um discurso”. Quando comecei a escrever, não tinha conhecimento
desse conceito, acreditava que a escrita exercia papel solo na elaboração de um
discurso. De tal modo, eu não gostava de ler, então me dedicava apenas a
escrever, acreditando que desta maneira iria conseguir dar um bom resultado ao
meu texto final.
Quando, em outras palavras, me foi
dito que só seria possível que escrevesse com qualidade através de uma leitura
efetiva, o ano já era 2010. As experiências com a palavra já haviam sido
frustradas e eu já tinha a percepção de que algo estava errado para aquela
falta de qualidade.
Vendo a necessidade que eu teria de
ler para poder escrever, pedi trinta reais para minha mãe e fui até uma
livraria. Expliquei um pouco da minha situação para a vendedora e pedi a ela um
livro que estivesse sendo bastante vendido. Ela me trouxe Querido John, do
Nicholas Sparks. Li um pouco da sinopse e pensei que talvez pudesse gostar da
história. Comprei o livro, lembro que era recém segunda-feira. Dois dias depois
eu já havia concluído o romance inteiro. Quase trezentas páginas em dois dias.
Fiquei assustado comigo mesmo, pois nem imaginava que era capaz de ler tanto em
tão pouco tempo – acostumado com as semanas que levava para ler (quando lia) os
livros de pouco mais de cem páginas da escola.
Não demorei muito para comprar outro
livro. Fui descobrindo que ler não era assim tão ruim. Fui buscando mais livros
do autor e aos poucos fui conhecendo muitos outros escritores, bem melhores que
Nicholas Sparks. Hoje, valorizo o papel que a obra teve na minha formação de
leitor, mas tenho certo desprezo pelo conteúdo da obra, por achar que não
corresponde mais ao estilo literário que tenho hoje. Não reli o livro para não
acabar com a imagem que tenho dele. Tenho certeza que fizesse, poderia mudar
muito meu conceito. Prefiro deixar ele petrificado no passado, com todo o
carinho que tenho pelo primeiro livro que eu li por vontade própria.
Kleiman (1995) traz em seu livro
explicações sobre a importância de um conhecimento prévio em uma leitura e da
interação que um livro tem diante de diversos níveis de conhecimento, como o
conhecimento lingüístico, o textual, o conhecimento de mundo do próprio leitor.
Há
outro livro com um espaço especial na minha estante que tem esse cuidado a quem
dos outros pelo fato de envolver em alguns momentos conhecimentos de química.
Como sou formado técnico em química consigo fazer a compreensão do que o autor
quis dizer com mais facilidade que um leitor comum (sem formação química, no
caso). No Clube da Luta, de Chuck Palahniuk, há citações de como proceder para
a fabricação de napalm.
Existem
três maneiras de fazer napalm: a primeira é misturar partes iguais de gasolina
e suco de laranja congelado e concentrado. A segunda é misturar partes iguais
de gasolina e coca diet. A terceira é dissolver areia granulado para gastos em
gasolina até que a mistura fique grossa.
Um leitor comum talvez não tenha
noção do que pode estar ocorrendo nas misturas para que o produto final seja
algo perigoso. Lembro de conversar com alguns professores para tentar
esclarecer qual seria a reação final e o produto que formaria a mistura de tais
reagentes.
O livro acabou me instigando além da
trama e de seus personagens. Minha atenção, muitas vezes, acabava sendo voltada
para os detalhes, que no fim, eram insignificantes para se chegar ao desfecho
final. Isso, justamente, como Kleiman (1995) cita, pelo meu conhecimento prévio
diante da obra.
Rottava (2000) diz que “ler, acima
de tudo, está ligado à construção de sentido” e que esse sentido é na verdade
“a construção de uma mensagem, cujas intenções são próprias desses
interlocutores, onde se instala uma complexa rede de representações
características de cada falante”. Quando me deparei pela primeira vez com um
livro do Arnaldo Antunes, Como é que Chama o Nome Disso, presenciei pela
primeira vez a poesia concreta e também modernista. Foi através desse livro que
percebi que na verdade o objetivo que me trouxe para o mundo dos livros, não
era bem meu objetivo final nessa relação com a literatura. Minha vontade não
era escrever músicas e sim poesia. O livro trouxe um novo conceito para minha
trajetória literária. Ler Arnaldo Antunes foi um marco na minha vida, da mesma
forma que todos os outros livros citados também foram. A literatura tem um
tanto disso, de escapar de ser só livros e se tornar parte de nós.
REFERÊNCIAS
BRITTO,
Luiz Percival Leme. Leitura: Acepções,
Sentido e Valor. Nuances: estudos sobre educação. Ano XVIII, v. 21, n.22,
p.18-32, janeiro/abril 2012.
KLEIMAN,
Angela. Texto e leitor: aspectos
cognitivos da leitura. Editora Pontes, São Paulo, 4ª edição, 1995.
PALAHNIUK,
Chuck. Clube da luta. Tradução
Cassius Medauar, Editora Leya, São Paulo, 3ª reimpressão 2012.
ROTTAVA,
Lucia. A importância da leitura na
construção do conhecimento. Editora Unijuí, Ano 9, Nº 35, janeiro/março
2000.
ROTTAVA,
Lucia. A leitura e a escrita na pesquisa
e no ensino. Editora Unijuí, Ano 4, Nº 27, janeiro/março 1998.
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