sexta-feira, 16 de maio de 2014

Sobre (re)nascimento

Reescrita
Por Aluno 44

Um diálogo entre Louis Garrel e Eva Green acontecia; era um debate sobre Charles Chaplin e sua eficiência como diretor ou algo parecido. Domingo à noite, cerca de oito horas. Tudo que eu poderia fazer era assistir “Os Sonhadores”, deitada na minha cama e enrolada em um cobertor macio e quente. Meu telefone toca e segundo o visor era o meu pai; segundo a voz, sua esposa. Atendi rapidamente e assustada, com medo que algo tivesse acontecido com a Vanessa. Pelo contrário, ela me ligava reforçando que no outro dia às sete horas da manhã ela estaria no hospital, pois às oito horas começaria o parto. A ligação não precisaria nem ter sido feita, pois desde o dia vinte e seis de julho do mesmo ano eu já havia começado a contagem regressiva.
Desligado o telefone, toda a tranquilidade daquele dia entediante de domingo se foi. Sono? Nem ao menos sabia o significado disto. Minha madrugada inteira se resumiu a fluxos de pensamentos. Como seria ter um novo membro na família? Será que ela se pareceria com o meu pai ou com sua mãe? Como seria lidar com as suas diferenças? Será que ela conseguiria superar todas as dificuldades provocadas pela síndrome? Como a família iria cuidar desta pequena? As perguntas vinham seguidas de uma tentativa intensa de respondê-las, mas nenhuma hipótese de resposta surgia em minha mente. Criei situações: nós duas brincando no parque ou chegando na escolinha no seu primeiro dia de aula. Tudo muito clichê e até meio infantil, mas inevitável naquele momento.
Minha mãe tocou na porta e eu automaticamente pulei pra fora da cama. Eu poderia ter dormido duas ou oito horas, pois estaria igualmente disposta. Lembro-me de fazer exatamente tudo no modo automático, sem ao menos pensar: tomar banho, vestir um, a calça que poderia ser roxa ou verde que eu não notaria, uma blusa de pijama ou formal e aquele casaco preto que puxei do armário pois estava à mão. Se tomei café da manhã? Mal posso me lembrar. A cena que me vem à mente é a da ida até o hospital.
É claro que, especificamente naquele dia, algo aconteceria para atrasar todo o meu caminho. Um acidente talvez, um pneu furado, uma escola de samba ensaiando na avenida em pleno agosto, um protesto. Não sei, qualquer coisa poderia acontecer. E aconteceu: lá estavam na Avenida Beira Rio todos os carros da cidade (segundo o meu cálculo). De dez minutos de trajeto, demorou quarenta. Não havia mais música, nem eu sabia dizer os números dos carneirinhos que eu havia contado para me acalmar. Apenas me mexia no banco do pequeno Palio de minha mãe, com a esperança que assim o tempo passasse mais rápido.
Chegando à maternidade do Hospital Mãe de Deus, aguardei o que poderia ser dez ou três horas naquela sala com as paredes amarelo claro e cheirinho de pêssego. Pela janela eu via prédios altos que só ajudavam na sensação de estar sendo sufocada por aquela situação toda. Nem o sol que aparecia no céu e a presença de meus familiares me tranquilizavam. O silêncio e a tensão eram tantos que os barulhos dos passos do médico vindo em minha direção me causavam nada menos que fortes arrepios. “Nasceu” foi a única coisa que consegui entender antes de sentir aquela sensação de alívio que se converteu em lágrimas.
Quando finalmente consegui pegar no colo aquela criança tão pequeninha e delicada, o mundo pareceu se colorir de outra maneira. Seu nome é Karolina Duran, nasceu dia 26 de agosto de 2009 com 3,478 quilos, 42 centímetros, olhos amendoados, uma prega palmar transversal e 47 cromossomos. Características da Síndrome de Down. E mesmo tão pequena e inocente causou em mim sentimentos novos e que, até hoje aprendo a lidar. Foi a partir daquele momento que entendi como é sentir a necessidade de proteger alguém, de dar o melhor de si pela felicidade do outro.

Francesco Alberoni dizia que a vida é feita de vários renascimentos e eu diria que este dia foi o meu. Primeiro por ter conhecido um altruísmo que eu ao menos sabia que existia em mim. A partir do nascimento da Karol, passei a entender que o desenvolvimento dela depende fortemente do estímulo externo e, ao ampliar isso, compreendi que ela não é a única. Que minha vida também depende do próximo e, por isso, preciso valorizá-lo. Segundo porque ter essa pequena em minha vida só me trouxe alegrias.

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