1ª
Versão
Por Aluno 34
Eram seis horas da
manhã de um dia de semana comum: eu de uniforme e mochila nas costas, minha mãe
pronta para o trabalho, portanto, era hora de irmos enfrentar mais uma jornada
diária. Eu tinha dez anos de idade. Uma década sendo filha única, dormindo sozinha
num quarto, podendo escolher um presente bom de dia das crianças, Páscoa ou Natal,
já que era um só, e eu não precisaria dividir. Para ser sincera, não era tão
bom assim: eu era a única criança, e não tinha ninguém para brincar, me
divertir.
Ainda naquela manhã,
antes de partirmos para a minha escola, trabalho, a notícia da minha mãe
mostrou que toda aquela minha vida de menina solitária teria um fim: “Nathi, eu
acho que estou grávida”.
Felicidade instantânea,
repentina e incontestável. Não teria outra reação a fazer em dado momento, a
não ser abraça-la fortemente e ficar muito alegre, com certeza. Foi o que fiz,
com um desejo enorme de mudança em nossas vidas, inclusive a do meu padrasto.
Os dias foram se
passando e a informação já tinha sido confirmada: minha mãe carregaria uma
criança consigo nos próximos oito ou nove meses. Via a barriga dela crescendo,
e eu já começava a me acostumar com a ideia de que não era mais só eu no mundo
e a única criança da família, pois já sentia que a atenção de minha mãe e do
meu padrasto estava sendo dividida, entre eu e o bebê. Obviamente, a ansiedade
aumentava, querendo saber o seu sexo, como seria a minha relação com ele; se
futuramente poderia continuar brincando com bonecas ou aderir-me à diversão com
carrinhos e aviões de plástico e metal.
No quinto mês, fui
informada de que não viria um João Rodolfo (o nome escolhido, caso fosse um
garoto), e sim uma Ana Laura, uma menininha. Saber que eu iria pentear os
cabelinhos macios dela, pintar as unhas de rosa, maquiá-la, cuidá-la...Tudo
isso me deixava extremamente curiosa, mesmo sabendo que me felicitaria de
qualquer jeito, menino ou menina. Ensiná-la as boas maneiras era o meu novo
dever e, o mais difícil, que é dar o exemplo e comprovar a responsabilidade de
uma irmã mais velha. Quando eu tinha dez anos, certamente não tinha me dado por
conta disso, pois eu era uma criança também, sem maturidade para tal
pensamento. Hoje, sendo praticamente uma mulher, admito que ser uma das
inspirações de uma criança com tantos sonhos não é tarefa fácil.
O tempo foi se passando
e o tão esperado dia cada vez mais próximo. Até que enfim, ele chegou: era
noite do dia cinco de agosto de 2006 e eu iria dormir na minha vó, quando meu
tio ligou dizendo que a Ana Laura nascera.
No dia seguinte, iria
conhece-la pessoalmente. Nem sei como consegui pegar no sono pela noite, de
tanta vontade de acordar logo e ver o rostinho da minha nova companheira. Se
antes eu já não me sentia mais tão sozinha, a partir daquele instante eu não
estava mesmo: alguém completava a minha família e a mim igualmente. Minha
Aninha estava no hospital, junto a minha mãe, estando com saúde, forte,
abraçada no colo protetor materno, talvez dormindo, sorrindo por dentro. Fazia
um frio exorbitante no dia em que ela veio ao mundo, entretanto tenho certeza
de que o sol conseguiu brilhar - que não significa literalmente esquentar -
mais do que em qualquer dia de primavera, e a noite teve um céu exageradamente estrelado
de tanto brilho e luminosidade. Não era uma data qualquer, pois a minha vida
mudaria para sempre a partir de uma outra que eu precisava ajudar a dar um
sentido e razão.
Contudo, o clima permitiu que eu ficasse doente
justo naquela manhã em que fui vê-la pela primeira vez: Acarretou-me uma
bronquite terrível; eu tossia sem parar e não podia chegar perto dela.
Por sorte, eu estava num hospital e tive ajuda
rapidamente. Só consegui ver de longe uma menina de cabelinhos vermelhos, de
roupa cor-de-rosa com estampas de girafas e que não desgrudava de minha mãe.
Era a minha nova bonequinha que estava lá, minha irmã preciosa que passaria a
dividir tudo comigo e, de mesma forma, me completaria, preencheria aquela
solidão que já duravam dez anos. Pela primeira vez, eu teria a oportunidade de
cuidar de uma bonequinha de verdade. Até o fim de minha existência.
Fiquei curada da doença
crônica já no mesmo dia. Pude pegá-la no colo, e talvez eu jamais tivesse
carregado uma criança de verdade em meus braços. Tão levinha, meiga e pequena.
Agora, minha missão de educação tinha ficado séria e, não brinquei mais de
bonecas estilo bebê a partir daquele dia, já que eu teria de ensinar e aprender
com uma real, com sentimentos, emoções e angústias. Melhor ainda, era o fato de
que essa boneca me amaria de verdade, diferente de uma de plástico ou tecido.
Alguns dias depois,
minha mãe e a Ana Laura puderam voltar para casa. A partir de então, a rotina
voltara ao normal: ia no colégio pela manhã e, de tarde, cuidava de minha irmã
junto com a minha mãe e a Vó Laura, que conseguiu brincar um pouquinho com a
Ana antes de partir para o céu. Hoje,
com a minha irmã crescendo cada dia mais, vejo que um pouquinho da Vó Laura
está junto dela, como uma herança transmitida para a neta. Não é de menos que
minha irmã carrega consigo o nome da avó, assim como a fisionomia, caráter da
mesma.
A propósito, quando
minha mãe noticiou para a Vó Laura a gravidez, o que a vovó disse foi o
seguinte: “Uma criança trará alegria para esta casa”. Ela estava certíssima.
Esta alegria não teve
fim e perdura até hoje, com o crescimento e desenvolvimento da minha princesa,
que está com sete anos e me trazendo encantos, aprendizagens e novidades a cada
dia que passa. Admito que a Ana teve a capacidade de fazer-me mulher e criança
ao mesmo tempo. Preciso ser gente grande quando ensino-a a ler seus livrinhos
de fábulas, a somar e subtrair os números, pedir para que faça silêncio, pois a
“mana” precisa estudar, está no telefone ou com dor de cabeça apenas. E, de
mesma forma, a Ana me ensina a ser criança quando está sozinha e, segundo ela,
precisa urgentemente de alguém que a ajude a pôr roupas e arrumar o cabelo de
todas as bonecas ou passar uma fase num jogo de computador, procurar o presente
do coelho da páscoa, dançar, cantar, pular corda e arrumar a bagunça antes que
o papai e a mamãe descubram. Ela quer que eu monte casas para as bonecas e seus
bichos de pelúcia, faça bolhas de sabão dentro de casa e cambalhotas no tapete,
pede para que eu conte histórias, empreste os meus batons e esmaltes. Nessa
relação, por mais bela que pareça, não é totalmente pacífica: há inúmeras
brigas e devaneios que duram já a sete anos, e mais da metade pode-se dizer que
são motivos bobos. No entanto, mesmo assim, no fundo ela não quer que eu saia
de perto dela – nunca.
A Ana também sabe ser
adulta quando precisa. Por exemplo, no dia do resultado do vestibular, eu
estava a sós com ela. Quando eu disse “Ana, a Nathi passou!”, os olhos dela encheram-se de lágrimas; não
precisava entender tudo para saber o quanto eu sonhei e quis aquele momento.
Sabia o quão eu precisava. Abraçamos-nos, chorando. Ela foi a primeira a saber
que eu era uma das inúmeras aprovações do concurso. Além disso, já me deu
conselhos sobre meninos - muito úteis, por acaso - e me ensina a ser feliz,
através das atitudes dela, que são incríveis.
Sem dúvidas, o
nascimento da minha irmã trouxe mudança e, ao mesmo tempo, muita alegria para a
casa e para a minha vida. Às vezes, penso que provavelmente eu demoraria mais
para amadurecer caso ela não tivesse aparecido a mim. Aceitei-a como a minha
nova boneca, o meu novo presente, que aprendi a cuidar, conversar, educar e, em
momentos de discussão, aturar, respeitar e escutar.
Hoje, precisamos lidar
com a distância e a saudade, pois não nos vemos mais todos os dias. Não tenho
mais por perto quando quero a minha bonequinha, porém sei que possuo a minha
melhor amiga aqui dentro do peito, independente dos quilômetros que nos
dividem.
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