quarta-feira, 14 de maio de 2014

Diagnosticado

Reescrita
Por Aluno 35



            Arnaldo Antunes certa vez escreveu em uma de suas músicas um emaranhado de doenças.
            Peste bubônica, câncer, pneumonia.
            Raiva, rubéola, tuberculose e anemia.
            Letra que sempre me instiga. Me puxa um pensamento atrás do outro, sobre todas doenças que um cidadão pode ter pra uma só vida que nos dão. Parece que cada vez ele brota com mais e mais diagnósticos.
            Rancor, cisticercose, caxumba, difteria.
            Encefalite, faringite, gripe e leucemia.
            Se me deram o direito de vida, nada mais certo que o direito de morte vir junto. Ninguém é privado de ter qualquer doença. Não é e nem foi diferente comigo.
            Hepatite, escarlatina, estupidez, paralisia.
            Toxoplasmose, sarampo, esquizofrenia.
            Ele entrou na cafeteria e puxou uma cadeira na minha frente. O garçom veio ver o que a gente queria. Eu pedi um suco e ele um café. Naquela época eu não suportava café.
            A gente nunca tinha ido naquele café. Nem nunca tínhamos saídos juntos. Talvez, tenhamos nos visto, duas ou três vezes, antes de estarmos ali.
            Ele ainda não sabia do caderno de bolso que andava comigo por todos os cantos. Então foi normal a cara de espanto – afinal não é todo mundo que anda por ai anotando cada pensamento que lhe convém - quando eu puxei pra anotar um pensamento que me veio naquela hora.
            Hepatite, escarlatina, estupidez, paralisia.
            Toxoplasmose, sarampo, esquizofrenia.
            - O que tem ai? – ele perguntou, enquanto eu respondia nada, nada. E ele já ia tomando o caderno das minhas mãos pedindo pra eu deixar ele ver. E ele viu.
            Os olhos dele iam passando as páginas enquanto seu rosto inventava todo tipo de expressão. Ele fazia uns barulhos enquanto ia lendo, que não identificava se eram de desprezo ou agrado.
            Úlcera, trombose, coqueluche, hipocondria.
            Sífilis, ciúmes, asma, cleptomania.
            Vez ou outra me olhava, com olhos de médico dando a noticia que o paciente estava condenado a alguma doença pro resto da vida. Ele continuava lendo e aquilo me agoniava. Me subia uma tensão no estômago e eu não sabia mais se estava me sentindo muito bem.
            O garçom trouxe o suco e o café. Ele parece que nem percebeu. Eu já ia virando todo o meu suco. Me babei. Limpei a boca, a blusa e ele continuava com os olhos fixos no caderno.
            Brucelose, febre, tifóide, arteriosclerose, miopia.
            Catapora, culpa, cárie, cãibra, lepra, afasia.
            Largou o caderno na mesa e deu um gole no café. Puxou o açúcar e serviu um pouco. Ia mexendo o café, fazendo daquele movimento algo eterno. Eu não mostrava meu caderno pra ninguém. Queria saber o que ele tinha pra dizer.
            - Nícolas – ele me olhou com olhos de juízo final, como se o que viesse a seguir seria minha condenação, e realmente era – tu nasceu pra poeta.
            E eu fiquei quieto. Diagnosticado com uma doença que o Arnaldo Antunes esqueceu de dizer.


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