1ª
Versão
Por Aluno 35
Arnaldo
Antunes pariu uma música que traz um monte de doença.
“Peste
bubônica, câncer, pneumonia.
Raiva,
rubéola, tuberculose e anemia.”
E eu
aqui, cidadão do mundo, não mais livre, nem menos livre de poder ser refém de
qualquer uma doença que ele cita na música.
“Rancor,
cisticercose, caxumba, difteria.
Encefalite,
faringite, gripe e leucemia.”
Sentado
em uma sorveteria junto de dois amigos bem mais barbados que eu. Puxo meu
caderno – um caderno pequeno, desses que cabe no bolso, onde tudo que convém
ser escrito se encontra.
O
que era pra ser anotado eu nem me lembro, só lembro daqueles quatros olhos me
olhando. Pareciam dois médicos prontos pra me diagnosticar com uma doença que
nem eu sabia que tinha.
Mas
tinha e me parece que ainda tenho.
“Hepatite,
escarlatina, estupidez, paralisia.
Toxoplasmose,
sarampo, esquizofrenia.”
E
não só tenho como me parece que sempre terei.
“Úlcera,
trombose, coqueluche, hipocondria.
Sífilis,
ciúmes, asma, cleptomania.”
É
doença demais pra pouco corpo. Tem gente que vem pra esse mundo premiado com
mais de uma até.
E
aqueles dois me pediram o caderno. Me tomaram da mão o que mais de precioso eu
tinha. O que não desgrudava de jeito nenhum.
Iam
folhando página por página.
“Reumatismo,
raquitismo, cistite, disritmia.
Hérnia,
pediculose,tétano, hipocrisia.”
Foram
lendo tudo que eu anotava ali. Do mesmo jeito que um médico pega um raio-x. Do
mesmo jeito que um médico pega o exame de sangue. E do mesmo jeito que um
médico te olha, eles me olhavam. Prontos pro veredicto.
“Brucelose,
febre, tifóide, arteriosclerose, miopia.
Catapora,
culpa, cárie, cãibra, lepra, afasia.”
Na
última troca de olhares antes daquelas palavras, um jogou o direito de voz pro
outro.
Foi
esse que me olhou. Respirou fundo, exatamente como os malditos médicos fazem.
Ele sabia da doença que eu tinha. Ele sabia de tudo que me perturbava. Ele teve
a visão que eu nunca tinha tido.
Soltou
as palavras que insistem em martelar minha cabeça todos os dias. Consigo ouvir
ainda o mesmo tom de voz daquele dia, quando fui declarado doente. Doente
desses bem doentes. Doentes com essas doenças sem cura.
-
Nícolas – ele disse – tu nasceu pra poeta.
E
fiquei quieto. Diagnosticado com uma doença que o Arnaldo esqueceu de falar.
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