Primeira Versão
Aluno 67
Quando pequena passava muito
tempo dentro de uma biblioteca, a ponto de, por vezes, ao deitar na cama para
dormir, poder ouvir o som da impressora dos comprovantes de empréstimo se
misturar ao silêncio da noite. O que explica é o fato de minha mãe ser
bibliotecária e, na época, eu precisar passar algumas horas do dia em seu trabalho.
Consequentemente, o ambiente em que vivia já torna visível a relação de
incentivo à leitura que tinha fora da escola, representada na fala de Rottava:
[...] A família também não deve deixar somente para a escola o papel de
despertar, incentivar e motivar a leitura. Grande parte dessa
responsabilidade é também dos pais, que devem proporcionar aos seus filhos o
acesso às publicações e incentivá-los à leitura.
(ROTTAVA, 2000, p.13)
Aquele ambiente realmente me
encantava e a partir do momento em que pude ler as primeiras palavras tratei de
começar a conhecer as obras que compunham o acervo infantil, iniciando por
devorar as quatro prateleiras de gibi, o primeiro contato mais profundo que
tive próximo à leitura, descrito por Britto:
No caso das histórias baseadas na imagem, a situação é semelhante à da
leitura do filme, quando se oferece uma narrativa; a pessoa, ao interagir com
um livro de imagem em que se narre uma história tem de estabelecer relações,
preencher vazios, acompanhar ações, perceber sentidos na forma dos traços.
Saber fazer isso é uma ação intelectiva específica que está para além do mero
ver e que, de certa forma, aproxima-se dos processos e produtos da leitura.
(BRITTO, 2012, p. 27)
Porém, na escola, o encanto teve
um declínio. Os exercícios que envolviam leitura eram baseados apenas na
decodificação, era necessário encontrar o sujeito, o predicado, entender a
frase não tinha tanta importância. Já ao iniciar o Ensino Médio, um “choque de
leitura” aconteceu, teria que lidar com os textos das disciplinas referentes ao
curso técnico em Agropecuária que integrava o currículo. O “choque” aconteceu
devido ao que Kleiman define como conhecimento
prévio e demonstra no excerto:
A compreensão de um texto é um processo que se caracteriza pela
utilização de conhecimento prévio: o
leitor utiliza na leitura o que ele já sabe, o conhecimento adquirido ao longo
de sua vida. É mediante a interação de diversos níveis de conhecimento, como o
conhecimento linguístico, o textual, o conhecimento de mundo, que o leitor
consegue construir o sentido do texto.
(KLEIMAN, 1995, p. 13)
Além da característica linguagem
técnica, os tipos textuais com os quais me deparava abordavam e relacionavam
assuntos que não faziam parte do meu conhecimento de mundo. Como exemplo,
leituras sobre as instruções de plantio de uma planta. Parece simples, mas o
manual só seria realmente compreendido se em meu conhecimento prévio houvesse o
entendimento de informações sobre o solo, o clima, a espécie da planta, o que
raramente acontecia.
No entanto, contrapondo o
desinteresse causado pela tecnicidade dos textos estava o ascendente encanto
provocado por algumas disciplinas: observar a América Latina a partir do olhar
de Eduardo Galeano durante as aulas de Espanhol ou divertir-se com o mundo
fantástico de Murilo Rubião nas aulas de Literatura foram elementos que
resgataram o brilho no olhar da criança que acompanhava a mãe no trabalho e
voltava com uma pilha de livros - processo repetido, no mínimo, semanalmente. A
leitura tornou a ser motivo de encanto porque resgatou o exercício da
imaginação, de relacionar o que lia com o mundo e, assim, criar minha visão
sobre ele, cumprindo o que Britto descreve sobre o estímulo da leitura:
Cabe perguntar, para que o óbvio não permaneça implícito, por que
estimular esse hábito (prática, costume). A resposta, ainda óbvia, é a de que a
leitura frequente permite situações positivas de ampliação da subjetividade e
da capacidade de agir com propriedade na sociedade. Seria, portanto, um hábito
humanizador.
(BRITTO,
2012, p. 29)
Referências
.
ROTTAVA, Lúcia. A Importância da
Leitura na Construção do Conhecimento. In: Espaços
da Escola. Editora Unijuí. Vol. 9, nº 35, p. 11 – 16, jan./mar. 2000.
BRITTO, Luiz Percival Leme. Leitura:
Acepções, Sentidos e Valor. In: Nuances:
estudos sobre Educação. Ano XVIII, v. 21, nº 22, p. 18 – 32, jan./abr. 2012.
KLEIMAN, Angela. O conhecimento prévio na leitura. In: Texto e leitor: aspectos cognitivos da leitura. 4ª ed. Campinas,
SP: Pontes, 1995.
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