quarta-feira, 13 de julho de 2016

Leitura na escola: (des)estímulo

Primeira Versão
Aluno 67


Quando pequena passava muito tempo dentro de uma biblioteca, a ponto de, por vezes, ao deitar na cama para dormir, poder ouvir o som da impressora dos comprovantes de empréstimo se misturar ao silêncio da noite. O que explica é o fato de minha mãe ser bibliotecária e, na época, eu precisar passar algumas horas do dia em seu trabalho. Consequentemente, o ambiente em que vivia já torna visível a relação de incentivo à leitura que tinha fora da escola, representada na fala de Rottava:

[...] A família também não deve deixar somente para a escola o papel de despertar, incentivar e motivar a leitura. Grande parte dessa responsabilidade é também dos pais, que devem proporcionar aos seus filhos o acesso às publicações e incentivá-los à leitura.
(ROTTAVA, 2000, p.13)

Aquele ambiente realmente me encantava e a partir do momento em que pude ler as primeiras palavras tratei de começar a conhecer as obras que compunham o acervo infantil, iniciando por devorar as quatro prateleiras de gibi, o primeiro contato mais profundo que tive próximo à leitura, descrito por Britto:

No caso das histórias baseadas na imagem, a situação é semelhante à da leitura do filme, quando se oferece uma narrativa; a pessoa, ao interagir com um livro de imagem em que se narre uma história tem de estabelecer relações, preencher vazios, acompanhar ações, perceber sentidos na forma dos traços. Saber fazer isso é uma ação intelectiva específica que está para além do mero ver e que, de certa forma, aproxima-se dos processos e produtos da leitura. 
(BRITTO, 2012, p. 27)

Porém, na escola, o encanto teve um declínio. Os exercícios que envolviam leitura eram baseados apenas na decodificação, era necessário encontrar o sujeito, o predicado, entender a frase não tinha tanta importância. Já ao iniciar o Ensino Médio, um “choque de leitura” aconteceu, teria que lidar com os textos das disciplinas referentes ao curso técnico em Agropecuária que integrava o currículo. O “choque” aconteceu devido ao que Kleiman define como conhecimento prévio e demonstra no excerto:

A compreensão de um texto é um processo que se caracteriza pela utilização de conhecimento prévio: o leitor utiliza na leitura o que ele já sabe, o conhecimento adquirido ao longo de sua vida. É mediante a interação de diversos níveis de conhecimento, como o conhecimento linguístico, o textual, o conhecimento de mundo, que o leitor consegue construir o sentido do texto.
(KLEIMAN, 1995, p. 13)
 
Além da característica linguagem técnica, os tipos textuais com os quais me deparava abordavam e relacionavam assuntos que não faziam parte do meu conhecimento de mundo. Como exemplo, leituras sobre as instruções de plantio de uma planta. Parece simples, mas o manual só seria realmente compreendido se em meu conhecimento prévio houvesse o entendimento de informações sobre o solo, o clima, a espécie da planta, o que raramente acontecia.
No entanto, contrapondo o desinteresse causado pela tecnicidade dos textos estava o ascendente encanto provocado por algumas disciplinas: observar a América Latina a partir do olhar de Eduardo Galeano durante as aulas de Espanhol ou divertir-se com o mundo fantástico de Murilo Rubião nas aulas de Literatura foram elementos que resgataram o brilho no olhar da criança que acompanhava a mãe no trabalho e voltava com uma pilha de livros - processo repetido, no mínimo, semanalmente. A leitura tornou a ser motivo de encanto porque resgatou o exercício da imaginação, de relacionar o que lia com o mundo e, assim, criar minha visão sobre ele, cumprindo o que Britto descreve sobre o estímulo da leitura:

Cabe perguntar, para que o óbvio não permaneça implícito, por que estimular esse hábito (prática, costume). A resposta, ainda óbvia, é a de que a leitura frequente permite situações positivas de ampliação da subjetividade e da capacidade de agir com propriedade na sociedade. Seria, portanto, um hábito humanizador.
 (BRITTO, 2012, p. 29)





Referências
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ROTTAVA, Lúcia. A Importância da Leitura na Construção do Conhecimento. In: Espaços da Escola. Editora Unijuí. Vol. 9, nº 35, p. 11 – 16,  jan./mar. 2000.

BRITTO, Luiz Percival Leme. Leitura: Acepções, Sentidos e Valor. In: Nuances: estudos sobre Educação. Ano XVIII, v. 21, nº 22, p. 18 – 32, jan./abr. 2012.

KLEIMAN, Angela. O conhecimento prévio na leitura. In: Texto e leitor: aspectos cognitivos da leitura. 4ª ed. Campinas, SP: Pontes, 1995.





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