quarta-feira, 13 de julho de 2016

Revivendo as leituras do passado

Aluno 84
Reescrita


O memorial é um gênero textual que registra trajetórias de vida. Vasculhando as gavetas da memória, recordei algumas experiências de leitura ocorridas durante a infância, que contribuíram para minha formação como leitor hoje. A primeira lembrança está ancorada em jornais e revistas que meu pai trazia do trabalho. Motorista de uma instituição de ensino, ele tinha acesso a publicações diversas, como periódicos diários e semanais. No final do dia, ou quando os impressos estavam prestes a ser descartados no lixo, ele os levava para casa. Não me lembro de ler histórias infantis, mas páginas desses textos jornalísticos, e nem me importava com o atraso das informações. Meu pai, talvez até de uma maneira inconsciente, estava contribuindo para eu desenvolver a leitura como uma habilidade presente na construção do conhecimento. Sobre a responsabilidade dos familiares em estimular a prática da leitura, Rottava (2000) afirma que:

[...] a família precisa ter presente a ideia de que a leitura perpassa todas as ações e tarefas realizadas dentro de casa, tais como ler o rótulo de um alimento, ler um manual de instrução, uma revista ou jornal, dentre outras, bem como incentivar à prática constante da escrita. (p. 13)

Histórias verídicas contadas através das notícias e entrevistas mesclavam informação e entretenimento em textos relativamente curtos e ilustrados. Essa forma de exercitar a leitura me atraía, pois permitia saber mais sobre o mundo real na minha própria casa. Entretanto, o que mais me chamava a atenção era o “Segundo Caderno”, a parte cultural do jornal. Lia as tirinhas e horóscopo, que estavam diagramados na mesma página. Na seção também havia o resumo das novelas e a programação das emissoras de televisão, que eu lia com uma curiosidade memorável, em virtude dos meus níveis de conhecimento dificultarem a compreensão dos textos mais complexos do jornal.  Eu viajava pelas editorias sem saber direito o que cada uma significava, tendo em vista meu pouco “conhecimento prévio”, conforme descrito por Kleiman (1995):

A compreensão de um texto é um processo que se caracteriza pela utilização de conhecimento prévio: o leitor utiliza na leitura o que ele já sabe, o conhecimento adquirido ao longo de sua vida. É mediante a interação de diversos níveis de conhecimento, como o conhecimento linguístico, o textual, o conhecimento de mundo, que o leitor consegue construir o sentido do texto. (p. 13)
A escola foi a responsável por me alfabetizar, orientar para o domínio da tecnologia da escrita. Porém, foi em casa que eu exercitei as práticas sociais de leitura e de escrita, incorporando de maneira funcional as capacidades que o fato de aprender a ler e escrever me propiciaram. No contexto familiar em que eu estava inserido, desenvolvi o hábito, as habilidades e até mesmo o prazer de leitura e de escrita do gênero informativo. Eu estava treinado para decodificar o material escrito, mas o hábito de ler jornais e revistas foi o grande responsável por desenvolver minha habilidade de letramento, considerando a conceituação proposta por Rottava (2000) para diferenciar um ser alfabetizado de um ser letrado:

Alfabetização significa apenas a ação de ensinar/apreender a ler e a escrever, enquanto letramento diz respeito à condição de quem não apenas sabe ler e escrever, mas cultiva (dedica-se a atividades de leitura e escrita) e exerce (responde às demandas sociais também dessas mesmas habilidades) as práticas sociais que usam a escrita. (p. 12)

O papel da escola foi memorável para eu aprimorar minha capacidade de ser letrado que havia desenvolvido em casa e, por consequência, desenvolver a habilidade de escrever, considerando o caráter indissociável da leitura e da escrita para produzir conhecimentos (ROTTAVA, 2000). Além disso, a mesma autora afirma que “tanto a leitura quanto a escrita podem ser consideradas atividades de construção dos sentidos de um discurso” (1998, p. 67). A escola pública onde eu estudava organizava todos os anos a Feira de Ciências. Sem ideias para experiências científicas, eu escrevi uma peça de teatro de fantoches. O tema era erosão e preservação ambiental. Nas palavras do texto original, os diálogos explicavam, através de uma linguagem objetiva, que não deveríamos jogar lixo nas ruas. A estratégia foi usar a habilidade da escrita informativa (legada da leitura das publicações jornalísticas), para tratar de um assunto estudado nas aulas de Ciências e, dessa forma, habilitar a peça para ser inserida no evento científico. O trabalho da 4ª série rendeu ao grupo de atores e ao dramaturgo que vos fala a medalha de 1º lugar na competição de “experiências”.
Recapitulando memórias dos anos de escola, não desenvolvi o hábito de ler livros de ficção. As lembranças se restringem a livros infanto-juvenis da série Vaga-lume, como a Serra dos Dois Meninos e A Ilha Perdida. No ensino médio, essa característica se repetiu. As leituras obrigatórias da disciplina de Literatura, quando lidas, eram mais por dever do que prazer. Eu gostava mais de elaborar slides ilustrados e apresentar os trabalhos em sala de aula, aliando recursos audiovisuais a uma escrita objetiva, para tornar o conhecimento didático – herança que atribuo ao hábito de ler jornais e revistas desde a infância. A leitura e a escrita – sobretudo pela influência jornalística – foram atividades fundamentais para minha formação cultural como ser letrado, alcançando, assim, um de seus propósitos essenciais: a construção de aprendizagem. Por fim, a leitura no contexto acadêmico é facilitada pelo nível de conhecimento prévio construído com o hábito de ler publicações jornalísticas, tendo em vista o caráter objetivo presente tanto no gênero informativo quanto no científico.



Referências bibliográficas

KLEIMAN, Angela. Texto e Leitor: Aspectos Cognitivos da Leitura. 4. ed. Campinas: Pontes, 1995, p. 13.

ROTTAVA, Lucia. A importância da leitura na construção do conhecimento. Revista Espaços da Escola, Unijuí, Ijuí/RS, ano 9, n. 35, p. 11-16, jan.-mar. 2000.

________. A leitura e a escrita na pesquisa e no ensino. Revista Espaços da Escola, Unijuí, Ijuí/RS, ano 4, n. 27, p. 61-68, jan.-mar. 1998.



Nenhum comentário:

Postar um comentário