quarta-feira, 13 de julho de 2016

Meu diário de bordo

Aluno 95
Reescrita



Quando era mais jovem, estava em dúvida em qual carreira seguir. Como gosto de línguas estrangeiras, um amigo sugeriu a diplomacia. Ao ouvir sobre o assunto pela primeira vez, achei interessante, mas não sabia nada sobre a atividade; precisava pesquisar mais sobre ela. Foi assim que descobri um livro chamado “Diário de bordo: um voo com destino à carreira diplomática”.  Trata-se de um ensaio autobiográfico no qual a autora descreve sua jornada até tornar-se diplomata, depois de sete anos como aeromoça. Diário de bordo é o nome do documento em que os principais acontecimentos da viagem são anotados pelo comandante do transporte utilizado no trecho percorrido. A autora, Claudia Assaf, utiliza esse documento como metáfora para descrever sua vida.
A primeira vez que li, tinha dezesseis anos de idade. O livro era demasiado complexo. Muito do conteúdo não fazia sentido; era cansativo e confuso. Faltava-me conhecimento linguístico para conceituar as palavras, muitas delas, desconhecidas.
De acordo com Ângela Kleiman, conhecimento prévio linguístico “abrange desde o conhecimento sobre como pronunciar português, passando pelo conhecimento de vocabulário”1. Como muitas palavras do livro eram novas durante a primeira leitura, esse foi um dos fatores que atrapalhou a construção de sentido do texto.
A autora também relaciona outra tipo de conhecimento prévio: o conhecimento de mundo ou conhecimento enciclopédico. Para o livro que li, o mais importante seria o conhecimento de mundo informal que, conforme as palavras de Kleiman, trata-se do conhecimento adquirido “através de nossas experiências e convívio numa sociedade, conhecimento este cuja ativação no momento oportuno é também essencial para a compreensão de um texto”2.
Sobre este último tipo de conhecimento prévio, eu era um zero à esquerda, pois possuía muito pouca experiência social. Como cresci em um sítio e não tinha muitos amigos, meu convívio com outras pessoas foi limitado até os dezesseis anos, quando entrei para a faculdade. Essa foi também a época que li o livro pela primeira vez. Há uma passagem no livro que a autora descreve sobre como as pessoas de Daca faziam suas necessidades fisiológicas ao ar livre, no meio do campo (página 43). Nesse trecho até ri imaginando as cabeças de várias pessoas espalhadas ao longo dos campos, enquanto olhava-as de dentro do trem. Uma plantação de homens e mulheres.
Na segunda leitura, doze anos mais tarde, minha compreensão foi muito melhor. Sobre o conhecimento linguístico, já havia acrescentado muitas palavras ao meu léxico, de modo que a biografia pareceu-me mais coesa e clara. Além disso, algo que me vislumbrou ao completar a segunda leitura foi como a mudança no meu conhecimento de mundo influenciou em minha compreensão ao concluir a obra. Já tinha maior conhecimento adquirido ao longo da vida: ensino superior, especialização, tempo de convivência social (amigos, família, colegas de trabalho, entre outros) e muitos outros livros na bagagem. Em outras palavras, possuía mais conhecimento prévio enciclopédico.
Quando eu era mais novo, não era capaz de entender a dimensão dos problemas sociais, assunto principal do livro. A autora viajou o mundo todo, enquanto trabalhava como aeromoça em uma companhia árabe, descobrindo assim as desigualdades sociais a nível mundial. Aos dezesseis anos de idade, eu passava batido por esses assuntos, pois achava-os monótonos, entediantes. Envergonho-me de dizer, mazelas sociais como prostituição, por exemplo, na minha cabecinha infantiloide, era um emprego que algumas mulheres escolhiam por diversão. No trecho onde a autora comenta a grande quantidade de prostitutas em Amsterdam, achei cômico na primeira vez. Na segunda, foi como se pudesse sentir a tristeza da autora ao ver que muitas mulheres precisavam submeter-se àquele tipo de tratamento. Senti-me um idiota de ter pensado de modo diferente em algum momento da vida. Sobre o trecho de Daca, a autora reflete sobre a necessidade da conscientização para o dia mundial do banheiro, o qual eu achava ridículo. Pensava que era mais importante preocupar-se com terrorismo e acabar com guerras a dar banheiros para quem não tem. Hoje vejo que isso é uma questão de dignidade humana.
Desse modo, a segunda e leitura – e a compreensão que construí a partir dela – mexeu muito mais comigo. Agora sou, principalmente, mais atento e crítico às causas sociais.


BIBLIOGRAFIA

KLEIMAN, Ângela. Texto e Leitor: Aspectos Cognitivos da Leitura. São Paulo, Editora Pontes, 1995.

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