Reescrita
Aluno 47
Era uma tarde-noite ensolarada de um domingo. 19 de janeiro de 2003, mais precisamente. Ela estava deitada em sua cama e eu percebia que seu ventre enrijecia. “Estão de quinze em quinze”, “estão de dez em dez”, “já estão de cinco em cinco minutos”, um telefonema ao médico e o veredicto: vai nascer. “Bolsa? Carteira? Telefone? Dinheiro? Peguei tudo? Bianca, vai pra casa da frente, a casa tua dinda!” e o carro saiu da longa garagem, tal qual longa seria a espera.
Lá estava eu, na casa da dinda, com os olhos cheios de lágrimas e com um aperto no coração. Na cozinha, o enorme relógio cuco parecia não contar as horas; no quarto, meus DVDs preferidos da Xuxa perdiam o encanto, pois não prendiam minha atenção; na sala, o Super Nintendo insistia em não ler os jogos que eu mais gostava. Eles saíram faz 30 minutos, eu preciso me acalmar. Ajoelhei-me em frente às velas acesas na mesinha de orações que ficava na sala e “Ave Maria cheia de...” não, não, não consigo me concentrar, meu estômago dói, meu coração vai sair pela boca.
A noite começava a cair. A casa da dinda já estava toda sob a luz de velas, ao som de orações à vida prestes a nascer e sobre a mesinha havia uma bíblia aberta na figura do menino Jesus. A escuridão me provocava ainda mais medo. Milhares de perguntas dominavam a minha mente: ele vai nascer bem? Minha mãe vai ficar bem? Perguntas sem respostas. Meu corpo parecia não digerir minha sopa preferida, o barulho dos carros na rua mais movimentada de Alvorada me impedia de ficar tranqüila e os maçantes 40 graus, ainda mais irritada. E se tiver alguma complicação no parto como daquele bebê no jornal que morreu tentando nascer? E se irmão não resistir ao parto? E se minha mãe sofrer algum acidente cirúrgico? E se ele nascer com alguma doença grave?
O telefone toca, corro para atender, meu coração dispara, ela foi pra sala de parto. Certo, então quer dizer que o próximo telefonema será pra dizer que ele nasceu? Acho que vou ter um infarto! Preciso de um remédio para dor.
Vai demorar muito? Não, agora falta pouco, mas já era de se esperar que as badaladas do relógio levassem ainda mais tempo. Na sala, a televisão, que ligada no Programa do Faustão só aumentava minha vontade de avançar no tempo e fazer tudo aquilo acabar logo, foi desligada. O nervosismo consumiu por completo minhas forças e não me deixou alternativa: atirei-me no sofá e permaneci ali até o próximo telefonema. Foram longos 40 minutos, talvez 1 hora, de planos para os próximos felizes anos em que eu veria meu irmão pronunciar suas primeiras palavras – seria “mamã, papá ou mana”? -, dar seus primeiros passos, começar a interagir sem nosso auxílio com o mundo e outros diversos momentos que presenciamos quando fazemos parte do desenvolvimento de um novo ser humano.
O telefone toca novamente, usei toda força que restava para esticar meu braço até o aparelho e atender a chamada. A partir desse momento, não soube mais o que sentir: meus olhos vertiam lágrimas, meu coração não cabia dentro do peito, minhas mãos tremiam e não conseguiam mais segurar o telefone, nunca havia sentido emoção maior. A angústia finalmente teria fim, eu já sabia a sentença antes da emocionada voz pronunciar no telefone: “teu irmão nasceu”. Aprendi, então, que apesar de angustiante o nascimento de uma vida é muito especial, mas torna-se mais ainda quando sabemos que faremos parte daquela história antes mesmo daquele pequeno ser humano ter consciência de si.
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