Aluno 49
1 Versão
Durante oito anos morei numa casa cor vermelho-desbotado em Viamão, número quarenta e seis. Eu lembro o número porque se fosse ao contrário seria sessenta e quatro, que era onde morava a Luiza, minha amiguinha da rua de baixo, que me apresentou o meu inseparável companheiro, quando eu tinha seis anos. Já era dois mil e cinco, um inverno antes da morte da Alice, quando aconteceu.
Desgrudar goma de mascar de cabelo de criança é uma tarefa provavelmente fadada ao fracasso, o que, inclusive, fez com que certa vez – aos onze anos – eu ficasse com um maço de fios de dois centímetros pulando verticalmente para fora de minha cabeça durante alguns meses. Tentar me separar do Pedro era como desejar descolar chiclete do cabelo de criança.
Era uma das vezes em que eu ficava deitada no chão da esquina da Rua dos Beija-flores, por volta das sete da noite, hora em que eu chegava da escola. O Pedro chegou numa bicicleta roxa, possivelmente para meninos do dobro da altura dele, jogou ela no chão com a elegância de um elefante andando de salto alto, e sentou ao meu lado, em cima do muro cinza que marcava o nosso encontro há cinco anos.
- Gosto do seu uniforme.
- Obrigada. Também gosto do seu.
- Você quer me dar um beijo na boca? Sem língua mesmo, mas eu escovo os dentes. Responde até as oito.
Saí correndo como se rodas tivessem substituído meus pés, o que fez com que eu arfasse como um paciente terminal com complicações respiratórias e, quase me tornasse um, caindo no chão cheio de lama ao tropeçar no meu cadarço, usualmente desamarrado. Nada disso importava, já que eu me sentia como você se sente quando você tem sete anos e é Páscoa.
Entrei no meu quarto e deitei no chão gelado e branco até que a marca do rejunte do piso ficasse carimbada em meu rosto. Exercitei, enquanto me olhava no espelho, de modo suficiente para que meu reflexo se cansasse de meu semblante. Dei passos estreitos e largos, plantei bananeira e roí minhas unhas do pé. Abri a porta e fechei tantas vezes que quase estraguei a fechadura. Enchi o peito de ar e, sentindo a adrenalina que as pessoas devem sentir em situações de risco, fiz o que havia planejado durante os últimos quarenta minutos.
- Mãe, posso beijar o Pedro?
Expliquei para ele que minha mãe não havia deixado, mas, que se ele quisesse, ainda podia segurar minha mão.
Nenhum comentário:
Postar um comentário