quinta-feira, 4 de junho de 2015

Reencontro

Reescrita
Aluno 60


Ele era meu melhor amigo. Nos conhecemos quando éramos crianças e, como ambos não tínhamos irmãos, nos aproximamos por sermos vizinhos de rua. Vivíamos grudados, sempre envolvidos em grandes aventuras como queimar formigas com lupas, escorregar na lona cheia de sabão estendida na garagem e encontrar as passagens secretas da casa dele. Um dia, porém, a família dele se mudou e ele foi junto. Assim, acabamos perdendo contato.
Mas, quando fiz quinze anos, ele veio para o meu aniversário. Céus, ele veio. Eu o convidei, certamente, mas não estava acreditando muito que seria possível. E, mesmo sendo possível, não achei que ele viria de fato. A possibilidade de revê-lo me dava um friozinho na barriga, o medo de faltarem assuntos me assombrava. Antes ele era meu irmão, mas e agora?
Ele chegou numa quinta-feira à noite e me deu uma bronca por ter ido até a rodoviária sozinha; ele se preocupava de uma forma bem diferente do garoto que pulava em cima de mim quando eu estava na piscina. Na hora da despedida, ele me abraçou e sorriu. E quando ele sorriu... Nossa. Ele tinha aquele tipo de sorriso espontâneo que se espalha pelo rosto e te faz sorrir junto sem nem perceber. Suspirei.
No dia seguinte decidimos caminhar em Coqueiros, bairro onde crescemos. Tentamos contar tudo o que acontecera naqueles quase sete anos que se passaram e, depois de mais ou menos uma hora, sentamos em um banco com o mar à nossa frente e o céu sem nuvens sobre nós. Não me lembro do que falávamos naquele momento, nem sei o quanto de atenção eu prestava naquilo. Ele era tão fofo...
O moleque que vivia me atazanando ainda estava em seus olhos e gestos, assim como na enxurrada de recordações que de repente surgiam na minha cabeça. A mistura do íntimo e do desconhecido formava uma situação que me deixava ávida por querer saber mais dele, já que tê-lo como homem na minha frente parecia algo totalmente errado para as minhas lembranças.
O que eu mais gosto nele é o jeito como ele te conta as suas vivências e te faz acompanhá-lo na história. A forma como ele mexe as mãos tentando expressar por elas o que ele diz, junto com o olhar atento dirigido a você, torna todas as situações muito envolventes. Ele ia me contando da vida dele e de sua família e eu ia sorrindo e ficando séria conforme o que ele ia dizendo.
Ele falou, gesticulou, riu, franziu a testa... E parou. Ele tinha o braço por cima do encosto do banco onde estávamos sentados, uma perna apoiada na outra. A pele morena me fazia parecer muito branca ao seu lado, ainda mais no sol. Conservamos um silêncio agradável por alguns longos minutos, que podia nunca ser interrompido. Era bom estar ao seu lado, era aconchegante e familiar. E claro, ele estava lindo.
De repente, os olhos castanhos que miravam o mar se voltaram para mim. Senti que o silêncio terminaria, que ele me convidaria para continuar a caminhada. Mas a boca que se abrira fechou-se, e os olhos voltaram-se ao mar novamente. Fiz o mesmo.
Ele tornou a olhar para mim. Ia falar, mas calou-se. O modo como me encarara fez meu coração começar a palpitar. Eu devo ter ficado vermelha. “Por favor, fale.” Ele percorria o meu rosto com os seus olhos, e os meus iam dos seus olhos para a sua boca. “Sério, vamos lá...” Ele não falava, mas mirava-me com intensidade. Ele estava pensando algo que me interessava, e ele tinha que falar. Aquilo nunca acontecera, e eu subitamente queria muito que acontecesse. Não podia escapar.
Eu ia me convencendo de que aquele momento era único e eu nunca mais teria uma chance como aquela. Ele não me via daquele jeito, nunca viu, mas estava ali me encarando. Em silêncio, indeciso, com aqueles olhos enormes. Ele precisava falar.
“O que foi?” perguntei, tentando dar uma entonação divertida à minha voz. Nossa, eu ia ter um treco. Eu estava tendo um mini ataque e não sentia como se pudesse levantar daquele banco mesmo se quisesse. A boca dele continuava indecisa entre abrir e fechar e um risquinho se formava em sua testa. Aquela indecisão estava me matando. “Ai meu Deus, fale, sério, por favor, fale”. Ele se limitou a negar com a cabeça, sinalizando que não era nada. Ainda fechou levemente os olhos me dizendo para deixar para lá. Cara de pau. Que raiva.
“Sério, fale, que foi?”. Tentei parecer descontraída falando isso. Cara, eu estava morrendo. Ele não podia não falar. Ele nunca mais sinalizaria nada como aquilo. Ele não me via como mulher. Ele não veria mais. Ele não podia não falar, e eu não podia deixar passar.
“Nada, vamos”.
Ele se levantou.
Ele não falou.
Droga.

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