Reescrita
Aluno 64
Estou em aula e preciso tossir. O que não deveria ser um problema, é claro. Acontece que eu me considero uma pessoa educada, e me parece tão rude fazer barulho durante a explicação da professora, ou forçar meus colegas a ouvir alguém praticamente cuspir os pulmões no meio da aula de Produção Textual. Nunca entendi como as pessoas conseguem ser tão barulhentas em lugares públicos. Vai ver eu sou chata, e por isso me incomodo com os sons desagradáveis produzidos por gargantas e narizes alheios. De qualquer forma, tento me manter quieta. Não quero que os outros passem por isso.
Mas a situação está difícil. Algo coça no fundo da minha garganta e busco uma oportunidade para levantar da cadeira e rumar até o banheiro mais próximo. Sim, um plano perfeito. Só preciso que a professora vire de costas, pause a explicação. Por que ninguém quer perguntar justo agora? Colegas, ajudem. Ninguém faz perguntas, e ninguém diz nada. A professora resolve que é uma ótima ideia ficar bem na minha frente, e lá se vai a minha oportunidade.
Ela pergunta, mas não posso responder. Balanço a cabeça negativamente: não, não tenho nada a acrescentar. Se abrir a boca vai ser para tossir. Logo não sou mais o alvo e meus colegas estão contribuindo, enquanto eu me esforço para prestar atenção no que dizem. Suas vozes parecem distantes. A mais próxima (provavelmente a minha própria) parece dizer: socorro. A sensação de desconforto continua; sinto os olhos se enchendo d’água e parece que não vou mais aguentar. Apesar de diferente, o sentimento é familiar - parecido com aquele que a gente sente quando alguém fala algo engraçado e rir não é uma possibilidade. Respiro fundo, tento me concentrar em outra coisa. Pego a lapiseira e começo a rabiscar, mas nenhuma inspiração aparece, porque eu preciso tossir e não posso. E por que não? Posso sim acabar com esse tormento. Tento uma, duas vezes, de nada adianta. Espero pelo momento em que o burburinho da sala de aula seja suficiente para abafar o som; ele não aparece. Ótimo, é agora: a professora saiu da sala. Os segundos são poucos e preciosos. Abro a boca, e fecho-a imediatamente quando percebo que já é tarde demais. A vontade se amontoa e não há maneira de tossir sem deixar escapar um ruído que pouco se assemelhará a qualquer outro produzido por um ser humano. Talvez se pigarrear ao invés de tossir? Não, péssima ideia, agora me sinto pior, o som ainda me irrita e não há forma de diminuir o volume. De repente me ocorre que estou tentando fazer barulho da forma mais silenciosa possível. E agora preciso rir.
Lanço uma olhadela discreta em direção à tela do celular e fico ligeiramente satisfeita ao perceber que o horário de saída se aproxima. Parte de mim está se sentindo culpada; meu desejo de ir embora faz com que a aula pareça um tormento, quando na verdade só preciso tossir, e não quero incomodar. Escrevo rapidamente no caderno, acabo de encontrar o assunto do meu texto. Nota mental: assim como o crime, sufocar a ânsia de tossir não compensa. A professora anuncia que chegamos ao fim; as pessoas se despedem; estou feliz. Mais alguns metros e estarei livre - coloco a mochila nas costas e acelero em direção ao corredor. A vontade passa.
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