1 Versão
Aluno 56
Chovera o verão todo, menos naquela terça-feira, quando o sol, brilhando, decidiu me acompanhar em um passeio pelo interior de Arroio do Meio. Tratava-se, com efeito, de uma aventura. Partiria de casa, a pé, cruzaria a RS 130, com sorte pouco movimentada, andaria pelo interior, chegaria a Rui Barbosa e voltaria, de lá, ao ponto de partida. Barbada. Acordei cedo, reforcei o café da manhã e parti em minha jornada.
Deixei o centro da cidade pelo chamado “caminho do vinte”, uma curta estrada que vai dar na rodovia estadual. Cruzei a RS, como eu esperava, sem maiores dificuldades. Eis que, diante de mim, assoma, como a pele esticada de uma cobra, longa faixa de estrada de chão. A seus lados, vacas, campos, capim, um mundo inteiro que esperava que eu o descobrisse. Andei, apreciando tudo o que me cercava. Dobrei à esquerda em algum ponto daquele caminho, ou mais pra frente. Outra pele de cobra.
Seguia porque queria ver sempre mais, queria encher meus olhos de mato, sol e poeira. Mato, sol, poeira e, de repente, mais uma longa estrada. Começava a sentir calor, a absorver a secura daquelas vias que eu, guri do Centro, agora desbravava. Bastava virar em uma estradinha aparentemente secundária, e havia um mundo delas, e pronto, ali estavam mais uns bons metros de poeira pra secar comigo.
Éramos, ali, nesse fim de mundo, mato, sol, poeira, eu e uma infinidade de estradas. E pensar que alguém as abriu em um dia como aquele, torrando como eu, perturbando a sombra preguiçosa dos arvoredos pra plantar um mundo de terra batida que, pra mim, não levava a lugar nenhum. Porque, em meio a tantas curvas e caminhos, eu não parecia ser capaz de encontrar o certo. Sorte que no interior é tudo muito perto. Pena que debaixo do sol é tudo muito longe.
Logo, o desespero. Voltar, não dava, pois não sabia quantas direitas ou esquerdas tinha virado. Além disso, a física, essa desgraçada, dizia que, se eu tinha andado tudo isso me afastando de casa, teria que caminhar o mesmo tanto pra retornar. Diacho. Meus pés estavam cansados da irregularidade das pequenas estradas. Tudo continuava muito bonito, as árvores continuavam verdes e vivas, o sol continuava a sorrir, os pássaros seguiam cantando. Mas, perdido, eu não tinha tempo de dar conta daquilo que de início me causava fascínio. Deixem alguém preso no museu do Louvre e duvido que ele prestará atenção às obras de arte.
Era inevitável, teria que passar meses naquele labirinto. Sorte que eu tinha uma vasta experiência assistindo a programas de sobrevivência na televisão. Certamente seria o suficiente. Bastava eu utilizar minha pederneira para fazer uma fogueira, montar armadilhas para conseguir meu café da manhã e fazer refeições pequenas para economizar a água do meu corpo. O problema era que eu não tinha pederneira, não sabia fazer armadilhas e aparentemente não tinha mais água alguma em mim que valesse economizar. Estava condenado. Dobrei mais uma direita, dando a minha esperança uma última chance.
Diante de mim, novamente uma linha reta de chão batido. Subi um morrinho, carrasco de minhas últimas energias. Do topo, olho adiante e vejo como que uma miragem. No horizonte, o marrom trigueiro das estradas sem calçamento dava lugar ao cinza urbano dos paralelepípedos. Era a entrada de Forqueta Baixa. Mais adiante, chegaria ao bairro Rui Barbosa, e dali, como disse, bastava mais uma pernada e estaria em casa. Arrastei-me pelo resto da aventura como uma carroça velha e apodrecida, daquelas que, na toada de Tonico e Tinoco, “abria picada, abrindo novas estradas, formando vila e povoado”. Finalmente cheguei ao meu lar, meu urbano lar, meu climatizado lar.
Sorte que no interior é tudo muito perto, até os dez quilômetros de mato, sol e poeira que passei perdido naquele dia.
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