segunda-feira, 15 de junho de 2015

Sem Titulo

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Aluno 47


Era uma tarde-noite ensolarada de um domingo. 19 de janeiro de 2003, mais precisamente. Ela estava deitada e eu percebia que seu ventre enrijecia. “Estão de quinze em quinze”, “estão de dez em dez”, “já estão de cinco em cinco minutos”, um telefonema ao médico e o veredicto: vai nascer. “Bolsa? Carteira? Telefone? Dinheiro? Peguei tudo? Bianca, vai pra casa da tua dinda!” e o carro saiu da longa garagem, tal qual longa seria a espera.
 Na cozinha, o enorme relógio cuco parecia não contar as horas; no quarto, os animados DVDs da Xuxa perdiam a graça; na sala, o Super Nintendo insistia em não ler os jogos que eu mais gostava. Eles saíram faz 30 minutos, preciso me acalmar: Ave Maria cheia de... não, não, não consigo me concentrar, meu estômago dói, meu coração vai sair pela boca.
 A noite começava a cair. A casa estava sob a luz de velas, ao som de orações à vida prestes a nascer e sobre a mesa havia uma bíblia aberta na figura do menino Jesus. A escuridão me provocava ainda mais medo. Milhares de perguntas dominavam a minha mente: ele vai nascer bem? Minha mãe vai ficar bem? Perguntas sem respostas. Minha sopa preferida parecia não ter gosto, barulho dos carros na rua me deixava agitada e os 40 graus, ainda mais irritada. E se tiver alguma complicação como daquele bebê no jornal? E se meu irmão morrer no parto? E se minha mãe não resistir? E se ele nascer com problemas?
 O telefone toca, meu coração dispara, ela foi pra sala de parto. Certo, então quer dizer que o próximo telefonema será pra dizer que ele nasceu? Acho que vou ter um infarto! Preciso de um remédio para dor.
 Vai demorar muito? Não, agora falta pouco, mas já era de se esperar que as badaladas do relógio levassem ainda mais tempo. Na sala, a televisão ligada no Programa do Faustão aumentava minha vontade de avançar no tempo; a casa estava na penumbra total; o nervosismo consumiu minhas forças e não me deixou alternativa: atirei-me no sofá e permaneci ali até o próximo telefonema. Foram longos 40 minutos, talvez 1 hora, de planos para os próximos felizes anos em que eu veria meu irmão pronunciar suas primeiras palavras, dar seus primeiros passos, começar a interagir com o mundo e outros diversos momentos que presenciamos quando fazemos parte do desenvolvimento de um novo ser humano.
 O telefone toca novamente, usei toda força que restava para esticar meu braço até o aparelho e atender a chamada. A partir desse momento, não soube mais o que sentir: meus olhos vertiam lágrimas, meu coração não cabia dentro do peito, minhas mãos tremiam e não conseguiam mais segurar o telefone, nunca havia sentido emoção maior. A angústia finalmente teria fim, eu já sabia a sentença antes da emocionada voz pronunciar no telefone: “teu irmão nasceu”.

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