1 Versão
Aluno 64
Costumo dizer que não escolhi a vida de professora; foi ela que me escolheu. Filha de uma professora frustrada, e sobrinha de outra, que descobriu-se educadora findo o entusiasmo da juventude, cresci em meio a cadernos de chamada, provas e programas de disciplina. Aluna dedicada, poetisa precoce e devoradora de livros, se os familiares estiverem corretos. Em muitas ocasiões ouvi que meu suposto talento com palavras e meu desejo de compartilhar o que aprendi só podiam significar uma coisa: o magistério foi feito para mim. E aqui estou eu, aluna do curso de Letras, apaixonada por línguas estrangeiras e personagens fictícios. Chamo-me Virgínia, e não quero lecionar.
Imagino que muitos sobrolhos estejam franzidos neste momento. Em verdade, estou tão surpresa quanto meus pais, amigos e conhecidos, tão convictos de minha vocação e esperançosos pelo meu sucesso. Até pouco tempo atrás, estava eu certa de que não havia outro rumo a seguir; as palavras, porém, fluíram de forma descontraída e o sentimento tomou forma, acotovelou-se em meio aos outros e agora grita: não quero Letras! "E por que isso?" pergunto eu, entretanto as respostas são ainda muito jovens para me dar segurança.
Talvez o meu relacionamento com a literatura atingiu um obstáculo que não consegue transpor? E se o amor era paixão que foi embora e não pretende voltar? Rumino enquanto viro página após página, e a ideia me parece ridícula. A explicação deve ser mais simples: aprecio os livros, sim, mas a história me interessa pouco se comparada àqueles que a compõem, narram ou observam. Para mim, as pessoas são, ao mesmo tempo, fascinantes e assustadoras; eu gostaria de compreendê-las. Como funcionam seus pensamentos, como lidam com aquilo que sentem, por que gostam disso e não daquilo? Tais informações pouco me trazem de concreto, mas saciam minha curiosidade. Não tenho muito tempo livre para acomodar-me em uma poltrona com outra pessoa, bebericar uma xícara de chá e decodificá-la enquanto converso sobre o tempo ou a última moda em Paris. Minha falta de tato faz com que as interações sociais às quais me exponho deixem muito a desejar. Não preciso de ocasião para abrir um livro e conhecer seus personagens; eles jamais colocarão os pés nesta terra, porém habitam o imaginário daquele que o escreveu e daqueles que leem suas palavras. É uma situação em que levo vantagem: conheço a cria, e muitas vezes vislumbro o criador. Temos então o meu deslize, acreditar que minha paixão residia nos livros, e não naqueles que os concebem, tão criativos e complexos.
Minha ambição não se relaciona a transmitir essa curiosidade - fazê-lo seria sacrilégio, estragar a surpresa e manchar a perspectiva alheia com minhas próprias percepções. Ainda não enxergo com clareza o caminho que trilharei a partir de agora, mas aos que ficam, uma boa estada.
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