segunda-feira, 15 de junho de 2015

NO INTERIOR É TUDO MUITO PERTO

Reescrita
 Aluno 56


Chovera o verão todo, menos naquela terça-feira, quando o sol, brilhando, decidiu me acompanhar em um passeio pelo interior de Arroio do Meio. Tratava-se, com efeito, de uma aventura. Partiria de casa, a pé, cruzaria a RS 130, com sorte pouco movimentada, andaria pelo interior, chegaria a Rui Barbosa e voltaria, de lá, ao ponto de partida. Barbada. Acordei cedo, reforcei o café da manhã e parti em minha jornada.
Deixei o centro da cidade pelo chamado “caminho do vinte”, uma curta estrada que vai dar na rodovia estadual. Cruzei a RS, como eu esperava, sem maiores dificuldades. Do outro lado, ao pisar num caminho de chão batido, entro naquilo que, para mim, passava a constituir a “colônia”, onde tudo era muito bonito e as pessoas eram simples como as vidas que levavam. A estrada, secando no sol como uma pele de cobra, era repleta de buracos, mas isso pouco importava, porque ali não havia necessidade de carros, dava pra fazer tudo a pé.
E a pé eu seguia, apreciando o mato, o sol e a poeira em que eu me embrenhava cada vez mais e que, distraindo meu olhar, convidavam a que se distraísse também meu senso de direção. Conforme me afastei dos familiares sons da rodovia estadual, um sentimento de desbravamento e novidade tomou o lugar da atenção que eu devia prestar às esquerdas e direitas que virava.
Causava-me profunda impressão o fato de, entre lugares tão elementares para mim quanto o Centro de Arroio do Meio e o Bairro Rui Barbosa, haver tanto para ser visto, um mundo em que talvez poucos olhos se tivessem demorado. Eu era como o velho descobridor que, querendo chegar às Índias, acabou por se deparar com a América.
Seguia porque queria ver sempre mais, queria encher meus olhos de mato, sol e poeira. A nova realidade com que me deparava a cada metro dos arvoredos retorcidos acordava em mim ideias grandiosas, sonhos de jornadas ainda mais longas, por lugares ainda menos civilizados: se havia muito pra ver naquele grãozinho de terra que alguém colocou entre o Centro e a Forqueta, imagina quanto não haveria pra ver nos morros que cerravam o horizonte, e quanto mais não haveria além deles, na direção do sol.  
E que sol forte fazia. Tão forte que me trouxe de volta para a realidade. Foi depois de uma curva, onde um capão pacato pagava em fresca sombra a luz que roubava, perto de onde pequenas formigas faziam procissão, que despertei de minhas ideias de grandeza e percebi que não fazia ideia de onde estava. Eu não era um aventureiro europeu em um continente recém-descoberto: era um guri do Centro que decidiu dar uma volta na colônia, se empolgou e caiu um pouco além do fim do mundo. Era como uma mosca envolta em uma teia de estradas, curvas e caminhos.
O silêncio, antes amigável, agora causava desespero. O dia avançava rápido demais, secando, com a terra batida, minhas esperanças de voltar ao meu lar, e eu tinha de avançar com ele, do contrário passaria o resto da vida ali. Sorte que no interior é tudo muito perto. Pena que debaixo do sol é tudo muito longe.
Voltar, não dava, pois não sabia quantas direitas ou esquerdas tinha virado. Além disso, a física, essa desgraçada, dizia que, se eu tinha andado um Oceano Atlântico me afastando de casa, teria que caminhar o mesmo tanto pra retornar. Diacho. Meus pés estavam cansados da irregularidade das pequenas estradas. Tudo continuava muito bonito, as árvores continuavam verdes e vivas, o sol continuava a sorrir, os pássaros seguiam cantando. Mas, perdido, eu não tinha tempo de dar conta daquilo que de início me causava fascínio. Deixem alguém preso no museu do Louvre e duvido que ele preste atenção às obras de arte.
Foram longas horas tendo por companhia o mato, o sol e a poeira. No fim das contas, havia mais entre a RS 130 e a Forqueta do que a vã mente urbana podia crer. Cansado, decidi parar um pouco para pensar no que faria para voltar para casa. Se eu tivesse um carro, não poderia usá-lo, porque havia buracos, e dava pra fazer tudo a pé, até se perder irremediavelmente. Se eu tivesse uma bússola, até ela se perderia com tantas curvas que fiz. Se eu tivesse prudência, ela provavelmente não me ajudaria, porque ela não costuma fazer dessas aventuras.
Foi depois de uma curva, onde uma cerca separava a picada estreita e irregular de um campo com capim alto, que a solução passou por mim. Era muito simples, como a vida que levava, usava um boné da Sicredi, calções e chinelos e comia uma fruta. Quase parte da paisagem, aquele sujeito poderia ter-me passado despercebido, poderia tê-lo ignorado, afinal, não passava de um matuto. Sorte que, sem outras opções, decidi recorrer ao colono, que guardava a simples solução para meu problema: bastava virar à direita logo adiante.
Finalmente cheguei à civilização, alguns gramas de terra mais pesado e alguns litros de água mais leve. Sorte que no interior é tudo muito perto, até os dez quilômetros de mato, sol e poeira que passei perdido naquele dia em que, das terras por que passei, colhi uma verdade, plantada com a enxada de uma coragem de alguém que pouco viu do mundo, regada com o desespero diante do desconhecido e colhida no alívio do retorno: da mesma forma que a América coube em um mar em que por milhares de anos se achou que nada havia, a maior complexidade cabe nos lugares mais simples, inclusive nas estradinhas do bairro Medianeira e na mente de seus habitantes.

Nenhum comentário:

Postar um comentário