segunda-feira, 15 de junho de 2015

TEORIA FORMAL DA MATANÇA DE BARATAS

Reescrita
Aluno 56


Define-se barata, para fins da descrição que se segue, como todo inseto marrom, de corpo chato, com antenas geralmente longas como seu corpo, pelos em suas patas e avantajadas asas que, felizmente, são pouco usadas. Costuma ser vista em residências, propriedades rurais, logradouros públicos, ruas, calçadas, estradas, e, de modo geral, em qualquer lugar em que não se gostaria de vê-la.
A relação a ser descrita envolve três agentes essenciais: o matador ou eliminador, a barata, alvo, inseto ou presa e o meio ou instrumento.  Ela se desenvolve em um ambiente, também chamado de local da remoção, que pertence àquilo que se chamará casa. O ato representado pela relação poderá ser citado como remoção, matança ou eliminação.   
 Não há consenso na doutrina especializada sobre quando uma barata está morta. A maior parte dos estudiosos concorda que ela já deixou definitivamente de viver quando, esmagado seu exoesqueleto, espalham-se seus órgãos internos. A sutileza é maior, contudo, no que diz respeito às remoções por envenenamento. Por ser comum que o animal, submetido a uma dose cavalar de veneno, se recuse a parar de se mover, costuma-se considerar formalmente morta a barata que, ainda que não parada, mova-se tão pouco que seja possível envolvê-la, com segurança, em papel higiênico e sepultá-la, sem que haja risco de que fuja. Chamaremos “sepultamento” o transporte de um cadáver para o lixo.
A remoção obedece a um procedimento geral que se constitui de três etapas. À primeira, dá-se o nome de “confronto”. É a etapa em que os iniciantes enfrentam maior nervosismo, pois normalmente ocorre fortuitamente, sendo comum, também, que o humano não disponha ainda dos meios eliminatórios de que se valerá. Identificado o inseto-alvo, o segundo passo é não desfazer o contato visual, pois este ser temível é rápido como um piscar de olhos. Convém, então, estando a presa na mira do matador, que este procure se colocar entre ele e o meio de eliminação escolhido. O próximo passo é acessar o instrumento, sem, no entanto, perder o controle da posição do alvo, pois, caso isso ocorra, suspende-se o processo de matança até novo confronto.
São duas as ferramentas tradicionalmente prescritas: o chinelo e o veneno. O primeiro tem a vantagem da velocidade e da eficácia, permitindo uma morte certeira e definitiva. Suas desvantagens envolvem a sujeira causada e o esforço que deve ser reservado à tarefa. O segundo meio tem a vantagem da higiene e da facilidade, não possuindo, porém, a mesma precisão, nem propiciando a mesma segurança.
Se o matador optar pelo chinelo, a etapa seguinte é planejar a aproximação, levando em conta todos os possíveis pontos de fuga disponíveis à barata e todos os possíveis pontos de fuga disponíveis a ele (caso tudo dê errado). Em seguida, deve-se realizar a aproximação. É fundamental que se procure fazer o máximo de silêncio e o mínimo de movimentos bruscos, que despertem o inseto a ser removido para o perigo que dele se aproxima. Estando o alvo ao alcance do golpe letal, é preciso que se mantenha a calma. Jamais deve sair da mente do bom eliminador que sua presa é um ser ladino, astuto e sem piedade. Assegurada a qualidade da mira, deve-se desferir um golpe forte, que ecoe pelo ambiente, sinalizado a outras baratas que estivessem pensando em aparecer que o domínio da casa ainda é do matador.
Aconselha-se, neste método, o uso de três chinelos: um em cada pé e um em uma das mãos. Os chinelos nos pés visam a garantir maior versatilidade ao procedimento. O chinelo na mão, instrumento de eliminação, deve ser empunhado com bravura e decisão. A mão livre tem o propósito de facilitar o equilíbrio e permitir o fechamento de portas (novamente, caso tudo dê errado). Variantes possíveis incluem jornais, tênis e sapatos.
Por outro lado, caso se opte pelo veneno, são quatro os passos que se somarão aos procedimentos gerais. O primeiro é, novamente, elaborar uma estratégia de aproximação. Aqui, o cuidado com as rotas de fuga da presa não precisa ser tão grande, devendo-se, porém, atentar para as possibilidades de retirada do próprio usuário do veneno. O segundo passo é mirar o veneno na presa. O terceiro passo é aplicar copiosamente a substância escolhida. A barata então provavelmente entrará em transe, passando a ignorar as consequências de suas ações, podendo, dentre outros, avançar na direção do matador, voar ou simplesmente sumir em algum buraco do ambiente. O recomendado, então, é que se fechem todos os acessos ao local em que o alvo foi envenenado e que se passe a torcer para que tudo funcione. Idealmente, o inseto virará com as patas para o ar e morrerá vagarosamente, servindo, enquanto isso, como aviso para as demais baratas da casa. No pior dos casos, ele sobreviveu e se tornou um ser descontrolado, e o processo retrocederá até a fase de “confronto”.
Cumprido o dever do matador, por qualquer um dos meios descritos, entra o processo na fase de limpeza. O comum é que se utilize papel-higiênico para sepultamento do cadáver do inseto-alvo. Caso se tenha utilizado o chinelo, é importante lembrar-se de limpar não só o chão, mas também o instrumento com que foi realizada a morte. Para sepultar o animal abatido, qualquer lixo deverá ser suficiente, sendo, porém, preferível optar por um lixo que esteja o mais afastado possível do habitat do eliminador.
Observadas com diligência as técnicas acima expostas, não restam dúvidas de que será possível livrar-se de qualquer inseto ou artrópode, pois o processo conta com a vantagem de ser aplicável, com algumas modificações, à remoção de aranhas, grilos, gafanhotos e diversos outros seres que costumam perambular pelas residências de todo o mundo. Resta dizer, por fim, que um bom matador é aquele que sabe que barata boa é barata morta.

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