quarta-feira, 13 de julho de 2016

PROCESSO DE LEITURA, PRODUÇÃO E ANÁLISE DE TEXTOS: UM OLHAR SOBRE A CONCRETUDE EM TEXTOS PRODUZIDOS POR ALUNOS DO CURSO DE LETRAS

RESUMO

Uma premissa básica deste artigo é o conceito de produção textual, que consiste em escrever sob uma perspectiva interacional, levando-se em conta noções de interação leitor-autor, qualidades discursivas, conhecimentos prévios, entre outras. Este trabalho relata uma pesquisa acerca dos textos produzidos por dois alunos do curso de Letras na disciplina de Leitura e Produção Textual, no período letivo de 2016/1. O processo desenvolvido ao longo da disciplina é explorado, inicialmente, a partir dos referenciais teóricos expostos e discutidos em sala de aula. Em seguida, a concretude é analisada, sob uma perspectiva qualitativa, nos textos produzidos pelos alunos. Os resultados da pesquisa indicam que o processo deu-se satisfatoriamente, uma vez que há modificações assertivas entre a primeira versão e a reescrita de cada tarefa.
PALAVRAS-CHAVE: leitura e produção textual; concretude; processo; texto.

INTRODUÇÃO

A disciplina de Leitura e Produção Textual apresenta uma noção distinta de leitura, texto e produção de texto, da que grande parte dos alunos, se não todos, tiveram na educação básica. Ler não significa mais somente decodificar mensagens e a lógica da redação escolar ou de simplesmente redigir um texto gramaticalmente correto dá lugar ao processo de produção textual, que é baseado em uma concepção interacional da escrita. Interacional porque considera tanto leitor como autor como partes atuantes e importantes na produção de um texto. Sob esse ponto de vista, segundo Koch e Elias (2009), “a escrita não é compreendida em relação apenas à apropriação das regras da língua, nem tampouco ao pensamento e intenções do escritor, mas, sim, em relação à interação escritor-leitor [...]” (KOCH E ELIAS, 2009, p. 34). Os alunos estão constantemente transitando entre essas duas posições: quando leem textos teóricos, discutem e fazem associações são leitores. Quando produzem seus próprios textos e os rescrevem posteriormente, apropriando-se de conceitos, como as qualidades discursivas, são escritores. Essa transitoriedade é que determina o processo.
O presente trabalho tem como objetivo avaliar como se deu o processo de leitura e produção textos pelos alunos do primeiro semestre do curso de Letras, analisando comparativamente versões das tarefas propostas ao longo da disciplina. A pesquisa de natureza qualitativa traça um panorama geral da disciplina de Leitura e Produção Textual, cursada no período letivo de 2016/1.
O relatório da pesquisa está dividido entre a metodologia utilizada, a revisão bibliográfica, que dá conta de revisitar o caminho da disciplina através das bases teóricas utilizadas na produção dos textos e discutidas em sala de aula; a análise dos dados coletados a partir dos textos produzidos pelos alunos, focando em uma variável comum a todas as produções e as considerações finais, que discutem o trabalho de pesquisa e o processo da disciplina.

O PROCESSO DA DISCIPLINA DE LEITURA E PRODUÇÃO TEXTUAL

As discussões teóricas da disciplina partem de um conceito aparentemente simples, mas que pode ser múltiplo e diverso: texto. Nos termos de Platão e Fiorin (2006), pode-se definir texto como uma unidade de sentido. Dentro dessa definição, não são considerados somente textos escritos, mas também orais e os multimodais, que podem compilar mais de uma variável, além da linguagem verbal, como por exemplo, uma charge, que é composta por imagens e enunciados escritos. Nesse cenário, as partes que o compõem devem convergir, uma vez que “o significado global de um texto não é resultado de mera soma de suas partes, mas de uma certa combinação geradora de sentidos.” (PLATÃO E FIORIN, 2006, p. 23). Combinações essas que são dadas a partir da coerência, que é “a harmonia de sentido de modo que não haja nada ilógico, nada contraditório, nada desconexo, que nenhuma parte não se solidarize com as demais.” (PLATÃO E FIORIN, 2006, p. 25).
Apresentada a noção de texto e suas variáveis, faz-se um recorte nesse conceito e fica estabelecida a produção textual escrita, como alvo dos estudos, incluindo também a leitura como parte fundamental nesse processo. Estabelecido o objeto da disciplina, é necessário compreender a ideia de produção textual para que ela possa se dar na prática ao longo das aulas. Conforme Guedes (2004), a produção textual
não se trata de compor, isto é, de juntar com brilho, nem de redigir, isto é, organizar, mas de produzir, isto é, transformar, mudar, mediante uma ação humana, o estado da natureza com vistas a um interesse humano. (GUEDES, 2004, p. 87).
Ou seja, produzir textos não ter a ver somente com a correção gramatical e linguística ou com a estrutura e organização e sim com uma compilação de vários elementos, dada em um processo contínuo a ser desenvolvido. Esse processo depende de uma concepção específica de escrita, focada na interação. Para Koch e Elias (2009),
isso significa dizer que o produtor, de forma não linear, “pensa” no que vai escrever e em seu leitor, depois escreve, lê o que escreveu, revê ou reescreve o que julga necessário em movimento constante e on-line guiado pelo princípio interacional. (KOCH E ELIAS, 2009, p. 34).
Nesse sentido, Guedes (2004) coloca que a produção de texto “pressupõe leitores que vão dialogar com o texto produzido: concordar e aprofundar ou discordar e argumentar, tornando o texto como matéria-prima de seu trabalho.” (GUEDES, 2004, p. 88).
Compreendida a noção de produzir textos e sua concepção de escrita, a disciplina de Leitura e Produção Textual parte para a análise das qualidades discursivas, que
são um conjunto de características que determinam a relação que o texto vai estabelecer com seus leitores por meio do diálogo que trava não só diretamente com eles mas também com os demais textos que o antecederam na história dessa relação.(GUEDES, 2004, p. 91).
Haja vista a definição de qualidades discursivas dadas por Guedes (2004) é necessário compreender que essas características serão desenvolvidas ao longo do processo, a partir de análises, leituras, reescritas, tendo em vista que essas qualidades não são uma fórmula pronta a ser seguida, mas uma compilação de fatores disponíveis aos que pretendem trabalhar com textos, como é o caso dos estudantes de Leitura e Produção Textual.
As qualidades discursivas que embasaram o processo de produção de textos durante a disciplina são as seguintes: (1) Unidade temática, que consiste em estabelecer uma questão norteadora para o texto, em torno da qual as demais informações colocadas devem convergir. Guedes (2004) alerta que “é importante que a unidade possa ser percebida pelo leitor, que não tem nenhuma obrigação com o autor que o convocou a lê-lo.” (GUEDES, 2004, p. 93). (2) Concretude, que deve estar colocada no texto com o objetivo de dar parâmetros ao leitor; permitir que ele possa identificar, contrastar, comparar informações. Para essa qualidade discursiva, é importante que o autor priorize especificidades e ideias/conceitos concretos para que possa ativar a intertextualidade do leitor com sua exemplificação. (3) Questionamento, que tem a função de convocar o leitor para equacionar um problema. É importante que o texto levante uma hipótese que solicite a participação daquele lê para chegar-se ao seu desenlace. Por fim, (4) objetividade, que está intimamente ligada com a concretude. Para Guedes (2004), “texto objetivo é o texto capaz de perceber e mostrar objetos, ou melhor, de perceber os objetos como objetos.” (GUEDES, 2004, p. 104). Nesse cenário, o autor deve colocar-se como leitor, para assim deixar de lado sua subjetividade e tornar-se objetivo.
A noção de texto, o conceito de produção textual e o conhecimento das qualidades discursivas subsidiam agora as produções textuais ao longo da disciplina. Produzindo cinco textos com naturezas distintas, os alunos traçam o caminho de uma escrita de cunho mais livre e voltado ao pessoal, para uma forma de escrita formalizada e de padrões acadêmicos. As propostas a serem trabalhadas são as seguintes: (1) Apresentação pessoal, que para Guedes (2004) “tem a utilidade, do ponto de vista de quem escreve, de fixar a auto-imagem momentânea, que pode funcionar como ponto de partida de um maior autoconhecimento.” (GUEDES, 2004, p. 90). (2) Uma experiência ou um fato que gerou um aprendizado, tendo como base o gênero narrativo, que consiste em narrar acontecimentos. Espaço, tempo, narrador e personagens ganham destaque nesse tipo de texto. (3) Descrição de um processo, onde Guedes (2009) atenta para a importância de selecionar-se o que será descrito, afinal “falar de tudo um pouco equivale geralmente a falar de tudo um nada [...]” (GUEDES, 2009, p. 178). (4) Memorial de leitura, que traz um elemento distinto: a necessidade de uma articulação teórico-prática entre relatos dos discentes e textos teóricos.  Arcoverde e Arcoverde (2007) apontam que o memorial é um “gênero que oportuniza as pessoas expressarem a construção de sua identidade.” (ARCOVERDE E ARCOVERDE, 2007, p. 2). A leitura aparece conceitualmente nessa proposta, com um apanhado de textos teóricos que discorrem sobre diferentes concepções de leitura relacionadas ao desenvolvimento da linguística. (5) Artigo de opinião, que já tem uma natureza mais formalizada e acadêmica e apresenta a necessidade de argumentação, característica da tipologia textual dissertativa.
Cada uma das cinco propostas foi desenvolvida em um processo que se constitui por etapas. A primeira delas é a escrita de uma primeira versão do texto (V1). Após a V1, são balizados em aula quais serão os critérios de análise para determinada proposta. Além das qualidades discursivas, há também critérios que dão conta dos aspectos formais, como estruturação dos parágrafos, coesão e coerência, morfossintaxe, semântica e léxico. São feitas discussões teóricas embasadas nos textos teóricos disponibilizados pela professora. Depois de estabelecidos os critérios, é emitido um parecer sobre cada um dos textos pelas monitoras da disciplina, que desempenham um papel fundamental no processo, pois são elas que fazem a primeira avaliação dos textos. Emitido o parecer, os alunos partem para a reescrita (RE) de seus textos, podendo seguir ou não as indicações feitas pelo parecer. Para que os alunos possam fazer uma reflexão teórico-prática de suas V1 e RE, produzem o diário dialogado, que é direcionado diretamente para a professora. Esse texto é livre e permite aos escritores que possam refletir sobre seus textos, comparar as duas versões dele, analisar a aplicação das qualidades discursivas e dos demais critérios de avaliação. É um espaço também de diálogo entre os discentes e a docente, uma vez que o processo interacional inclui também a participação da professora, sabendo quais estão sendo as principais dificuldades e pensando de que maneira solucioná-las.

METODOLOGIA

A pesquisa realizada é de natureza qualitativa, que consiste no entendimento de que “[...] o estudo da experiência humana deve ser feito, entendendo que as pessoas interagem, interpretam e constroem sentidos.” (OLIVEIRA, 2008, p. 3). Dentro da pesquisa qualitativa, há uma subdivisão denominada Estudo de caso, que “deve ser aplicado quando o pesquisador tiver interesse em pesquisar uma situação particular, singular.” (OLIVEIRA, 2008, p. 5).
A situação particular pesquisada aqui é a produção de textos pelos alunos A e B na disciplina de Leitura e Produção Textual, no período letivo de 2016/1. Esses textos foram escritos em uma primeira versão (V1) e reescritos (RE) após parecer feito pelas monitoras da disciplina. Nesse processo, foram disponibilizados textos teóricos para o estudo de cada proposta, além de aulas expositivas, para discussões dos mesmos. As tabelas abaixo compilam as informações acerca dos dados coletados para a pesquisa:
TAREFA
PROPOSTA
ENTREGA
BASES                     TEÓRICAS
V1
RE
1
Apresentação pessoal
10/03
18/03
Guedes (2004)

2
Fato/experiência que revelou um aprendizado
18/04
16/05
Guedes (2009)
Gancho (2006)
3
Descrição de um processo
05/05
23/05
Guedes (2009)
4
Memorial de Leitura
13/06
20/06
Rottava (1998)
Rottava (2000)
Kleiman (1995)
Kleiman (2004)
Britto (2012)
Rottava (2012)
Arcoverde e Arcoverde (2007)
5
Artigo de opinião
20/06
27/06
Guedes (2009)
Toulmin (2001)
Cunha (2009)

Tabela 1: Proposta de texto solicitada em cada tarefa, datas de entrega da 1ª versão (V1) e da Reescrita (RE) e textos teóricos discutidos em aula relacionados a cada proposta.

TAREFA
OBSERVAÇÃO DO PARECER
Aluno A
Aluno B
1
Delinear a unidade temática.
Delinear a unidade temática e ter mais objetividade.
2
Melhorar a objetividade e trabalhar a concretude.
Delinear a unidade temática, trabalhar melhor a concretude e melhorar a objetividade.
3
Melhorar a objetividade e trabalhar a concretude.
Delinear a unidade temática, ter mais objetividade e trabalhar a concretude.
4
Buscar mais referências e trabalhar a concretude.
Articular melhor paráfrases e citações com o texto.
5
Desenvolver mais o texto e trazer outros argumentos.
Organizar melhor o argumento concreto no texto.

Tabela 2: Principais observações feitas nos pareceres quanto às qualidades discursivas nos textos dos alunos A e B.

ANÁLISE DE DADOS

A partir do processo de Leitura e Produção Textual que dá nome e é posto em prática pela disciplina, propõe-se analisar agora o percurso dos alunos A e B ao longo do período de aulas. Para isso, selecionou-se uma das qualidades discursivas: a concretude. Observem-se as análises:
Aluno A – Proposta 1: Apresentação pessoal
(V1)Na adolescência sofri do clichê do bullyng. Estando acima do peso e sendo homossexual [...]”.
O termo adolescência é compreendido socialmente. Qualquer leitor entende o que se entende por adolescência. Entretanto, essa ideia poderia ser transmitida de outra maneira, trazendo mais elementos para o leitor. A ideia de estar acima do peso está inexplorada nesse contexto. Para o leitor, “acima do peso” pode variar muito.
(RE) Na época onde os hormônios afloram, os desejos aparecem e os pelos começam a crescer em lugares cabulosos – leia-se adolescência –, foi-me lembrado quanto os trinta quilos a mais que possuía na época [...]”.
Observa-se agora a mudança ao tratar do termo “adolescência”. O autor agora cria uma imagem para o leitor, trazendo elementos com os quais ele provavelmente irá se identificar e criar uma imagem muito mais viva. A ideia de “acima do peso” também está explicitada agora porque é quantificada, o peso do qual estava acima era de 30 kg.
Aluno B – Proposta 1: Apresentação pessoal
(V1) Nasci numa noite fria de outono, dez dias antes do previsto pelos médicos. Feriado nacional. Seria esse um prenúncio de que minha vida seria um eterno feriado? Antes fosse, mas não é o meu caso. A inquietação desde o momento de vir ao mundo só corrobora minha ansiedade e desassossego diante de situações que precisam de alguma solução, nos dias de hoje.”.
Na V1, o aluno B não faz uma delimitação clara do tema, a princípio. A narração do seu nascimento é o que dá o primeiro parâmetro concreto para o locutor identificar o que parece ser o tema da sua apresentação, a inquietação. Porém, essa delimitação se perde quando inserida uma citação que parece deslocar-se dentro do tema que parecia estar estabelecendo-se.
(V1) “O problema é que essa solução nem sempre vem tão rápido assim. Diante do dia e hora que nasci, acabei sob um mapa astral decadente, que me coloca com sol em touro e lua em câncer, ou seja, os processos são sempre lentos e graduais e às vezes, nem processam.”.
O aluno parece estar preocupado em estabelecer uma relação concreta entre as características que deseja apresentar e a sua história de vida, mas é prejudicado pela não delimitação do tema central de seu texto e pela inserção de informações que podem não ser de conhecimento geral, que qualquer leitor possa se identificar.
(RE) “Nasci numa noite fria de outono, dez dias antes do previsto pelos médicos. Dia de feriado nacional. Seria esse um prenúncio de que minha vida seria um eterno feriado? Antes fosse, mas não é o caso. A inquietação desde o momento de vir ao mundo só demonstra minha ansiedade e desassossego diante de situações que precisam de alguma solução, nos dias de hoje. O problema é que essa solução nem sempre vem tão rápido assim, me deparo diversas vezes com o medo de errar, com a insegurança fazer uma escolha da qual possa me arrepender depois e por isso acabo pensando e repensando um pouco além da conta.”.
Na reescrita, o aluno subtrai os trechos que desviam do tema estabelecido no segundo parágrafo e mantêm as descrições que dão concretude ao texto.
Aluno A – Proposta 2: Um fato/experiência que revelou um aprendizado
(V1) Se tivesse escolhido não gastar aqueles R$10,90 naquele livrinho ilustrado, com uma capa bem suspeita, diga-se de passagem, nunca teria conhecido aquele mundo que já acompanho há quase dez anos [...]”.
O autor não dá muitas informações sobre os aspectos físicos do livro. Menciona que continha ilustrações e define sua capa como suspeita, mas não dá subsídios para que o leitor entenda a razão pela qual considerou assim. Além disso, a escolha do livro pela capa parecer ser uma informação importante para o texto e está colocada somente ao final.
(RE) Estava andando na rua quando passei na frente de uma banca de jornais e reparei na capa daquele tomo, uma capa um tanto suspeita. O desenho da capa estava num fundo preto, uma menina de cabelos azuis sentada em cima de uma cabeça gigante, haviam também alguns detalhes em roxo e vermelho.”
Na RE, o autor insere a informação sobre a justificativa para a escolha do livro nos primeiros parágrafos, o que deixa as informações mais bem organizadas, afinal, o que é mais importante deve ser apresentado logo no início. É interessante perceber também, como o autor constrói a imagem da capa do livro e explora muito melhor o conceito de “suspeita”. Além disso, com a descrição do passar pela frente da banca e avistar a capa com tais caraterísticas, o autor enriquece sua narração, fazendo que a cena seja plenamente concreta e imaginável.
Aluno B – Proposta 2: Um fato/experiência que revelou um aprendizado
(V1) Chegando à empresa, eu olhava para os lados e não via quase ninguém da mesma idade que eu. Um ou dois colegas também aprendizes, mas ainda assim me sentia sozinho, sem saber o que fazer, como agir, como me comportar, que palavras usar. Bastava que alguém mencionasse meu nome pra que eu pensasse logo em sair correndo gritando “eu quero a minha mãe!”, mas não havia essa opção. Meu trabalho concentrava-se sempre ao telefone, atendendo muitos clientes por dia, gente de vários lugares, várias idades, várias vidas. Meu trabalho concentrava-se sempre ao telefone, atendendo muitos clientes por dia, gente de vários lugares, várias idades, várias vidas.”
O trecho V1 mostra a cena de uma maneira mais interna da perspectiva do personagem/narrador, não há muita descrição de elementos externos (O que ele falava ao telefone? Como era o ambiente em que ele tralhava?).
(RE) “Chegando à empresa, vi aquelas salas separadas por vidros, padronizadas, com mesas, computadores e telefones para todos, pessoas compenetradas em suas tarefas. Meu trabalho concentrava-se sempre ao telefone, atendendo muitos clientes por dia, às vezes cinquenta ou sessenta pessoas em uma única tarde. Gente de cidades diferentes, idades diferentes, rotinas diferentes. Houve dias em que eu só esperava pelas seis da tarde, hora de ir embora, cansado de tanto falar, de ouvir respostas como “eu quero cancelar”, “não quero mais o serviço de vocês.”.
O trecho da RE traz elementos mais palpáveis e diretos, descrevendo o ambiente e o os acontecimentos sem utilizar-se de construções com “sentir”, preferindo trazer a ação que ocorria com o narrador/personagem.
Aluno A – Proposta 3: Descrição de um processo
(V1) “Sempre dói no começo. Pode parecer que não vai caber ou o que não vai ser bom [...]”.
O autor inicia seu texto sem dar para o leitor a mínima noção do que se trata e de onde ocorre a ação. É bem verdade que o título do texto ajuda nesse sentido, ainda assim é necessário que se explique que assunto será tratado e, especificamente nessa proposta, criar uma ambientação para o que está sendo descrito.
(RE) “Dois seres humanos sentem atração um pelo outro. Estão em comum acordo em realizar o sexo anal. Sozinhos num quarto, em uma cama. Sempre dói no começo. Pode parecer que não vai caber ou o que não vai ser bom”.
O autor cria o ambiente e deixa claro para o leitor que processo irá descrever ao longo do texto. Além disso, a ambientação da cama cria uma imagem concreta para o leitor.
Aluno B – Proposta 3: Descrição de um processo
(V1) “A primeira parte não é você que determina. Os olhos fazem a primeira parte: avistá-la. Dos olhos a mensagem é emitida diretamente ao coração – há quem diga que é transmitida para o cérebro, o que torna o processo racional –, que passará a bater intensamente sinalizando ter recebido o estímulo e pronto. Você está apaixonado.”
O texto já inicia descrevendo um processo, que por estar no campo subjetivo dos sentimentos, dificulta para os leitores a visualização de algo concreto. Fica subjetivo ao entendimento de cada um sobre o que é apaixonar-se e que processo conduz a esse ato.
(RE) “Quando você se apaixona por alguém, sempre espera reciprocidade, que o sentimento possa ser retribuído de igual forma, porém, muitas vezes não é. Ou porque a pessoa não o conhece, ou porque você não se fez perceber, ou não se mostrou atraente, enfim. Para que você atinja o objetivo e faça com que ela também se apaixone por você, irá precisar de algumas táticas, que não são tão imediatas, mas que em longo prazo dão certo. Vamos a elas.”.
Como escolha para sua reescrita, o aluno decide discorrer sobre a reciprocidade entre as pessoas quando se apaixonam, algo um pouco menos livre das interpretações que podem ser feitas pelos leitores, já que supõe-se que para duas pessoas estarem em uma relação apaixonada, deve haver reciprocidade.
Aluno A – Proposta 4: Memorial de Leitura
(V1) “Numa primeira leitura nos capítulos iniciais do Curso de Linguística Geral (CLG) de Saussure, indicados pelo professor, me deparei com uma das leituras mais difíceis que fiz até hoje.”.
No trecho da V1 da quarta proposta, o autor coloca a leitura do Curso de Linguística Geral sem explicar em que contexto foi lido e quem é Saussure. Para um leitor leigo, que não curse Letras ou conheça a teoria Saussuriana, pode ser muito complicado ou até impossível entender o que o autor está querendo relatar.
(RE) “No primeiro semestre do curso de letras, há uma cadeira de introdução à linguística, em que são apresentados os primeiros conceitos teóricos dessa ciência e que serão aprofundados ao longo do curso. Uma das últimas leituras realizadas no semestre é de capítulos selecionados do “Curso de Linguística Geral” (CLG) de Ferdinand de Saussure, o principal colaborador que tornou a linguística uma ciência propriamente dita, definindo o seu principal objeto de pesquisa.”.
Na RE, o autor dedica um parágrafo inteiro parar situar o leitor quanto ao contexto em que leu a obra e quem foi Saussure. Agora há subsídios concretos para que qualquer leitor, independente se é um estudante de Letras ou não, compreender do que se trata e seguir adiante na leitura do texto.
(V1) (RE) Já com certa idade, por vias de terminar o ensino fundamental, integrei-me ao grupo de contação de histórias que se iniciava na escola. Mesmo não tendo um contato marcante com a leitura em um primeiro momento da vida, intuí que seria algo interessante, que me propiciaria aprendizados, já que as atividades seriam desenvolvidas dentro da biblioteca, célebre espaço no ambiente escolar, onde os alunos tem convívio com os livros e a leitura de maneira mais próxima.”.
Ambos os parágrafos selecionados da V1 e RE, entre os quais não houve mudança significativa, apresentam a situação em que a experiência de leitura é trazida de maneira concisa e objetiva. Na quarta proposta, feita durante o período de avaliação, o aluno já apresenta um domínio da capacidade de colocar em seus textos elementos que deem subsídios aos interlocutores para criarem o cenário onde houve a experiência de leitura, sendo a quarta proposta um memorial de leitura. Fica claro o cenário que os leitores que devem ter em mente quando fizerem a leitura.
Aluno A – Proposta 5: Artigo de opinião
Ao escrever a V1 da quinta proposta, o autor não utiliza um argumento de autoridade, como solicitado, para embasar aquilo que está defendendo em seu artigo de opinião. Por esse motivo, não há um trecho selecionado desse texto. Entretanto, para tornar sua argumentação mais concreta, o autor busca para sua RE um argumento de autoridade, baseado em um estudo. Ao utilizar-se desse artifício, o texto que, incialmente, continha apenas percepções do autor, ganham também dados reais que vão ao encontro do que estava sendo defendido.
(RE) O estudo realizado por Oliveira et al. (2016) mostrou que, as condições de falta de organização de horários para estudo, não se limitam a apenas estudantes universitários, muito menos a alunos do curso de letras, mas também entre estudantes de ensino médio, pós-graduandos, doutorando etc. Os dados obtidos, perante oficinas de gestão do tempo, realizadas para o estudo, também mostraram que existe uma grande disposição nos universitários para elaborar horários de estudos eficientes, e que não deixem de fora os momentos de recreação.”.
Não foram considerados os dados da V1 e da RE da quinta proposta do aluno B, uma vez que não houve alterações significativas no texto.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tendo por objetivo avaliar a evolução dos textos no processo, a partir dos dados coletados, com enfoque na qualidade discursiva concretude, pode-se apurar que os alunos de letras conseguem apresentar em seus textos essa qualidade de maneira totalmente satisfatória, ainda que as demais qualidades – questionamento, unidade temática e objetividade – possam ter deixado a desejar. A disciplina promoveu experiência de produção textos de diversos gêneros – havendo sempre uma primeira versão, um parecer sobre o que deveriam melhorar, e uma reescrita – o que possibilitou aos alunos o aprimoramento das suas habilidades de escrita, além da aplicação do projeto de produção textual, que é essencial no meio acadêmico, já que são constantes os textos a serem elaborados nas disciplinas do curso. Vale ressaltar que, no decorrer do curso, essas habilidades serão aprimoradas, visto que ainda faltam certas adequações pelas quais os alunos devem passar, como a ampliação de seus conhecimentos linguísticos – léxico, semântico, ortográfico, entre outros –, textuais e enciclopédicos, também essenciais para a produção textual.
 A metodologia aplicada nas aulas demonstrou-se eficiente por trazer conceitos teóricos como subsídio para cada proposta de produção de texto e também por proporcionar a leitura de textos aos colegas. Um exercício de oralidade, que auxiliou na identificação das dificuldades nos textos e no trabalho quanto à recepção de textos e diferentes interlocutores. Como saldo final dos trabalhos desenvolvidos na disciplina de leitura e produção textual, os alunos estão mais bem preparados e com certo domínio de textos acadêmicos que virão a produzir.

REFERÊNCIAS

KOCH, Ingedore Villaça; ELIAS, Vanda Maria. “Escrita e interação”. In: Ler e Escrever: estratégias de produção textual. São Paulo: Contexto, 2009. P. 31-52.
ARCOVERDE, Maria Divanira de Lima; ARCOVERDE, Rossana Delmar de Lima. “Produzindo gêneros textuais: o memorial”. In: Leitura, interpretação e produção textual. Campina Grande; Natal: UEPB/UFRN, 2007. P. 1-16.
PLATÃO, Francisco; FIORIN, José Luiz. “Lição 1: Considerações sobre a noção de texto”. In: Lições de texto: Leitura e Redação. São Paulo: Ática, 2006. P. 24-41.
OLIVEIRA, Cristiano Lessa. Um apanhado teórico-conceitual sobre a pesquisa qualitativa: tipos, técnicas e características. Travessias, Cascavel, Editora UNIOESTE, a.2, n.3, 2008. P. 1-16. Disponível em < http://e-revista.unioeste.br/index.php/travessias/article/view/3122/2459>  Acesso em 03/07/2016.
GUEDES, Paulo Coimbra. “Narração”. In: Da redação à produção textual: o ensino da escrita. São Paulo: Parábola editorial, 2009. P. 124-170.
GUEDES, Paulo Coimbra. “Descrição”. In: Da redação à produção textual: o ensino da escrita. São Paulo: Parábola editorial, 2009. P. 171-225.
GUEDES, Paulo Coimbra. “Olhar, imaginar, organizar, escrever”. In: Da redação à produção textual: o ensino da escrita. São Paulo: Parábola editorial, 2004. P. 85-116.
ANEXOS


ANÁLISE DA DIFICULDADE COM UNIDADE TEMÁTICA E CONCRETUDE EM TEXTOS DE ALUNAS DO PRIMEIRO SEMESTRE DE LETRAS

Aluno 81
Aluno 83

RESUMO: Este artigo é uma análise dos textos produzidos por duas alunas na cadeira de Leitura e Produção Textual. Visa perceber a evolução de seus textos ao longo do semestre, utilizando para isto o referencial teórico da disciplina. Por meio de uma pesquisa qualitativa foram discutidos os problemas que os textos apresentaram no que diz respeito às qualidades discursivas, dentre as quais destacou-se a unidade temática e a concretude como as principais dificuldades das alunas. Também são apresentados os conceitos utilizados para esta análise e que foram discutidos ao longo do semestre. Após essa tarefa é perceptível a melhora das alunas na construção de seus trabalhos com o auxílio de textos de apoio e leituras feitas em sala de aula.
Palavras-chave: Produção Textual; Qualidades Discursivas; Letras; Unidade temática; Concretude.

INTRODUÇÃO
            O objetivo deste artigo é analisar os textos feitos na cadeira de Leitura e Produção Textual pelas alunas A e B. Durante o semestre foram realizadas cinco atividades: apresentação pessoal, narração de um evento marcante, descrição de um processo, memorial de leitura e um artigo de opinião; todas elas incluíam a reescrita e algumas foram lidas em sala de aula e comentadas pelos alunos para que conseguissem reescrever seus textos de acordo com as leituras teóricas.
Analisamos todos os textos, comparando primeira versão e reescrita, para observar a evolução que as alunas tiveram na produção de textos e entender como este processo ocorreu. Os problemas encontrados pelas alunas foram, dentre todas as qualidades discursivas (unidade temática, concretude, objetividade e questionamento), a fuga da unidade temática e a falta de concretude, portanto, focamos neste artigo somente estes dois aspectos a fim de compreender por que seus textos apresentavam esses problemas e como eles foram superados ao longo do semestre.
Este trabalho será estruturado em seis partes. A primeira introduz a fundamentação teórica. A segunda explica a metodologia que utilizaremos para analisar os trabalhos junto a uma breve explicação de como funcionaram as atividades ao longo do semestre. A terceira analisa os dados e faz uma breve conclusão sobre a disciplina. Por último, seguem os anexos que contém as tarefas realizadas pelas alunas.
REVISÃO TEÓRICA
O texto expressa ideias. Segundo Platão e Fiorin (2006, p.3): "um texto é, pois, um todo organizado de sentido [...] é um conjunto formado por partes solidárias, ou seja, que o sentido de uma parte depende das outras, produzido por um sujeito num dado espaço e num dado tempo (p.3). O significado de uma parte do texto não é autônomo, mas depende das outras partes com que se relaciona (PLATÃO E FIORIN, op.cit). Para que ocorra essa relação é preciso que um texto apresente coerência e coesão textual.
A coerência é a harmonia de sentido, onde não há nada contraditório, nenhuma frase estará desconexa, não é um amontoado de frases, sem ligação alguma entre elas, todas estão relacionadas entre si. Por sua vez, a coesão textual é importante, uma vez que ela faz a conexão de palavras, frases ou expressões num texto. De acordo com Koch e Travaglia (1989, p.13) “a coesão é apresentada pelo uso de elementos linguísticos, como pronomes, advérbios, verbos”, que unem as orações umas as outras, dando sentido ao que se está lendo. Ao usar estes conectores coesivos, é preciso também que haja coerência entre as palavras para que o texto faça sentido.
            Um texto também é uma forma de retratar a sociedade vigente naquele momento. Cabe ao escritor colocar o seu ponto de vista no papel para dizer a realidade de seu grupo social, na sua concepção (PLATÃO E FIORIN, 2006, p. 5).
            A produção textual é a ação de escrever um texto. Ela deve produzir uma "imagem" ao seu leitor (GUEDES, 2009, p.91), criando veracidade em tudo que é lido. Uma produção textual deve conter um conjunto de características, elas vão determinar a relação que o texto vai estabelecer com os leitores por meio do diálogo e que não será feita apenas com eles, mas também com os textos que vieram antes dessa leitura (GUEDES, 2009, p.94). Essas características são chamadas de Qualidades Discursivas, e dividem-se em: unidade temática, concretude, questionamento e objetividade.
            Este artigo aborda dois conceitos fundamentais para a escrita de um texto, a unidade temática e a concretude.
            Segundo Guedes (2009, p.59), a unidade temática dá um rumo para o leitor/ouvinte de um texto, para que esse se oriente no trabalho e possa atribuir sentido a cada uma das palavras que ele lê e de estabelecer uma relação entre elas. Ainda de acordo com Guedes (2009, p.59), a mudança sucessiva de temas dentro de um texto acaba por confundir seu leitor, que fica formulando sucessivas hipóteses sobre qual seria a unidade temática do texto e sente-se frustrado por não conseguir assimilar do que o autor está falando. Sem a unidade temática, o texto acaba por ficar em desordem ou ficará uma lista, falando de muitas coisas ao mesmo tempo e não dizendo muito de coisa alguma.
            A concretude é a garantia de que a mensagem trazida pelo escritor, será entendida pelo leitor, a respeito dos sentidos e valores que o autor atribuiu aos recursos utilizados em seu texto (GUEDES, 2009, p.99). Na concretude é importante o uso de termos concretos, e não abstratos, que podem significar mais de uma coisa, e que irá atrapalhar o entendimento e interpretação do leitor.
            Após aprendermos sobre os conceitos que formam um texto, é importante ressaltar outra atividade feita ao longo do semestre, que foram as leituras feitas em sala de aula.
As práticas de leitura em sala de aula têm cunho social, de acordo com Kleiman (1995, p.10): "a leitura é um ato social, entre o leitor e escritor, estabelecendo objetivos e necessidades socialmente determinados". Sendo assim, a leitura em sala de aula é um processo interativo, onde ler irá desempenhar uma tarefa comunicativa com um propósito real, sendo esse processo real determinado socialmente pelas necessidades de leitura que os aprendizes deparam (ROTTAVA, 1998, p.62).
            O ato de ler já teve mais de uma interpretação ao longo dos anos. Na década de 60, era entendido como uma atividade ascendente (bottom-up), em que ler era extrair a decodificação dos elementos linguísticos do texto, e o processo de leitura era resultante da interação do leitor com os elementos linguísticos, textuais e discursivos de um texto (ROTTAVA, 1998, p.62).
            Nos anos 70, ler era uma atividade ascendente (top down), onde o processo de leitura era atribuir sentido ao texto. A leitura era feita usando o conhecimento prévio de mundo, enciclopédico e de leituras anteriores (ROTTAVA, 1998, p.62).
            Já a partir dos anos 80, a leitura passou a ser descrita como um processo interativo (ROTTAVA, 1998, p.62). O leitor interage com os elementos linguísticos, textuais e discursivos do texto, além de usar seu conhecimento prévio de mundo e de leitura para um entendimento do texto. Por ser um processo dinâmico, Rottava(1998) diz:
"Os leitores podem fazer diferentes leituras sempre que estiverem imbuídos de um novo propósito ou quando as leituras forem discutidas com diferentes interlocutores." (p.62).
            Portanto ao ler um texto em coletivo, é possível ver outras interpretações daquela leitura, que servirá para a construção de um novo conhecimento.
METODOLOGIA
Este artigo é uma pesquisa de natureza qualitativa. Os dados utilizados para análise neste trabalho são os textos escritos pelas alunas A e B durante o primeiro semestre do curso de Letras na disciplina de Leitura e Produção Textual. Foram realizadas cinco atividades: apresentação pessoal, narração de um momento marcante, descrição de um processo, memorial de leitura e um artigo de opinião. As tarefas ocorreram da seguinte forma: primeiramente era apresentada a proposta pela professora e tínhamos acesso a textos dos alunos que já tinham feito esta cadeira através do blog que a professora e as monitoras mantêm, entregávamos o texto e era feita uma aula expositiva sobre os textos de teoria que nos ajudavam a entender as qualidades discursivas e os gêneros textuais, após a discussão teórica os textos eram lidos em sala de aula para todos os alunos e eram comentados pelos mesmos. A partir das leituras teóricas, do parecer feito pelas monitoras e dos comentários feitos em sala de aula pelos colegas, o aluno reescrevia seu texto e o entregava com a primeira versão, o parecer, um diário dialogado (onde o aluno tinha um espaço livre para falar com a professora e também justificar teoricamente as alterações feitas na reescrita) e os critérios de avaliação da atividade.
Tarefas
Títulos
Primeira entrega
Última entrega
Conceitos
Aluna A
Aluna B
Aluna A
Aluna B
T 1
Sem título
“Viver verbo intransitivo”
10/03/2016
18/04/2016
C
C
T2
“A chegada de um irmão”
“O valor da vida”
18/04/2016
16/05/2016
B+
B+
T3
“Como comer uma trufa  no ônibus D43”
“Manual de como tirar o sutiã debaixo da roupa, para os dias mais frios”
05/05/2016
23/05/2016
A
B
T4
“Minha experiência de leitura na escola”
Sem título
13/06/2016
20/06/2016
A
B
T5
“As dificuldades do aluno para dificultar seu tempo”
“Por que o tempo no final do semestre é tão curto?”
20/06/2016
27/06/2016
C+
B-
Tabela 1: conceitos das alunas.

Ao início do semestre aprendemos sobre as qualidades discursivas, unidade temática, concretude, questionamento e objetividade. Neste trabalho serão avaliados os conceitos de unidade temática e concretude das alunas A e B, pois estes foram os que elas tiveram dificuldades em seus textos.
             Unidade temática, segundo Guedes (2009, p.95) é a delimitação de um tema e/ou assunto. A unidade temática é necessária, pois se tratar de tudo um pouco em um texto é a mesma coisa que tratar de tudo muito pouco, e que não irá resultar em um texto, mas sim numa lista de dados, que não vai compor um todo, pois sem estabelecer uma ordem para as coisas não vai haver uma interlocução com o leitor.
            A concretude é a apresentação de um tema com palavras que não tragam "imagens" abstratas para o leitor, é preciso usar um termo concreto, que facilite a compreensão do leitor/ouvinte sobre o tema escolhido. A utilização de termos abstratos, acabando que o texto fala de generalidades e de noções que apresentam para os leitores significados compartilhados, como semelhança (GUEDES, 2009, p.99).
            A primeira tarefa do semestre era redigir um texto de apresentação pessoal, todas as qualidades discursivas seriam cobradas pela professora, e tanto a aluna A como a aluna B, tiveram dificuldade em apresentar a unidade temática e concretude. Na análise da primeira versão escrita pela aluna A vemos que a falta de unidade temática é perceptível. Ela fala de mais de um tema, como no seguinte trecho:
(01) "[...] moro em Porto Alegre e sempre estudei em escola publica. Acredito que ter estudado na rede publica fez com que eu pudesse perceber o papel social de um professor". A, 1ªv.
Neste trecho a aluna começa falando sobre o fato de ela ter estudado em uma escola pública. Já no trecho seguinte muda de tema, começando a tratar de seu interesse pela licenciatura:
(02) "Sempre tive muito interesse pela licenciatura, pois ao longo de minha vida escolar tive alguns professores como ídolos. Esses professores exerceram um papel muito importante em minha vida e, muitas vezes, influenciaram positivamente as minhas escolhas."  A,1ª.
            Já no terceiro trecho destacado, o tema é o fato de ela ter escolhido estudar o curso de Letras:
(03)"Escolhi o curso de Letras por amar a literatura e me interessar por aprender novas línguas e, consequentemente, novas culturas". A, 1ªv.
Ou seja, a aluna trata de muitos temas em um mesmo texto, não há uma interlocução com o leitor (GUEDES, 2009, p.95), e mesmo que este texto possua coerência, coesão textual e se trate de uma produção textual, a qualidade discursiva da unidade temática não é apresentada, o que faz o leitor se perguntar: “do que ela está falando? Seria do fato dela ter estudado em uma escola pública? Ou pelo seu interesse pela licenciatura? Ou ainda a escolha do curso de Letras pelo seu amor a literatura?”.
            Na segunda versão de seu texto, a aluna A utiliza o mesmo processo, e não consegue descrever apenas uma unidade temática. O texto começa com a escolha da aluna em estudar Letras, mas já no segundo parágrafo desvia da unidade, como no trecho abaixo:
(4)"Minhas opções anteriores de curso eram psicologia e assistência social, sempre sonhei em poder ajudar as pessoas de alguma forma e acredito que com essas profissões eu teria essa oportunidade." A, 2ªv.
           
No parágrafo abaixo, a aluna desvia sua unidade temática, e fala sobre seu sonho de ajudar as pessoas, o que desvia do tema proposto por ela, no parágrafo anterior:
(5) "Durante os anos de escola sonhava em dar aulas por que tinha muita admiração por alguns professores, mas encarava isso como algo assombroso na realidade por que através da minha mãe, professora do estado, tive contato com o pior lado de lecionar ao acompanhar seus problemas diários." A, 2ªv.
            Já neste trecho o foco, novamente, muda, e a aluna trata de sua admiração pelos seus professores e o medo de vir a se tornar uma. Podemos ver como a aluna acaba por descrever mais um processo histórico sobre sua escolha do curso de Letras, do que uma apresentação pessoal.
            A aluna B, em sua primeira versão da apresentação pessoal, usou termos abstratos, que causam subjetividade ao texto e a falta de unidade temática. Esses problemas estão visíveis em passagens como:
(6) "A montanha se torna uma pequena subida na rua que. não, nada se compara ao encarar o Vale da Morte." e "Oh, estrada! BELA E TORTUOSA estrada. Cá estou eu, à procura da tua ETERNA busca pelo Paraíso!”. B, 1ªv.
Os dois trechos citados são subjetivos e abstratos. Os conceitos trazidos não são objetivos e não possuem unidade temática. Assim como a aluna A, seu texto é mais um processo histórico do que uma apresentação pessoal. Já na segunda versão, embora o texto consiga ter uma temática constante, os parágrafos ficaram longos.
(7)"Quando eu esboçava uma reação para voltar à Seicho, eu estava dobrando a esquina e já ouvia os pássaros, uma bicicleta veloz e assassina me atropelou, caída no chão e me vendo em pedaços, olhei para o causador daquele acidente, e hoje me lembro bem de ver meu rosto, e nele um sorriso tenebroso e que para mim parecia algo maligno, mas não aceitava que eu tivesse feito aquilo comigo, eu procurei voltar à Igreja e encontrar um INIMIGO que tivesse feito aquilo comigo, mas no fundo eu sempre soube que não existe, e eu sou a provocadora de todas as coisas que me acontecem, as boas, as ruins, são tudo parte da vida, e do que nós queremos de nós mesmos." B, 2ªv.
Tanto a aluna A, quanto a aluna B precisariam rever os conceitos de unidade temática, pois esta qualidade discursiva dificilmente foi encontrada na tarefa de apresentação pessoal.     
A segunda proposta se tratava de descrever um momento de sua vida que lhe trouxe uma lição, e possui o gênero de narrativa, onde o escritor deve situar o tempo da narrativa, o espaço e os personagens. Em sua primeira versão, a aluna A não conseguiu criar um ambiente para situar seu leitor sobre o cenário de sua história, assim como não possuiu uma unidade temática muito clara.
(8) "Era um lindo dia de verão. Meu pai me acorda cedo por que temos que ir ao hospital. Onde estava minha mãe? Era muito estranho ela não estar junto. Chegando ao hospital vimos minha mãe através de um vidro." A, 1ªv.
(9) "Finalmente chegou o momento. Pudemos sair em direção ao carro, mas havia algo de diferente. Minha mãe segurava um embrulho em seus braços, parecia estar cansada e cuidava muito daquilo. Quando sentamos no carro pude perceber que havia uma criança em seus braços." A, 1ªv.
(10) ”Cheguei em casa e esperei que aquela criança fosse deixada de lado. Meus pais me chamaram, me apresentaram ao estranho. Chamava-se Juliano, disseram que era meu irmão. “Mas quando ele vai embora?” Não iria mais embora, moraria conosco a partir daquele momento." A, 1ªv.
            Nestes trechos retirados de cada um dos parágrafos do texto, não possui a unidade temática, que em tese seria o nascimento do bebê, porém a aluna não situa sua história nesse fato, e então o tema se perde. Na segunda versão, a aluna continua sem seguir um tema, além da estrutura de seus parágrafos serem longos e tratarem de muitos assuntos.
(11) "Pergunto se posso convidar minhas vizinhas para brincar no nosso pátio, era um dia tão bom para se brincar na rua e tínhamos um jardim enorme. Mas eu não poderia brincar naquele dia por que estaríamos muito ocupados." A, 2ªv.
(12) "Àquela altura de minha vida, um passeio de carro era o que eu mais gostava, sempre parecia uma aventura, mas até mesmo esse momento que tinha tudo para ser divertido ficou ofuscado pela ansiedade de ir buscar a “mamãe”. Eu gostava de estar com meu pai, tudo parecia uma aventura quando estávamos juntos..." A, 2ªv.
(13) "ele sempre fazia com que as coisas fossem legais para mim até mesmo em momentos que, devido a minha timidez, eu ficava excluída entre crianças, como em aniversários de amigos em que por causa da quantidade de crianças eu acabava me excluindo e indo procurar proteção nos seus braços." A,2ªv.
            Nestes trechos, retirados do primeiro parágrafo, são apresentadas ao leitor diversas ideias sobre o tema, e que pouco acrescentam ao que foi proposto no título. Somente ao final do texto, nos dois últimos parágrafos, é que há uma ligação entre título e texto, formando uma unidade temática, porém no início o leitor poderia ter uma dificuldade de compreensão com o excesso de informações.
            A aluna B na sua primeira versão, não consegue ligar o primeiro parágrafo com o restante do texto, e apesar de apresentar as características de uma narrativa, não consegue uma unidade temática.
(14) "Nossas vidas são feitas de fatos e acontecimentos, que quase nunca nos marcam, ou fazem valer a pena serem ditos. Talvez a aprovação no vestibular, alguma descoberta pessoal, mas um fato, algo que ainda te causa algum sentimento, não consigo lembrar bem, talvez algo recente, que ainda me causa arrepios." B, 1ªv.
(15) "Resido em São Leopoldo, e sempre costumo caminhar em volta do condomínio que moro, mas naquelas duas últimas semanas estava cansada de ficar fazendo voltas sempre no mesmo lugar, e resolvi seguir uma rota diferente, indo caminhar até outro bairro vizinho" B, 1ªv.
            O trecho 14 é o primeiro parágrafo do texto, que não possui ligação alguma com o trecho 15.
(16) "[...] estava retornando para casa quando passei novamente pelo mendigo, e vi um carro parar e dizer que ia ligar para a samu. Minha curiosidade foi maior, e quando olhei bem para aquele mendigo deitado, percebi que ele não estava deitado e sim caído no chão, os olhos esbugalhados e de sua boca saia uma espuma branca. Ele estava morto. B, 1ªv.
            O trecho acima seria a conclusão da caminhada descrita pela aluna.
(17) "Venho passando por um momento pessoal que volto a valorizar a vida, e ver uma ser desperdiçada dessa maneira me deixou incomodada..." B, 1ªv.
            Já na sua conclusão, a aluna B usa termos subjetivos e que não os explica, o que faz que eles não sirvam para a unidade temática.
            Na segunda versão, a subjetividade foi retirada do texto, porém a unidade temática ainda não ficou clara, pois não sabemos se o tema é a caminhada em si, ou o fato de ter encontrado o mendigo morto, que teria levado ao aprendizado para a vida.
(18) "Afinal, qual o valor que eu estava dando para a minha vida? Pensava eu, naquele momento estava retornando para casa, entrando no meu condomínio com um segurança sorrindo para mim, mas eu poderia muito bem morrer no dia seguinte, ou na semana seguinte." B,2ªv.
            O trecho 18, ao contrário do 17, é uma conclusão concreta e de fácil compreensão, que não exige do leitor diversas interpretações, ela é clara e objetiva.
A proposta da tarefa três era a descrição de um processo, mas este processo teria de estar dentro de uma narrativa para não se tornar uma lista de ordens. Nesta tarefa a aluna B conseguiu completar satisfatoriamente, sem apresentar problemas com nenhuma qualidade discursiva, mas a aluna A ainda apresentou problemas em relação à concretude como podemos ver no trecho:
(19) “Subo no D43, que vai em direção à aula do centro.” A, 1ªv.
A referência a esta aula está completamente deslocada no texto, o leitor fica se perguntando “mas que aula é essa?” e “por que esta aula foi mencionada se não serve para nada no texto?”. A aluna poderia explorar mais esta aula, estabelecendo um sentido para ela no texto ou apenas retirá-la. Na reescrita a aluna optou por retirar este trecho e acrescentar um elemento que tinha relação com o restante do parágrafo que introduzia seu texto:
(20) “Subo no D43 após esperar na fila em baixo de um sol muito quente”. A, 1ª v.
É possível notar que a partir desta tarefa as duas alunas não apresentaram mais problemas com a unidade temática e progrediram muito em relação à concretude de seus textos, pois apenas a aluna A apresentou alguns problemas, que foram superados na reescrita. Essa evolução fica evidente também nos conceitos das alunas, pois nessa atividade a aluna A conseguiu atingir o conceito A e a aluna B atingiu o conceito B.
A proposta da tarefa quatro era escrever um memorial de leitura e deveriam utilizar referencias nos textos. As duas alunas concluíram de forma satisfatória, mas a aluna A apresentou um pequeno problema com a unidade temática por não ter relacionado seus dois temas principais: a leitura na escola com a leitura na universidade. Ela Inicia os seus dois primeiros parágrafos de desenvolvimento da seguinte forma:
(21) “[..] a minha experiência nas leituras escolares foi apenas um exercício de decodificação[...]” A, 1ªv.
(22) “Ao chegar a universidade me deparei com um exercício de leitura completamente estranho para mim.” A, 1ªv.
Em nenhum momento do texto faz uma ligação entre as duas experiências, mas na reescrita acrescenta um último parágrafo para ligar os dois elementos e justificar suas presenças no texto:
(23) “A partir das experiências na universidade pude perceber o quão pobres haviam sido as leituras realizadas na escola. A falta de uma leitura mais critica e reflexiva afetou não somente a minha capacidade de compreensão dos textos, mas também a construção dos conhecimentos adquiridos.” A, 2ªv.
Assim a aluna conseguiu resolver seu problema com a unidade temática e concluiu satisfatoriamente a atividade. O problema da aluna B em relação à esta atividade foi com a formatação do texto e a repetição de alguns termos como “conhecimento linguístico” que estão presente em alguns trecho como no seguinte parágrafo:
(24) “A falta do conhecimento prévio e o ruído no conhecimento lingüístico acarretaram em uma leitura não muito produtiva. Sobre minha experiência com a leitura de 1984, KLEIMAN (1995, p.16) diz que “o conhecimento lingüístico, então é, um componente do chamado conhecimento prévio sem o qual a compreensão não é possível”. B, 1ªv.
A aluna B não conseguiu atingir o conceito máximo por que sua reescrita continuou com problemas de formatação da ABNT.
 A quinta e última proposta foi um artigo de opinião, onde os alunos deveriam fichar, antes do texto, elementos como o tema, problema, hipóteses, argumentos etc. Nesta tarefa a aluna A conseguiu concluir satisfatoriamente todas as qualidades discursivas, apresentando somente problemas com alguns erros de digitação. O que a impediu de tirar um conceito satisfatório nesta tarefa foi não ter desenvolvido suficientemente seus argumentos e ter apresentado erro na ABNT. A aluna B teve problemas relacionados à falta de concretude e falta de fontes em seu texto. O texto apresenta problemas de concretude em alguns trechos como o seguinte:
(25) “O curso de Letras, e em especial os alunos de licenciatura, têm um currículo cheio e bastante exaustivo, em consequência são muitos trabalhos, leituras e provas ao longo de um semestre, porém a pior parte são as últimas semanas” B, 1ªv.
Ao utilizar o termo “currículo cheio” a aluna não nos esclarece o que seria cheio para ela e do que ele é cheio, essas passagens podem deixar o leitor com dúvida por que são muito abstratas. Outro termo utilizado pela aluna é “super aluno”, mas não é explicado para o leitor o que é esse super aluno e por que ele é considerado um super aluno.
Nesta tarefa, ambas as alunas não conseguiram tirar o conceito máximo, ficando a aluna B com conceito B e a aluna A com conceito C+. 
CONCLUSÃO
Após esta análise, percebemos que as alunas melhoraram seu entendimento sobre unidade temática e concretude, pois as leituras feitas em sala de aula auxiliaram na compreensão de seus problemas e na construção do conhecimento das qualidades discursivas. A evolução das mesmas é perceptível a ponto de que os comentários sobre os textos feitos neste artigo possuem uma melhora significativa.
Durante o semestre na cadeira de Leitura e Produção Textual, por conta das leituras feitas em sala de aula foi possível obter um maior entendimento sobre os conceitos de texto e suas qualidades discursivas. Os conhecimentos adquiridos nesta disciplina serão úteis durante todo o curso de Letras.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS
GUEDES, P. C. Da redação à produção textual: o ensino da escrita. São Paulo: Parábola Editora, 2009.
ROTTAVA, L. A Leitura e a Escrita na Pesquisa e no Ensino. Espaços da Escola, Ijuí, Editora UNIJUÍ, a. 4, n. 27, jan.-mar. 1998, p 61-68.
PLATÃO, F & FIORIN, J.L. Lições de texto: leitura e redação. São Paulo: Atila, 2006.
KLEIMAN, A. Texto e Leitor: aspectos cognitivos da leitura. São Paulo: Pontes, 1995.
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