Aluno 144
1 VERSAO
Posso
me lembrar que era um dia calorento, mas eu era inocente demais para reclamar
do calor. Qualquer que seja a estação, ela é capaz de alegrar uma criança que,
independente da circunstância, faz a sua própria diversão. E eu era daquelas
crianças raras de se encontrar hoje em dia: onze anos, uniforme escolar sujo
nos joelhos, cotovelos ralados, unhas roídas, seca como uma tábua. E, é claro,
tão alheia à tecnologia, que passava as horas do recreio guerreando com os coquinhos
das árvores do colégio e os meus colegas de classe.
E por falar em colégio, foi justamente esse o
cenário, e mais precisamente um lugar conhecido como biblioteca, que até aquele
momento eu desconhecia. Também não era uma grande biblioteca, pois as escolas
públicas não possuem grandes bibliotecas, mas era um lugar aconchegante, com
livros de folhas amareladas, cheiro de papel antigo e, nos dias de sol – mesmo
o mais quente de todos – era belo observar seus raios vazarem a cortina cor de
pêssego e atingirem a grande mesa de madeira envernizada.
E num dia desses, durante a primeira
aula de Português que tive na 5ª série, uma bem-aventurada professora dada ao
hábito da leitura decidiu levar 36 alunos para aquele lugar de viajens.
- Cada um de vocês deve escolher um
livro, e deverá lê-lo ao longo do mês e devolvê-lo a biblioteca, junto com um
resumo do mesmo. – disse a professora. Mas eu mal podia ouvi-la. Só pode me
entender completamente aquelas meninas que, ao olharem para uma estante repleta
de livros pela primeira vez, duas ou três vezes maior do que ela, descobrem que
o mundo é bem maior que o seu quintal.
E daquela maneira, eu corria as mãos
pelas estantes. Curiosa e animada. Minha família era humilde, sem ter-se
entregado aos estudos, e poucos – quase nenhum – eram os livros que eu tinha em
casa. Poder ter tantos assim, ao meu alcance e prontos para serem lidos, era a
maior novidade. Lembro-me de ter lido A Ilha Mágica em pouco mais de dois dias,
e meu sangue fervilhava de emoção. Eu tinha sido transportada para uma ilha
misteriosa com crianças que – eu cria – eram iguais a mim. Após a leitura,
sentei-me para resumir. Mas o que era para ter sido um resumo transformou-se
numa história: meu primeiro texto infanto-juvenil: a Ilha da Amizade, escrito a
mão em folhas de sulfite que eu recolhia onde encontrasse – minha família não
tinha dinheiro para comprar – e com ilustrações de minha autoria. Eu ainda me
dava ao trabalho de encadernar. É claro, não obtive a nota do resumo. Mas em
contrapartida isso inspirou a professora a nos dar um trabalho diferenciado
durante aquele bimestre: cada um deveria criar um livro, mesmo que escrito a mão
(pois não tínhamos muitos recursos), e encaderná-lo. No fim, ele seria doado a
biblioteca.
Desta forma, o tempo foi passando.
Com a adolescência ganhei um computador, mas a internet só veio anos mais
tarde. Então, sem redes sociais ou nada mais que eu pudesse fazer, punha-me a
escrever quase que diariamente. Assim, mais um infanto-juvenil surgiu: O
Guardião, de linguagem fluida e simples, que tenho arquivado até hoje. Na
adolescência, sob influência de rock e pop rock, punha meus sentimentos no
papel. Não apenas romances infanto-juvenis, mas poesias que até hoje permanecem
em minha memória. Dentro de mim borbulhava o desejo pela imortalidade, e então
percebi que não se demora muito para que as coisas sejam esquecidas, com
exceção das palavras escritas. Essas são as palavras que jamais se perdem,
palavras que marcam a ferro os bons resultados – ou mesmo a maus bocados. São
as palavras que guardamos, que lemos e relemos, que nos asseguram algum tipo de
memória.
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