Aluno 117
1 versão
Talvez eu não tenha
aprendido a escrever, foi-me imposto. Eu era pequeno, estava na escola, a
professora debruçava as letras no quadro e eu copiava. Aquela letra emendada,
toda agarradinha consigo que escrevia a forma caligráfica de um pato. Assim eu
comecei a escrever, ou não, assim eu comecei a copiar o que ela me dizia. Eram
palavras soltas no quadro, caderno, livro, casa, rua, agenda, os locais tinham
palavras soltas que eu apenas copiava. Eu copiava, não escrevia.
Foi com o passar do tempo
que aprendi a escrever, não meramente transpor a história do menino maluquinho
para o meu caderno, mas sim criar eu mesmo meu menino maluquinho ou, ainda
melhor, criar algo com as minhas próprias palavras. Sétima série eu participei
dum concurso de poesia, a minha própria poesia foi declamada por mim mesmo,
aquele grão de pessoa jogando para fora algo que escreveu, ali eu tive a
primeira prova concreta de que eu escrevia.
Entretanto, isso não
bastava, para escrever era necessário mais, não que eu soubesse como obter essa
adição na habilidade da escrita, logo o tempo me mostrou como desmitificar as
palavras e usá-las a meu favor. Usei-as como confidentes, amantes, joguei com elas
e com os objetos que me cercavam, desde a crise no casamento de meus pais, até
os dois corpos mortos que vi. Tudo registrado naquelas pequenas letras cursivas
de cadernos amassados.
Por causa de seu emprego,
meu pai estava sempre viajando na minha infância, cada local que passava, cada
cidade que entrava, ele me trazia um livro de alguma livraria daquele local. Eu
também aprendi a escrever com ele, cada pequena palavra que foi descoberta
naquelas leituras, naqueles milhares de livros que agora ficam encaixotados num
armário alto, esquecidos.
O tempo passou, meu pai
não compra mais livros quando viaja, não vejo mais meus pais com frequência.
Agora, eu compro meus próprios livros, escrevo sozinho nos milhares de cadernos
espalhados pela casa, uso as palavras como sustentação.
Eu não aprendi a
escrever. Eu precisei. Era necessário.
Talvez tenha sido estúpido, porém, enquanto palavra ela não
feria tanto quanto ação. A memória é fraca perto da palavra em si.
Vi meu avô morrer na minha frente; meu vizinho vidrou sua
retina dentro da minha alma e atingiu partes que nem sabia que existiam.
Escrevi. Senti a dor de ser perseguido pela memória. A dor da memória. A dor
que não se apaga. Não se desvai.
Eu necessitava armazenar as coisas que eu sabia
The wonder of you
Eu perdi tudo que eu amava
Tudo
Não restou nada
Nem ninguém
Nem nunca restará
Nem nunca restou
Nem nunc restará
Nem nunca restou
Nem nunca restará
Nem nunca restou
Nem nunca restará
Nem nunca restou
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