Aluno 148
Reescrita
Nesse caso, a minha Pré-História se resumia em andar o tempo todo pela casa com um livro na mão, denominado Introdução à Prática Amorosa, do Moacyr Scliar, o qual eu chamava de “livro do olho”, pois só era capaz de compreender as imagens como a da capa, que continha um desenho de um olho nela. Naquela época eu não sabia quem o tinha escrito, nem que era um grande autor, porque com mais ou menos cinco anos de idade isso não importa; o que importava realmente era que eu podia fazer o que quisesse com aquele livro, seja olhar as imagens por longas horas ou riscar coisas aleatórias nas partes em branco, pouco me importavam as letras grudadinhas que preenchiam as páginas.
Ao longo do tempo, devido à disposição mágica do ser humano de assimilar a linguagem, as letras grudadinhas às quais eu não dava importância foram aos poucos tomando forma, e logo o hábito de riscar coisas aleatórias deu lugar ao de transpor o que eu lia nas páginas para as partes em branco. A partir desse momento minha História começava a ser construída de fato e não demorou muito para eu começar a ouvir exclamações eufóricas dos meus familiares, como “Olha! Ela já tá escrevendo!”, seguidas de muitos tapinhas nas costas e afagos na cabeça de congratulações.
Conforme fui crescendo, minha habilidade de escrita foi de mera repetição de palavras para formação de frases, evoluindo ao longo dos anos, mas eu ainda não sabia quem era Moacyr Scliar. No dia 27 de fevereiro de 2011, agora no final dos meus doze anos, assistindo ao Jornal do Almoço com a minha mãe vi que um grande escritor tinha
falecido e foi então que ela gritou da cozinha: “Ele que escreveu o livro do olho!”. Porém, enquanto falavam muito bem de suas obras, pensei comigo o quão grande de um escritor ele poderia ser, para darem seu livro para uma criança de menos de cinco anos massacrar. Esse pensamento ficou guardado no fundo da minha mente e sempre vinha à tona quando, anos depois, li outras de suas obras, mas agora percebo que não importava se ele era um grande escritor ou não, mas sim que aquele nome que constava na capa rosa do “livro do olho”, com sua história, formou a minha com H maiúsculo.
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