Reescrita
ALuno 142
Eu
gostaria de dar indícios já na primeira frase de que a minha relação com a
escrita sempre foi natural e criativa. Talvez isso tornasse o meu texto mais
atraente. Mas terei que desapontá-los. Aprendi a escrever porque fui obrigada.
Não me deram opção, me deram um lápis. E é exatamente nesse ponto que a
história começa a ficar interessante, porque a grande questão é o que se vê no
lápis. Pode-se olhar para esse
objeto de duas maneiras: como uma ferramenta capaz de fazer anotações,
portanto, de forma comum e utilitária. Mas uma segunda opção, um tanto
fantasiosa, é enxergar no lápis uma possibilidade. Essa é, sem dúvida, minha
favorita. Lembro-me da sensação de juntar as sílabas cuidadosamente e formar as
palavras, as frases e finalmente entender porque o Cebolinha era tão
“englaçado”. Eu não fazia ideia do que era intertextualidade ou relação entre
leitor e escritor, mas achava um máximo alguém me fazer rir, e queria fazer o
mesmo. Foi assim que eu comecei a escrever. Aos
sete anos quis testar minhas habilidades textuais, convoquei meu lápis e
escolhi a leitora mais parcial de todos os tempos: minha mãe. Escrevia
cartinhas de amor em papéis e guardanapos, quando as entregava as respostas eram
sempre sorrisos, beijos e abraços. Na adolescência, as declarações de amor
cederam espaço às confissões. Como uma boa covarde tenho medo de mentir. E foi
assim que eu transformei as palavras num escudo protetor. “Mãe, rasguei o bolso
da minha mochila de propósito para ganhar uma nova. Eu mereço ficar com essa
mochila rosa da Penélope pra sempre. Te amo muito”. “Mãe, eu beijei um menino.
Foi horrível. Nunca mais vou fazer isso na minha vida, eu prometo. ” Aí é só
jogar o bilhete em cima da cama, correr, e esperar cerca de dez minutos para se
deliciar com o gosto da verdade. No
ensino fundamental, a escrita tornou-se uma maneira de ascender na complexa
sociedade escolar. As professoras adoravam tanto meus textos que liam para a
turma como exemplo. Os colegas aplaudiam e elogiavam. Por fora, eu disfarçava a
modéstia e por dentro, um grande monstrinho era nutrido: o orgulho. Nesse ponto
meu lápis se tornou meu pezinho para subir na vida. Mas como felicidade de
estudante dura pouco, o ensino médio chegou carregado de regras e restringiu
meu lápis a um instrumento de fazer anotações, e ainda por cima iguais às de
todo mundo. Não tinha graça escrever exatamente como meus colegas. Como poderia
fazer alguém sorrir ou se emocionar? Como todos os sentimentos iriam ser
expressos em trinta linhas e as sensações restritas a tópicos frasais? Lutei
inutilmente e acabei me rendendo, mas com o mesmo aperto no peito de quem sabe
que decepcionou um velho amigo. Um amigo que te socorreu durante toda a vida,
que se adaptou as suas mudanças e que não te desamparou nem por um segundo. Hoje, me esforço para enxergar,
novamente, uma possibilidade onde todos veem um objeto. Eu ainda quero
despertar sensações. Contento-me até com o desgosto ou com um suspiro carregado
de decepção. Tudo que eu peço é uma chance de recuperar uma amizade tão antiga.
Por isso, prometo me conter e não me prolongar tanto só para fazer um jogo de
palavras, vez ou outra, e não desapontar meu velho amigo lápis.
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